O Ministério da Saúde de Angola manifestou-se surpreso com a greve por tempo indeterminado dos médicos, que hoje cumpre o seu segundo dia, apelando aos profissionais que regressem ao trabalho, porque a maioria das reivindicações estão atendidas. Por outras palavras, os médicos ou são marimbondos ou… “criminosos”. Não está mal.
A posição foi expressa pelo secretário de Estado para a Área Hospitalar, Leonardo Europeu, que tem negociado com o Sindicato Nacional dos Médicos de Angola.
Segundo Leonardo Europeu, o caderno reivindicativo apresentado em Setembro pelo sindicato, “mereceu uma resposta em tempo”, salientando que as negociações tiveram início no dia 1 de Dezembro.
“O sindicato convocou uma assembleia na qual saiu como resolução a realização da greve no dia 6, mesmo assim o Ministério da Saúde reagiu, convidando o sindicato para negociações, as quais tiveram lugar desde o dia 1, foi o primeiro dia de negociações, abordamos o ponto 1 e 2 do caderno”, referiu.
Sobre o primeiro ponto reivindicativo, a recolocação imediata do presidente do sindicato, bem como a nulidade do processo disciplinar que teve a nível do Hospital Pediátrico David Bernardino, o governante angolano disse que foi já atendida, com a passagem de duas guias para o seu reenquadramento na Maternidade Lucrécia Paim ou Hospital Américo Boavida, à sua escolha.
“No segundo dia estivemos a debater os pontos números três, quatro, cinco e seis, os quais têm a ver com a questão salarial e os subsídios, tivemos participação dos técnicos do Ministério das Finanças e do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, e ficaram esses pontos de serem levados para as titulares da pasta para subsequentemente se encontrar um caminho para a questão da resolução salarial dos profissionais”, salientou.
De acordo com Leonardo Europeu, foram informados que o Ministério das Finanças está a trabalhar para o aumento salarial de forma global, a questão dos subsídios e a abordagem do Imposto sobre Rendimento do Trabalho, horas acrescidas e outros assuntos.
“Mas surpreendentemente na quinta-feira à noite praticamente nos deixaram na mesa [de negociações], porque acharam que a proposta do Ministério da Saúde referente ao ponto um não favorecia ao presidente”, disse.
Leonardo Europeu sublinhou que quando se está em negociações não se pode partir para a greve, considerando que esta é uma atitude “contrária ao diálogo”.
“Sabemos a intenção que há, temos aqui a dizer que já passamos o ponto número um, fica ultrapassado, porque hoje mesmo passamos as guias, são duas para a colocação imediata em unidades que são de subordinação do Ministério da Saúde, como é o caso da maternidade Lucrécia Paim, assim com o Hospital Américo Boavida, como segunda opção”, reforçou.
A escolha destas duas unidades hospitalares, prosseguiu o secretário de Estado, atendem às qualidades do presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola, que é pediatra especialista, médico assistente do escalão A e docente.
“Apelamos à classe médica a estar unida, no sentido bom, não dizemos que a reivindicação não tem sentido, mas estamos a trabalhar e neste momento só estamos a depender da decisão do Dr. Adriano [presidente do sindicato], quer dizer se ainda existe greve só por causa do ponto um já o fizemos, aqui estão as duas guias passadas”, salientou.
O caderno reivindicativo apresenta como uma das primeiras exigências, a recolocação imediata do presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola, a sua indemnização pelos danos causados pela sua transferência para os Recursos Humanos do Ministério da Saúde e nulidade do processo disciplinar.
O referido processo disciplinar foi movido contra o pediatra por denunciar à imprensa a morte de 19 crianças de um total de 24 no banco de urgência do Hospital Pediátrico David Bernardino, tendo sido transferido para o departamento dos Recursos Humanos do Ministério da Saúde, justificado com a necessidade de mobilidade de quadros.
“O ponto um foi resolvido, o dois, três, quatro, cinco e seis também, razões de greve vão sendo dissipadas, ficamos com a agenda aberta para que amanhã [terça-feira] às 15:00 retomemos as negociações, apelamos a classe médica a voltar ao trabalho, às suas posições de trabalho, apelar mais uma vez o código de deontologia e ética médica, o juramento de Hipócrates, para que a nossa população não seja vítima das vontades individuais para representar as classes profissionais”, disse.
O governante angolano criticou o facto de supostamente não estarem a ser garantidos os serviços mínimos definido por lei durante as greves.
“Temos uma coisa a chamar a atenção, existem questões que devem ser cumpridas durante a greve que é o não cancelamento dos serviços mínimos, dos quais faz parte o internamento, uma chamada de atenção aos colegas, um paciente operado que está no internamento pode complicar em algum momento, pode ter hemorragia, infecção, outras questões mais, um apelo a quem estudou medicina, quem sente as necessidades de saúde da nossa população para voltarem às posições de trabalho”, exortou.
Leonardo Europeu disse que o Governo tem vindo a melhorar as condições de trabalho e das infra-estruturas, com novos equipamentos, nomeadamente aparelhos de ressonância magnética, de laboratório, ecógrafos, além de aumentar o número de profissionais com a admissão de mais 28.000 profissionais.
A propósito da greve, Adriano Manuel têm lamentado o tipo de medicina que é feito actualmente no país, “sem qualidade absolutamente nenhuma, sem material de biossegurança, sem laboratórios”. Essa parte Leonardo Europeu não viu.
“Nós fazemos uma péssima medicina. Há doentes que em Angola morrem e que deviam ter sido salvos, se eventualmente as condições tivessem sido criadas. Como não estão criadas, os doentes morrem, principalmente na periferia. O que nós não queremos é que isso continue a acontecer, por isso é que partimos para a greve”, disse Adriano Manuel. Essa parte Leonardo Europeu não viu.
“Nós precisamos de ter uma melhoria das condições de trabalho. Temos hospitais que não têm nenhum laboratório, nem um raio-X, não têm o básico para se praticar medicina de qualidade. Temos hospitais que não têm nem medicamentos, absolutamente nada. Somos obrigados a mandar os nossos doentes comprarem medicamentos nas farmácias, muitos doentes vêm a convulsionar e não temos medicamento para travar a convulsão”, explicou Adriano Manuel. Essa parte Leonardo Europeu não viu.
Adriano Manuel criticou ainda a falta de melhoria do sistema de saúde primário, o que leva a enchentes nos hospitais terciários, que se poderiam evitar com investimentos na medicina preventiva, e não curativa. Essa parte Leonardo Europeu não viu.
“O facto é de que na base não se resolver absolutamente nada e estamos a querer resolver o problema no sistema de saúde curativo. O grande problema de Angola é o sistema de saúde primário, a prevenção, o Governo quase ou nada investe na prevenção e não investindo vamos encontrar doentes que poderiam muito bem ser abordados na periferia vêm aos hospitais terciários onde ficam acumulados e morrem porque devido à exiguidade de recursos humanos”, disse Adriano Manuel. Essa parte Leonardo Europeu não viu.
Folha 8 com Lusa