Luanda regressou esta manhã, lentamente, à normalidade, um dia depois dos incidentes durante uma paralisação de taxistas, que rejeitam intenções políticas e pedem às autoridades para encontrar os “verdadeiros culpados” dos actos de vandalismo de segunda-feira na capital angolana. O MPLA, pela voz do seu dirigente Bento Bento, já encontrou o culpado: a UNITA.
Numa ronda feita em várias zonas da cidade, a Lusa constatou que os táxis, transportes colectivos privados que levam até 15 passageiros, também conhecidos como “azuis e brancos” ou “candongueiros”, estão hoje a circular e a transportar pessoas e nas paragens não se verificam as enchentes de segunda-feira.
No FTU, Golf II (Kilamba Kiaxi), BCA (Viana), Gamek e Rocha Pinto (Maianga), Aeroporto e Largo da Independência, alguns dos pontos com maior intensidade de tráfego e acumulação de passageiros, a situação era de normalidade desde as 06:00 de hoje.
Os líderes das associações de taxistas demarcam-se e sublinham, num comunicado, que a paralisação tem “objectivos meramente sociais, e não políticos”. Rejeitam qualquer ligação com os actos de vandalismo que ocorreram no distrito urbano de Benfica (arredores de Luanda), no decurso dos quais foi incendiado um edifício do MPLA, seita (*) no Poder há 46 anos, e instam a polícia a apurar e responsabilizar civil e criminalmente os implicados para se encontrar “os verdadeiros culpados”.
Salientam ainda que a paralisação tem “objectivos meramente sociais, e não políticos, pois o fim último consubstancia-se na valorização e respeito da actividade do táxi”, e reafirmam estar abertos ao diálogo com as instituições do Estado angolano para pôr fim ao diferendo.
Na segunda-feira, o secretário provincial do MPLA em Luanda, Bento Bento, afirmou que elementos da UNITA, o principal partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, estariam ligados ao vandalismo, o que a UNITA desmentiu, recomendando antes ao governo que “resolva os problemas do povo”.
Ambos os partidos, que vão disputar este ano eleições gerais, condenaram veementemente os incidentes.
Estradas cortadas, um autocarro do Ministério da Saúde queimado e os seus funcionários agredidos, tentativa de linchamento de jornalistas a trabalhar para órgãos dominados pelo MPLA foram outros dos actos de violência ocorridos no dia da paralisação dos taxistas.
Os mercenários do MPLA estão, mais uma vez mas agora de forma mais letal, a municiar os falcões do partido para que eles se sintam legitimados a fazer o que, dizem, o Presidente do MPLA quer que se faça, se bem que resguardando a imagem internacional de João Lourenço (já bem manchada), sendo que a imagem interna já não tem cura.
Recorde-se, por exemplo, que no dia 29 de Outubro de 2020, João Lourenço exortou (na abertura da IV sessão ordinária do Comité Central do seu grupo) os jovens a “não se deixarem manipular” por aqueles que não têm condição de resolver os seus problemas em educação, saúde, habitação e emprego.
A observação feita pelo líder do partido que governa o país desde a independência surgiu após várias manifestações realizadas em Angola, nas quais os jovens têm cobrado a promessa eleitoral da criação de 500 mil postos de trabalho e a degradação social e económica da população, sendo que ter 20 milhões de pobres é o melhor e mais paradigmático exemplo da capacidade governativa do MPLA.
O Presidente reiterou o direito à manifestação, mas – repare-se – considerou que a UNITA (partido que, como diz o Bureau Político do MPLA, é dirigido por um “estrangeiro”), deve assumir “todas as consequências dos seus actos de irresponsabilidade”. E, acrescentamos nós, deve ser igualmente responsabilizada por estar ajudar os angolanos a pensar pela própria cabeça, por dizer que devem recusar ser amputados da coluna vertebral e transferir o cérebro para os intestinos. A UNITA é também responsável por dizer (ao contrário das ordens do MPLA) que ninguém consegue viver sem comer.
Segundo o líder do MPLA, os cidadãos angolanos (sobretudo os de primeira, ou seja, os que sejam a favor do MPLA) têm o direito de reunião e de manifestação. “Reiteramos o direito à manifestação, algo que é uma realidade no nosso país, onde já tiveram lugar manifestações pacíficas, de protesto ou de reivindicação de direitos, mas não posso deixar aqui de manifestar a nossa indignação com os mais recentes e tristes acontecimentos em Luanda”, referiu João Lourenço, fazendo suas (recorde-se) as teses do seu mentor e mestre, José Eduardo dos Santos e, na altura, perspectivando o que viria a acontecer em Cafunfo e agora em Luanda, antecipando o que o MPLA pretende que aconteça em todo o país, de modo a poder reeditar o exemplo do seu herói nacional, Agostinho Neto, nos massacres de 27 de Maio de 1977.
Para o chefe de Estado angolano, o envolvimento directo da UNITA e dos seus deputados à Assembleia Nacional em manifestações, devidamente identificados, “é reprovável e deve merecer o mais veemente repúdio da sociedade angolana, que não pode permitir que partidos políticos, com assento parlamentar, incitem os jovens e a população para a desobediência civil”.
O comportamento da UNITA, prosseguiu João Lourenço, pode comprometer e deitar por terra todo o esforço que a nação (segundo a definição do MPLA) vem fazendo. Relembre-se que foi a ausência desse esforço que levou, em 1977, o então Presidente e herói nacional do MPLA, Agostinho Neto, a massacrar todos os contestatários.
Provavelmente, se os angolanos continuarem a contestar a ditadura do MPLA, em vez do estado de emergência corre-se o risco – cada vez mais real – de o Presidente decretar o estado de guerra (uma das suas especialidades), engavetar a Constituição (que é, aliás, o sítio onde está há muito tempo), não perder tempo com julgamentos e decretar o confinamento (nas prisões ou nos cemitérios) de todos os que ousem pensar de forma diferente.
O chefe de Estado angolano advertiu que “a estratégia de tornar o país ingovernável, para forçar negociações bilaterais, no actual contexto político, em que as instituições democraticamente instituídas funcionam em pleno, não é concretizável”. Por outras palavras, João Lourenço acena com um novo 27 de Maio de 1977 (ou, em alternativa, com os massacres de 1992 em que tentou acabar com a UNITA. E, no contexto da pandemia de Covid – ou de qualquer outra – é certo que o Governo não irá – como em 1977 ensinou Agostinho Neto – perder tempo com julgamentos, mesmo que apenas decorativos (como agora acontece).
“Perante a probabilidade de réplica do que se passou em Luanda pelo país fora, as autoridades competentes vão continuar atentas e cumprir com o seu papel de manutenção da ordem pública e fazer cumprir as medidas tomadas no quadro de calamidade pública”, disse o general João Lourenço (Outubro de 2020), convicto de que a Polícia e as Forças Armadas subscrevem a tese de que o MPLA é Angola e Angola é do MPLA. E cumpriram.
Na sequência dos acontecimentos de Outubro de 2020, um grupo de 103 manifestantes foi detido e os bandidos julgados no Tribunal Provincial de Luanda, onde foram registados novos actos, considerados pelas autoridades, de arruaça, que causaram danos a privados e património público. E, é claro, até prova em contrário todos (os que não são MPLA) são… culpados.
Na linha das teses de João Lourenço, alguns mercenários do regime estão, mais vírgula menos vírgula, a escrever e a pôr a circular textos – como o que agora apresentamos – que são verdadeiras declarações de guerra.
Tal como em 1977, “melhor” do quem 1992
Vejamos o texto que se segue, da autoria de um bajulador raivoso e covarde, um verdadeiro pombo(lo) correio albino:
«A UNITA de Adalberto da Costa Júnior, está a colocar em marcha o seu projecto de desestabilização e criação da desordem em Angola.
O plano prevê a realização de manifestações violentas, a incitação da violência contra as forças da lei e da ordem e o lançamento de campanhas de desinformação e calúnias contra as entidades do estado angolano.
A ideia da UNITA é provocar uma situação em que as forças da lei e da ordem disparem contra os manifestantes para que possa exibir os seus cadáveres à comunidade internacional como alegada prova da existência de um governo autoritário em Angola.
A UNITA não está sozinha nesta sua aventura irresponsável. A novidade é que conta agora com o apoio de alguns elementos do MPLA, envolvidos na delapidação do erário público durante o mandarinato de José Eduardo dos Santos.
Esses elementos do MPLA, descontentes com o fim dos seus privilégios, decidiram estabelecer uma aliança com a UNITA de Adalberto da Costa Júnior, a quem financiaram e nestas suas acções contra o Presidente João Lourenço.
A estratégia conta com o envolvimento de alguns supostos membros da sociedade civil, com destaque para Amélia Aguiar, antiga concubina de Augusto Tomás, a toxicodependente Laura Macedo e a falsa moralista Sizaltina Cutaia, amante e destruidora de lar. Aliás, a Sizaltina Cutaia foi prometido um lugar na lista de deputados da UNITA nas próximas eleições.
A Sizaltina Cutaia foi atribuída a responsabilidade de usar o espaço que ocupa no política no feminino da TPA para atacar o governo e o Presidente João Lourenço. Ela faz reuniões de preparação com a cúpula da UNITA, onde recebe orientações sobre como deve proceder no painel.
Os acontecimentos nos lembram as campanhas de provocação da UNITA, antes e depois das eleições de 1992. Ao que parece, a Galo Negro e alguns dos seus radicais pretendem voltar a um cenário de guerra e de confusão.
Aliás, o desertor Abílio Camalata Numa, um dos cérebros desta nova radicalização da UNITA já veio admitir que são eles que estiveram por trás dos actos violentos ocorridos.
Os dirigentes da UNITA estão a brincar com o fogo e esqueceram -se que existem dentro do MPLA e da sociedade, gente radical que nunca escondeu outro desfecho que não fosse a destruição da UNITA e dos seus dirigentes. Num cenário de caos, existem garantias de que sairão vivos e salvos como aconteceu com alguns deles em 1992? As balas perdidas não escolhem a cor partidária, elas matam simplesmente pessoas.
Ao promover o ódio contra as instituições, incitar a violência e até mesmo apelar ao assassinato de jornalistas e à destruição da TPA, a UNITA terá que arcar com as consequências dos seus actos irresponsáveis.
Angola vive uma grave crise económica e sanitária. A UNITA e os seus dirigentes sabem que os problemas sociais que vivemos foram provocadas pelos seus actuais aliados: os militantes descontentes do MPLA que no mandato de José Eduardo dos Santos roubaram o dinheiro do país para os seus fins pessoais.
Que a UNITA não pense que tomará o poder por via da arruaça e da desordem.
Existem angolanos e angolanos dispostas a defender se necessário novamente com sangue, a soberania de Angola e o normal funcionamento das nossas instituições.
Que Adalberto da Costa Júnior não brinque com o fogo: não é uma ameaça: é mesmo um recado curto e directo para que perceba que já chegamos ao nosso limite.
Adalberto da Costa Júnior , Kamalata Numa , Navita NGOLO , Nelito Ekuikui e Paulo Lukamba Gato não se esqueçam que também sabemos recrutar jovens para queimar pneus , incendiar as vossas casas e carros e aterrorizar as vossas famílias.
Não se esqueçam que também podemos incendiar as sedes da UNITA, tal como os vossos militantes da JURA estão a prometer fazer com a TPA, polícia nacional, ministérios e outras instituições do estado.
Deste lado também existem radicais dispostos a tudo, que não tem nada a perder.
Sabemos igualmente apagar fogo com gasolina. Ao contrário do que aconteceu em 1992 e em 2002, nós não estaremos mais disponíveis para ouvir a voz dos líderes do país, pedindo moderação. Que os dirigentes da UNITA não pensem que somos burros e distraídos.
Deixem de enviar autocarros alugados para trazer bandidos para as manifestações e confusões em Luanda. Deixem de financiar jovens arruaceiras.»
(*) Para efeitos de queixa contra o Folha 8, informamos a ERCA, o DIP do MPLA e os seus patrões que “seita” também significa “grupo organizado que tem ideias ou causas em comum, bando, partido”.