O Governo angolano, chefiado por João Lourenço que é igualmente Presidente do MPLA e da República, nomeou hoje uma comissão de gestão para as empresas ZAP Media e Finstar e suspendeu do exercício de funções os membros do Conselho de Administração da empresa de televisão, presidido pela empresária Isabel dos Santos.
Do Conselho de Administração transitam para a comissão de gestão, Luís Pedro Correia de Sousa Henriques, Catarina Eufémia Amorim da Luz Tavira Van-Dunem e Jorge Filipe da Silva Antunes Jacques Gomes, fazendo também parte desta nova entidade, Nazaré Ferreira Ramos e Pedro Alexandre Tavares da Silva.
Fica assim formalizado legalmente o afastamento de Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos, cujas participações na ZAP e noutras empresas tinham sido arrestadas em Dezembro de 2019, de funções de gestão na empresa.
Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República do MPLA (se fosse de Angola teria agido de outra forma) anunciou a entrega da gestão das empresas ZAP Media S.A e Finstar ao ministério que tutela a comunicação social, devendo este garantir a reintegração de trabalhadores despedidos do canal ZAP VIVA.
Na ocasião, a PGR lembrava que as participações sociais das empresas ZAP Media S.A e Finstar, de Isabel dos Santos, tinham sido arrestadas em 2019, tendo na altura sido constituídos Fiéis Depositários os Conselhos de Administração das referidas empresas.
“Em virtude do despedimento colectivo dos trabalhadores do Canal ZAP VIVA, efectuado pelos Fiéis Depositários acima citados, o Serviço Nacional de Recuperação de Activos requereu em Tribunal a sua substituição para o Ministério das Telecomunicações, Tecnologia de Informação e Comunicação Social (Minttics), tendo tal pretensão sido deferida”, justificou a PGR.
Assim, “o novo Fiel Depositário (Minttics) fica encarregue de reintegrar os trabalhadores despedidos, bem como praticar actos de gestão prudente para a manutenção das empresas”.
A 12 de Janeiro foi anunciado que o canal ZAP Viva, que estava suspenso em Angola desde Abril do ano passado, iria encerrar e despedir centenas de funcionários.
Assim, seria o segundo canal a fechar portas na sequência da decisão do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, que obrigou a suspender canais alegando “inconformidades”, depois da Vida TV, que pôs fim às suas actividades em Julho de 2021, deixando no desemprego mais de 300 profissionais.
Os trabalhadores foram demitidos devido ao longo tempo de inoperância do canal em território nacional, já que se mantinha apenas a emissão em Portugal e em Moçambique.
Artistas e figuras públicas angolanas expressaram, entretanto, a sua solidariedade e lamentaram o fecho do canal, tal como à empresária Isabel dos Santos.
Na sua conta do Instagram, Isabel dos Santos, que vive fora de Angola desde que o pai, o ex-presidente José Eduardo dos Santos, deixou o poder e enfrenta vários processos judiciais no país, exprimiu “carinho e admiração” pelos colegas da ZAP e disse estar “de coração partido”, manifestando a esperança de “voltar um dia”.
Em Setembro do ano passado, a operadora angolana tinha já anunciado um processo gradual de despedimentos na sequência da suspensão do canal ZAP Viva, afirmando estar a levar a cabo “as necessárias diligências para a retoma da emissão em território nacional”, apesar de “não se vislumbrar um horizonte temporal de resolução”.
Sem mencionar quantos postos de trabalho estão em causa, a ZAP referia, na altura, estar a “proceder a várias medidas de optimização de diferentes áreas operacionais”, entre as quais consta os recursos humanos afectos à Unidade ZAP Estúdios, responsável pela produção de conteúdos de televisão, onde se inclui o ZAP Viva.
A ZAP resulta de uma ‘joint-venture’ entre a empresa de telecomunicações portuguesa NOS (30%) e a SOCIP – Sociedade de Investimentos e Participações, S.A. (100% controlada por Isabel dos Santos) que disponibiliza televisão por satélite para Angola e Moçambique. O canal ZAP VIVA está disponível em Portugal através da NOS.
No dia 21 de Abril de 2021, o Governo angolano suspendeu os canais Record TV África, ZAP Viva e Vida TV, medida justificada com “inconformidades legais”, deixando também suspensos os registos provisórios dos jornais, revistas, páginas web (site) de notícias e estações de rádio sem actividade efectiva nos últimos dois anos, cuja lista nunca foi divulgada.
Por outro lado, as empresas fornecedoras de televisão por assinatura, nomeadamente, a TV CABO, SA, a DSTV ANGOLA, SA, a FINSTAR – detentora da ZAP TV, estavam devidamente legalizadas, mas distribuíam os canais ZAP Viva, Vida TV e Rede Record sem o registo para o exercício da actividade de televisão em Angola, o que determinou a suspensão.
Na altura, o Ministério disse que a sua actuação visava permitir ajustar o processo de atribuição do título de registo definitivo do exercício da actividade às empresas de comunicação social e não deu mais explicações até à data.
O Sindicato de Jornalistas Angolanos (SJA) voltou a manifestar preocupação, na semana passada, com a situação do canal ZAP Viva, porque o processo apresenta “muitas zonas cinzentas”.
“A nossa opinião é baseada em muitas dúvidas, por um lado, a informação da reintegração dos trabalhadores é bem-vinda, é aplaudida, por outro lado, há um conjunto de dúvidas que se levantam”, referiu Teixeira Cândido.
De acordo com Teixeira Cândido, provisoriamente o Estado vai ter a guarda da ZAP e da FINSTAR, mas se o Estado ganhar essa decisão em sede do tribunal, “deve urgentemente privatizar, porque não pode ter o monopólio”.
Freud explicaria? Ou seria “confiscado”?
O que seria uma dúvida ou uma especulação torna-se a cada dia uma realidade. O Presidente João Lourenço tem uma psicose obsessiva contra Isabel dos Santos, talvez por falta de coragem para assumir que o seu objectivo é mesmo “assassinar” pelas costas José Eduardo dos Santos.
De forma directa, indirecta, semi-directa, semi-indirecta, João Lourenço não consegue dar tréguas à filha do seu ex-patrono, quase como se ela fosse uma espinha na garganta, uma espécie de Jonas Savimbi dos tempos actuais. Tudo quanto cheire, saiba, pareça, indicie ter alguma coisa a ver com Isabel dos Santos é para abater.
Isabel dos Santos é um alvo abater por ser má empresária? Por ser corrupta? Por levar carradas de dinheiro para o estrangeiro? Por denegrir a honorabilidade do país? Por não investir em Angola? Não. Ela é o alvo principal porque isso é o que o populismo do novo “querido líder” impõe.
Pôr Isabel dos Santos na sarjeta significava (significa cada vez menos) a simpatia de um país inteiro. E João Lourenço facturou sobre essa onda. Com 20 milhões de angolanos a aprenderem a viver sem comer, João Lourenço só se preocupou em dar-lhes o prazer de verem Isabel ser escorraçada. Passada essa euforia o povo começa a ver que, afinal, saiu Isabel mas eles continuam de barriga vazia. Aliás, se alguns não a têm totalmente vazia devem-no a Isabel e não a João Lourenço.
“Eu não mexi em filhos do ex-Presidente, mexi em cidadãos angolanos. São cidadãos angolanos, estão sujeitos, tanto como os outros, às mesmas regras”, afirmou o chefe de Estado.
Isabel dos Santos não tinha actividades políticas. Por isso o país ainda espera explicações sobre as eventuais razões técnicas, empresariais, de administração, de gestão que possam justificar as decisões de João Lourenço.
A revogação, por decreto de 28 de Junho de 2018, assinado por João Lourenço, neste caso do projecto de construção e concessão, por 30 anos, do porto da Barra do Dande, alternativo ao de Luanda, implicou a abertura de um novo procedimento e foi justificada com o incumprimento da legislação dos concursos públicos, mas a Atlantic Ventures veio logo a público garantir que todo o processo foi feito com transparência e que a concessão “insere-se na concessão de serviços públicos portuários e está sujeita ao regime especialmente previsto, quer na Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas, quer na lei que estabelece as Bases Gerais das Concessões Portuárias”.
Recorde-se que neste caso da Atlantic Ventures, emblemático da gestão autocrática de João Lourenço, a decisão foi aprovada sem contestação em Conselho de Ministro presidido por José Eduardo dos Santos e no qual, aliás, participou um ministro que manifestou a sua total concordância e que viria a ser a grande figura de Angola – João Lourenço…
Menos de duas semanas depois, um despacho de 12 de Julho, novamente assinado pelo Presidente angolano, excluiu duas empresas do consórcio encarregue da construção, por mais de 4.500 milhões de dólares (3.870 milhões de euros), da barragem de Caculo Cabaça, no rio Kwanza e que será a maior do país, uma das quais associada directamente a Isabel dos Santos.
Esse despacho apontava, no que parece ser um novo paradigma da governação de João Lourenço, a “necessidade da modificação subjectiva” do consórcio responsável pela obra, com a “saída das empresas CGGC & Niara Holding Limitada e da Boreal Investment Ltd”, justificada com o “objecto do contrato e do seu equilíbrio financeiro”.
“Necessidade da modificação subjectiva” é, objectivamente, definição digna de registo e que com certeza estará nos primeiros lugares do anedotário internacional.
É claro que, do ponto de vista da “necessidade subjectiva”, o anterior membro do governo em que tudo se passou, na circunstância objectiva o ministro da Defesa e vice-presidente do MPLA, João Lourenço, passou pela responsabilidade inerente aos seus cargos como uma virgem santíssima.
Folha 8 com Lusa