A REVOLTA DA CONGESTÃO DE FOME

Jornalistas dos canais controlados pelo MPLA, TV Zimbo e TV Palanca, sofreram hoje uma tentativa de linchamento quando reportavam incidentes ocorridos em Luanda, onde decorria uma paralisação dos táxis. A imagem que ilustra este texto, onde – por exemplo – se constata que a TPA é a campeã dos subsídios do Estado, sendo que sozinha recebe mais dinheiro do OGE do que os caminhos-de-ferro de Benguela, Luanda e Moçâmedes juntos, ajuda explicar quem é que, num país com 20 milhões de pobres, criou este fenomenal barril de pólvora.

Por Orlando Castro (*)

Telmo Gama, da TV Zimbo, explicou que se encontrava com um colega, repórter de imagem, em Benfica (arredores de Luanda), para acompanhar os tumultos desta manhã, que resultaram em actos de vandalismo e destruição da sede local do MPLA (partido no poder a “apenas” 46 anos).

“Quando nos aproximámos do local para filmar, alguns indivíduos tentaram retirar-nos à força, mas um outro grupo solidarizou-se e tentou escoltar-nos até à esquadra”, disse o jornalista.

Telmo Gama sublinhou que o momento de maior apreensão aconteceu quando ouviu alguém gritar “não atira combustível”. “Nesse momento, apercebi-me que algumas gotas de líquido que me tinham atingido e que pensei que eram de água eram combustível e tentei sair imediatamente no local”, contou.

Em Luanda, são frequentes os casos de criminosos ou suspeitos de crimes apanhados pela população que são queimados vivos.

O jornalista da Zimbo adiantou que não conseguiu identificar os agressores, mas indicou que “não são taxistas”, o que lhe foi confirmado também pela polícia.

“Presume-se um aproveitamento da situação para praticar actos de vandalismo e destruição de bens públicos”, sublinhou, acrescentando que “as pessoas estavam com os nervos à flor da pele”.

Na esquadra para onde se dirigiu a equipa da TV Zimbo encontravam-se já colegas da Palanca TV que foram também vítimas de ameaças e tentativa de linchamento.

Um dos jornalistas que integrava a equipa de quatro profissionais deste canal afecto ao partido do regime descreveu que foram “verbal e fisicamente agredidos e quase queimados”, acrescentando que terá sido graças à intervenção policial que o pior não aconteceu.

Entretanto, o coordenador de conteúdos da Comissão de Gestão da TV Zimbo, Amílcar Xavier, já repudiou o “acto de intolerância”.

“Somos apenas mediadores do espaço público. Estamos apenas a exercer o nobre papel que é o de servir a causa pública”, disse à Lusa, sublinhando que estes actos devem ser condenados por toda a sociedade.

A Polícia de Luanda anunciou que foram já detidas 17 pessoas supostamente envolvidas em actos de vandalismo, no distrito urbano de Benfica.

Entretanto, a UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, condenou esta segunda-feira os “actos de vandalismo” em Luanda e lamentou a destruição das instalações do comité de acção do MPLA em Benfica, recomendando ao Governo que resolva os problemas do povo.

“Condenamos veementemente os actos de vandalismo que tiveram lugar na cidade e capital, Luanda”, afirmou Nelito Ekuikui, secretário provincial da UNITA.

Luanda viveu momentos de caos nas primeiras horas da manhã desta segunda-feira, dia em que três organizações de taxistas decretaram uma paralisação destes transportes colectivos, com distúrbios em vários pontos da capital, estradas cortadas, longas filas de trânsito e enchentes nas paragens, bem como actos de vandalização, nomeadamente contra um edifício do MPLA (partido do poder).

Em declarações à Televisão Pública de Angola (TPA) esta segunda-feira, o secretário provincial do MPLA em Luanda, Bento Bento, associou – como não poderia deixar de ser – o acto de vandalização à UNITA, o que o partido do “Galo Negro” rejeitou.

“Lamentamos muito e ouvimos com tristeza as acusações do secretário provincial (do MPLA) em Luanda”, disse Ekuikui no comunicado divulgado no Facebook, esclarecendo que a UNITA nada teve a ver com os actos de vandalismo.

O dirigente partidário sublinha que “o diálogo é a maior via para apaziguar os espíritos” e que os “actos de vandalismo resultam sempre num saldo negativo”, criticando a vandalização dos autocarros e outros bens públicos, que “merecem um tratamento exclusivo por pertencerem a todos nós como resultado do dinheiro público”.

Recomendou, por isso, ao Governo que dialogue com o povo e resolva os seus problemas.

“Não mintam ao povo. Se comuniquem com os sindicatos e resolvam as exigências dos cadernos reivindicativos. Saber a fonte do problema e fingir demência não resulta, continuar a esquivar os sinais e simular uma sequência de acontecimentos também não resulta. Acusar a UNITA não é a solução para os problemas do país. Precisam de melhorar a esse nível”, exortou o político.

Nelito Ekuikui apelou ainda à tranquilidade e serenidade: “Vamos dialogar, não vamos colocar em risco a segurança e a vida de outrem, isso não faz parte da cultura do nosso povo”, destacou.

Eis, entretanto, o comunicado do Grupo Parlamentar da UNITA que “constata com enorme preocupação o agravamento da crise económica e social no país, com o registo de mortes por fome, elevados índices de miséria extrema, desnutrição, criminalidade, prostituição e violência doméstica, resultantes do fracasso das políticas públicas que têm obrigado os cidadãos, individual e colectivamente, a protestarem”.

“O Grupo Parlamentar da UNITA nota com acrescida preocupação a insensibilidade do Executivo em dialogar com representantes legítimos de distintas classes de trabalhadores e a incapacidade de implementação de medidas de políticas com impacto directo na vida do cidadão, das famílias e das empresas, o que tem gerado o crescente movimento grevista atingindo os médicos, enfermeiros, professores universitários, oficiais de Justiça, trabalhadores da EPAL, ENDE e o mais recente dos taxistas, estes últimos cuja paralisação gerou na manhã desta segunda-feira, 10 de Janeiro, actos de violência nalgumas artérias da cidade de Luanda.

“O Grupo Parlamentar da UNITA condena veementemente estes actos de violência que em nada ajudam a resolver as reivindicações em curso e apela para que se corrija a postura de indiferença dos gestores das instituições, cuja morosidade nas respostas tem levado à saturação dos afectados o que agrava a sua condição social e consequentemente a estabilidade sócio-económica do país.

Numa altura em que o País se prepara para celebrar 20 anos do calar das armas e espera realizar as quintas eleições gerais, é urgente que se resolvam pela via do diálogo construtivo e abrangente os problemas básicos que afligem os cidadãos e que condicionam a paz social e a paz política.

“O Grupo Parlamentar da UNITA insta as entidades que tutelam os sectores hoje em greve a abrirem-se ao diálogo e a concertação, única via capaz de ajudar a resolver as preocupações das classes socioprofissionais.

“A presente crise social vem mais uma vez provar que as prioridades do Governo e as opções políticas expressas no OGE-2022 estão equivocadas e distantes dos principais desígnios nacionais.”

BARRIGA VAZIA É (SEMPRE) MÁ CONSELHEIRA

A incompetência das políticas económicas (quatro ministros da Economia em quatro anos de governo) é um dos principais problemas que o Presidente da República (não nominalmente eleito), igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, terá de enfrentar em 2022, ano em que Angola deverá ter eleições gerais.

Perante os tumultos, qual será a resposta do MPLA? Simples. Não usar a força da razão, porque não a tem, ponde em campo a razão da força, que tem até dizer basta.

Para Ricardo Soares de Oliveira, professor do Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford e autor do livro “Magnífica e Miserável: Angola desde a guerra civil”, os desafios de João Lourenço são muitos.

No quarto ano de mandato de João Lourenço, que tomou posse a 26 de Setembro de 2017, o académico descreve a actual situação política em Angola como “muito maleável” e caracterizada por graves problemas económicos, apesar do aumento recente dos preços do petróleo.

“Poderá haver ainda turbulência nos próximos 12 meses nos mercados das matérias-primas e, de qualquer modo, não compensa a sangria de recursos que se assiste desde 2014. Isto é uma bola de ferro que João Lourenço tem presa à perna”, afirmou.

O país continua dependente das matérias-primas, como sempre esteve, não gera emprego e não conquistou a diversificação económica, colocando a situação económica no centro das preocupações dos angolanos. Ao fim de 46 anos, o MPLA ainda não conseguiu ser humilde a ponto de perceber que se as couves forem plantadas, como acontece desde 1975, com a raiz para cima… morrem.

E mesmo que o Presidente dos angolanos (do MPLA) consiga obter financiamento para “alimentar alguns grupos clientelares” que lhe garantam algum apoio a médio prazo, isto não elimina as questões políticas e sobretudo sociais com que o país se confronta.

Esta é, aliás, uma matéria em que João Lourenço é o maior perito. Desde logo porque viu roubar, participou nos roubos, beneficiou dos roubos mas conseguiu – diz – não ser ladrão.

Ricardo Soares de Oliveira, especialista em questões africanas, olha para o MPLA com um partido “fossilizado” cujas referências ao passado se tornaram obsoletas na mente de 75% do eleitorado angolano, maioritariamente jovem.

“É como se um partido político português fizesse um manifesto eleitoral com referências vivas à Segunda Guerra Mundial”, destacou, sublinhando que a “demonização da oposição” que foi central nos anos 70, 80 e 90 é agora “inútil ou até contraproducente” e não desencoraja as pessoas que querem votar UNITA.

Reconheça-se, contudo, que o MPLA recorre à sua fossilização mas de forma selectiva. Os massacres de milhares e milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977, ordenados por aquele que é o único herói nacional que o MPLA permite (Agostinho Neto), não são assim tão antigos. Podem, aliás, ser reeditados se isso for conveniente para a manutenção do poder.

“João Lourenço não se consegue livrar do passivo que vem com o MPLA. O partido é o que existe. As pessoas são o que são, ele pode livrar-se de dois ou três super-corruptos porque acha que aquilo vai dar má imagem, mas não são só dois ou três, é uma fatia significativa da liderança do partido”, continuou o investigador, admitindo que esta é também uma das razões pela qual João Lourenço não “limpou” o partido verdadeiramente.

Apesar de entrar na corrida eleitoral com uma situação económica negativa, o peso partidário não representa só desvantagens, mas também um acesso discricionário aos fundos que os partidos da oposição não têm, notou.

Ricardo Soares de Oliveira sugere que João Lourenço poderá vir a dar alguns sinais políticos – aumentar os decibéis da propaganda sobre a diversificação da economia e da criação de empregos, fazer anúncios do domínio da despesa social, saúde e educação, insistir no discurso de luta contra a corrupção – mas o menu disponível para resgatar a sua imagem “não é muito extenso”.

Por isso, as opções para as eleições de 2022 são mais restritas do que em 2017, realçou. E, é claro, quando falta a força da razão, João Lourenço pode sempre usar a infalível razão da força.

Além disso, queira-se ou não, o regresso do ex-presidente José Eduardo dos Santos a Luanda é mesmo uma fonte de preocupação adicional, face ao “sentimento difuso, em alguma opinião pública, de que afinal as coisas no tempo de JES não eram assim tão más”. Aliás, um provérbio português diz: “Atrás de mim virá quem bom de mim fará”…

“As pessoas não estão propriamente a dizer bem de José Eduardo dos Santos, estão a dizer mal de João Lourenço”, sintetiza, explicando que esta forma de embelezar o legado do anterior presidente, transformando a anterior presidência em algo benigno, é uma “ficção”, compreensível no contexto actual, mas “perniciosa” face à oportunidade perdida de transformação real do país naquele período.

“Penso que qualquer nostalgia que apague os factos da má governação de JES é inaceitável, mas percebo de onde essas vozes vêm”, disse o analista.

Do lado da oposição, além do discurso mais crítico do MPLA e de “uma certa lucidez na identificação dos problemas do país”, em particular do que foi feito de mal, há também uma “pobreza de ideias” no que respeita a alternativas para o país.

Importa, contudo, reconhecer – de acordo com o cérebro intestinal dos dirigentes do MPLA – que o partido precisa de mais 54 anos de governação ininterrupta para aprender definitivamente que as couves não devem ser plantadas com a raiz para cima. A bem da acefalia do MPLA joga, contudo, que em breve conseguirão provar que os massacres de milhares de angolanos no 27 de Maio de 1977 foram da responsabilidade de um português chamado António Agostinho Neto.

Para além de que, “quando se fala de assimetrias regionais, não devemos falar apenas do leste do país e por ser uma zona de produção de diamantes, até porque a principal fonte de receitas em divisas do país é o petróleo” lembra o MPLA que cita províncias ricas em petróleo e que são pouco desenvolvidas.

Apesar de reconhecer que a abertura democrática (imposta, segundo o “escolhido de Deus”, José Eduardo dos Santos) “deve ser aprofundada e aperfeiçoada no interesse do país e dos angolanos”, o Bureau Político do MPLA considera que “esta maior liberdade de imprensa, de expressão, de reunião e de manifestação, está a servir para promover o desrespeito à Constituição e à Lei, aos símbolos nacionais, o desrespeito à autoridade instituída, o desrespeito ao património público e à propriedade privada, o que é perigoso para a estabilidade político-social e contrária ao bom ambiente de negócios atractivo do investimento privado, que se vem criando ultimamente”.

Os sipaios do MPLA não explicam, contudo, como é possível aperfeiçoar e aprofundar algo que não existe. Mas…

O MPLA reitera defender que o MPLA é Angola e que Angola é (d)o MPLA, sendo essa a estratégia para que os eleitores não sejam surpreendidos com líderes políticos corruptos, sem escrúpulos, criminosos e ladrões como os que estão no Poder desde 1975.

O Bureau Político “apela aos jovens a abraçar as causas nobres que têm a ver com a sua superação cultural, formação académica e profissional e a sua inserção na sociedade e que não façam da arruaça o seu modo de vida” e sublinha que “da arruaça não virá nunca o pão, o emprego, a habitação, o bem-estar das vossas famílias”.

Para isso os jovens devem aceitar ser amputados da coluna vertebral, bem como permitir a mutação do cérebro para os intestinos, podendo assim ser militantes de alto gabarito do MPLA. Militantes que tenham de se descalçar para contar até 12, que conheçam bem o que é a electricidade… potável, que estabeleçam “compromíssios” com os dirigentes… se “haver” necessidade…

(*) Com Lusa

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