DO LIXO (DE MILHÕES) AO LUXO DE ALGUNS

A arte juntou-se este ano aos negócios na Feira Internacional de Luanda (FILDA) pelas mãos do artista Jone Ferreira que recorreu à sucata para criar peças que remetem para a identidade angolana. JÁ em 2019, Manuel Francisco Fabiano Samuel, cujo nome artístico, “Samuelarte”, fazia arte sob o lema “Do Lixo ao Luxo”.

Entre as cerca de 500 empresas que marcam presença este ano na FILDA em busca de novas oportunidades de negócios, a galeria ELA (Espaço Luanda Arte) faz a diferença, expondo obras de arte nascidas a partir de uma amálgama de chapas, jantes, tubos e outros resíduos metálicos.

Uma cabeça de leão e um busto da rainha Ginga são duas das quatro esculturas criadas por Jone Ferreira no âmbito do projecto ‘Nzumbi Ya Nzambi’ (Espíritos Divinos) e expostas na FILDA, que o curador e galerista Dominick Maia Tanner, director da ELA, considera um palco ideal.

“Achamos que o casamento entre negócios e arte contemporânea é perfeita” até porque “queremos que cada vez mais os angolanos coleccionem, gostem e valorizem a sua arte “, disse o responsável da ELA. “São obras incríveis, feitas à mão, com faca, sem soldadura, sem parafusos”, descreve.

O material – três camiões de resíduos metálicos – foi cedido pela empresa Fabrimetal, um dos expositores da FILDA e que é parceiro do projecto.

Além da componente artística, é também “uma chamada de atenção e para a reciclagem”, diz o produtor de arte, enaltecendo o reaproveitamento de resíduos, aparentemente sem utilidade, que acaba por ser também negócio, incorporando os microempresários (vendedores de resíduos), numa cadeia empresarial que cria valor.

Dominick Tanner defende que a responsabilidade social é cada vez mais importante para as empresas e estende-se também ao meio ambiente, às artes, à cultura e à identidade de um país.

“Costumo dizer que a arte e cultura são indicadores de auto-estima. Quanto mais nós valorizamos o nosso país, quanto mais tomamos conta do nosso país, quanto mais criamos arte identitária, mais estamos a aumentar a auto-estima do país”, sublinhou o produtor de arte.

A 36ª edição da FILDA conta com a exposição de 500 empresas da África do Sul, Alemanha, Argentina, China, Egipto, Estados Unidos da América, Eritreia, França, Índia, Itália, Japão, Líbano, Turquia e Portugal, que tem a maior representação internacional.

O evento internacional, que não chegou a realizar-se em 2020 devido à pandemia da covid-19, voltou a ser adiado por três vezes este ano também por causa das restrições à circulação e medidas sanitárias.

Este ano, a exposição foi inaugurada no Dia dos Petróleos, havendo também dias temáticos consagrados à petrolífera estatal Sonangol (quarta-feira), Portugal (quinta-feira), à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (sexta-feira) e a Angola, que marca o final do certame, no sábado.

E do lixo se faz arte (Texto publicado a 27 de Maio de 2019)

A luta para sobreviver em Angola, país que desde a independência foi sempre governado pelo mesmo partido, o MPLA, tem despertado os jovens angolanos para um misto de desespero, desenrascanço e preocupações ambientais, com “Samuelarte” a conseguir um sustento mensal “relativamente desafogado” a partir do lixo, sobretudo ferro, que recicla.

“Do Lixo ao Luxo” é o lema de Manuel Francisco Fabiano Samuel, cujo nome artístico, “Samuelarte”, começa a fazer “algum furor” e “escola” entre os jovens, sobretudo de uma pequena comunidade nos arredores de Luanda, que criou a associação “Lixo Zero Angola” e que tem servido de “sustento” para “várias” famílias.

Quem o diz é o franzino “Samuelarte”, que na altura a agência Lusa encontrou a vender o seu artesanato reciclado a partir do ferro à porta do Centro de Convenções de Talatona, a sul da capital angolana, sempre muito solicitado por grande parte dos cerca de 1.500 delegados que participavam no Fórum Mundial do Turismo.

“Trabalho com reciclagem. Tenho ajudado algumas associações, com ‘workshops’ de reciclagem, como professor, ensinando crianças, adolescentes, até mesmo jovens”, disse, numa linguagem desenvolta e até mesmo empresarial, lembrando que deixou a escola, em Luanda, há três anos para se dedicar à reciclagem.

“‘Do Lixo ao Luxo’ é o meu lema. A minha função é transformar o lixo em luxo, diminuir o lixo no mundo. Além dessa minha função também trabalho na ‘Lixo Zero Angola’. Temos actividades de limpeza das ruas, praias, etc.. E é também com esse lixo que a utilizamos na reciclagem, fazendo peças de escultura, roupa, pasta, fios, colares, muita coisa”, acrescentou.

Se a luta pela sobrevivência, face à elevada taxa de desemprego em Angola e sem vislumbrarem os 500 mil empregos que o Presidente do MPLA, João Lourenço, prometeu criar nesta legislatura – ‘Samuelarte’ assegurou que, com a actividade, começou também a ganhar preocupações ambientais, numa cidade que tenta manter-se diariamente asseada, tarefa, porém, quase impossível.

“Sim, também há preocupações ambientais. É que há muito lixo que dá para ser utilizado, que dá para ser uma nova coisa. Há muito lixo, que faz muito mal às próprias pessoas. Se nós não queremos que as pessoas passem mal, podemos utilizar o lixo, fazendo coisas que podem ser utilizadas, que podem trazer-nos um fundo para nós e para outras pessoas, reciclando”, explicou.

Segundo ‘Samuelarte’, que se escusou a adiantar quanto consegue obter regularmente com este negócio, há já “muitos jovens” que estão também a apostar na reciclagem como meio de sustento, criando peças ou materiais para fazer roupas a partir do lixo, e que têm ajudado a sustentar as suas próprias famílias.

Segundo o jovem artesão, a actividade é rentável – cada peça não custava menos de 10.000 kwanzas (cerca de 27 euros), dependendo do trabalho que teve e do tamanho -, uma vez que o trabalho em ferro é “duro e difícil”. “Trabalho com ferro. Mas sei reciclar tudo”.

Sobre algumas das cerca de três dezenas de peças em ferro expostas, ‘Samuelarte’, cuja inspiração “vem do tudo e do nada”, destacou a “mais polémica”, que retrata a história de uma zungueira que foi assassinada por um polícia.

“É uma história muito triste que abalou o povo angolano. A senhora foi assinada pelo próprio policial, houve uma confusão imensa, a polícia foi agredida, com pedras, etc.. Foi triste. Foi triste a história. Está tudo na internet, no ‘Youtube’”, descreveu.

Outra das peças em ferro tem o título “Lágrimas Coloridas”, para a qual tem uma explicação curiosa.

“É uma máscara que se chama ‘Lágrimas Coloridas’. Lágrimas coloridas são lágrimas de alegria e lágrimas incolores são lágrimas de tristeza, lágrimas sem cor. Às vezes, quando fico aí a dar estas gargalhadas, fico a lacrimejar e isso deu-me a ideia: vou fazer algo assim, idêntico. Uma lágrima sem cor não é lágrima de alegria. Criei esta peça”, concluiu.

Lixo – Um dos Nobel do regime

O regime do MPLA está sempre com os tambores da falsidade aquecidos para, numa poluição sonora, de muito má qualidade, e que intriga a maioria dos angolanos, tentar branquear os 46 anos de uma política de má gestão económica e social, discriminação política, perseguição aos opositores e sociedade civil, não bajuladora e, mais grave, a lixeira de uma política irracional, que já não consegue sair dos monturos por si implantados.

Por mais que João Lourenço agora (Eduardo dos Santos antes e durante 38 anos) tente sacudir o lixo para o quintal do vizinho, exonerando governadores e exarando em catadupa decretos e despachos, ao longo destes 44 anos de independência, caricatamente, todos, absolutamente todos, os governantes ficam em cima dos contentores a analisar a lixeira do lixeiro que se segue.

Não é possível tentar enquadrar o tamanho do lixo que inunda Luanda, fora de uma prática incompetente do executivo, hoje superiormente liderado por João Lourenço, que não tem a mínima noção de gestão urbana, que comete erros crassos de gestão, afastando muitos técnicos, oriundos do período colonial, com forte conhecimento da gestão urbana da cidade e das formas para um saneamento eficaz e despartidarizado.

O maior mérito da política do MPLA tem sido a promoção de “jobs for the boys”, muitos dos quais verdadeiramente incompetentes, mas por serem bajuladores do “camarada presidente”, são nomeados, não para acabar com o lixo, mas para a sua verdadeira promoção.

Uma máxima que o MPLA tem perseguido ao longo dos anos é a de que o MPLA é o Povo e o Povo é o MPLA, mas face à incapacidade de não acertar numa política de limpeza e recolha do lixo das cidades, juntou a de que o MPLA é lixo e o lixo é MPLA.

O aumento do lixo, a incapacidade de pagarem às empresas dos próprios membros do MPLA, pois são os únicos autorizados, nesta empreitada demonstra que a discriminação só gera lixo, lixo que afinal o MPLA sente como um verdadeiro elemento imprescindível da sua gestão.

O anterior líder do MPLA e da República, que dirigiu ininterruptamente o país durante 38 anos, foi considerado como o maior “arquitecto do lixo”, face às políticas de promoção da incompetência e interferência numa verdadeira gestão urbana. O seu sucessor, por ter o mesmo ADN, segue a mesma política e em vez de eliminar o lixo que durante décadas foi escondido debaixo do tapete resolveu, sabiamente, aumentar o tamanho do… tapete.

O Presidente da República é avesso a um verdadeiro programa de gestão autónoma das cidades, principalmente, no que se refere à capital, sendo confrangedora a falta de visão sobre o que pretende que seja a Luanda capital; a Luanda Metropolitana ou a Luanda Província…

E numa altura em que o lixo é o que mais ordena, nada espanta que tudo seja uma verdadeira lixeira, ao ponto da política e da justiça serem hoje o seu expoente máximo.

Folha 8 com Lusa
Foto: Obra de Jone Ferreira (Lusa/Ampe Rogério)

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