O Governo angolano quer (ou não estivessem previstas eleições em 2022) redefinir a abrangência do sistema de protecção social das Forças Armadas Angolanas e aprovou hoje a reestruturação da Caixa de Segurança Social das FAA para melhorar a resposta às necessidades sociais dos efectivos.
Segundo o diploma aprovado no Conselho de Ministros, a Caixa de Segurança das FAA passa a designar-se como Instituto de Segurança Social das FAA e tem como missão “proceder à gestão do Sistema de Protecção Social”, com mais racionalidade e eficiência dos seus serviços.
O Conselho de Ministros apreciou também, para envio à Assembleia Nacional (uma simples formalidade), uma proposta de lei de autorização legislativa com vista à revisão do Regime Jurídico do Sistema de Protecção Social das FAA para adequar o quadro normativo à realidade actual.
A revisão do diploma visa entre outros objectivos, redefinir a abrangência do Sistema de Protecção Social; ajustar o Âmbito de aplicação pessoal deste sistema, reservando os benefícios do sistema aos militares do quadro permanente e do serviço militar por contrato e respectivos familiares; e melhorar a precisão do conteúdo normativo nas situações de doença ou acidente comum, maternidade invalidez, velhice, morte e compensação dos encargos familiares, aleitamento e abono de família.
O Governo aprovou também alterações à lei das empresas privadas de segurança com vista a permitir a criação de centros de formação nesta área, que serão controlados e fiscalizados pela Polícia Nacional.
Foi ainda apreciado para envio à Assembleia Nacional, uma proposta de lei relativa ao exercício da função de administrador da recuperação ou da insolvência no âmbito do regime jurídico da recuperação de empresas e insolvência.
Na mesma sessão, o Conselho de Ministros aprovou o Regime Jurídico relativo ao funcionamento das associações mutualistas e o regime jurídico da avaliação de desempenho dos agentes da educação.
Foram também aprovados diplomas no domínio dos transportes, nomeadamente a criação do Instituto Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes de Transporte, e das águas (planos de gestão de bacias hidrográficas).
Quando os militares ameaçam protestar…
Em Julho deste ano, a Associação dos Oficiais Generais Superiores, Capitães, Subalternos Reformados (que conta com 2.525 membros) ameaçou sair à rua caso o Estado angolano não liquidasse a dívida de 130 mil milhões de kwanzas (169,5 milhões de euros).
A informação foi avançada na altura pelo presidente desta associação, Alberto Nelson “Limukeno”, que pedia ao Estado para pagar, pelo menos, sete dos 13 anos dessa dívida, deixando o restante para trás, “tendo em conta os argumentos da crise financeira”.
“O Estado angolano, o seu executivo, que nos pague a nossa pensão por grau militar, que pague a dívida contraída desde Agosto de 2009 até à presente data. A dívida já completou 130 mil milhões de kwanzas (…) até pedimos para pagarem só metade, que nos paguem só sete anos e os seis anos ficam no esquecimento”, referiu.
Segundo Alberto Nelson “Limukeno”, brigadeiro e antigo combatente, desde a última promessa do Estado, em Fevereiro deste ano, não houve mais respostas e a reforma nunca foi paga.
Em Fevereiro a associação de ex-combatentes suspendeu uma manifestação depois de o governo ter prometido atender às reivindicações e pagar metade da dívida.
“Estamos a reclamar que nos paguem a nossa pensão de acordo com a patente, capitão como capitão, major como major, brigadeiro como brigadeiro e deixem-nos com o tal dinheiro. Isso está a penalizar-nos e a criar pobreza extrema, estamos a morrer com fome”, frisou.
De acordo com o líder associativo, todos os oficiais generais, superiores e subalternos a nível do país estavam a sofrer com os cortes na reforma, aplicado com base no artigo 28.º do tempo de serviço nas Forças Armadas Angolanas (FAA), que estabelece que quem não completou 30 anos não pode receber a totalidade da pensão.
“Mas as FAA só existem há 28 anos, fruto dos Acordos de Bicesse entre o MPLA (partido no poder desde a independência) e a UNITA, partido da oposição]”, observou.
“Não tem nada a ver connosco, nós somos antigos combatentes e veteranos da pátria, somos provenientes das ex-FAPLA, FALA, ELNA, FLEC, não temos nada a ver com as FAA (…), nós enfrentámos as batalhas de Kifangondo, Cuito Cuanavale, Ebo, Cangamba e outras batalhas, transformando Angola numa potência a nível da África e do mundo”, disse.
“Esses descontos são muito elevados, eu tenho 66 anos e não tenho direito a nada, cortaram a pensão por patente e o subsídio que eu vinha recebendo referente ao subsídio das empregadas domésticas, alegando que o país está em crise desde Agosto de 2009”, lamentou.
“Limukeno” disse que o ministro da Defesa foi o único nesse período que chamou os antigos combatentes para manter um diálogo.
“Foi no ano passado, disse: ‘vamos dialogar, porque com o diálogo resolvem-se os problemas’. Foi assim que ele fez chegar a preocupação ao executivo, ao Presidente da República, para resolver esse problema, mas até agora nem água vai e nem água vem”, reclamou.
De lá para cá, prosseguiu, o único subsídio reposto foi o referente às empregadas domésticas, a partir de Novembro de 2020. Para os generais, que tinham direito a três empregadas foi retirada uma, enquanto os oficiais superiores, de major a coronel, têm direito a uma, variando o montante entre 74 mil kwanzas (96,5 euros) e 150 mil kwanzas (195,6 euros).
O presidente da associação alegava que, em 2015, o ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, tinha dado ordem ao Ministério das Finanças para se pagar a dívida, salientando que o Procurador-Geral da República tinha assinado um compromisso, em nome do Estado angolano, segundo o qual o dinheiro seria pago em 2015, “infalivelmente, logo que houvesse disponibilidade financeira”.
“Estamos no ano 2021 nem água vai e nem água vem, estamos todos mergulhados em pobreza extrema, a pobreza está a tomar proporções alarmantes. A paciência esgotou, estamos todos agastados, frustrados, descontentes e humilhados porcamente”, disse na altura.
No dia 21 de Janeiro, recorde-se, oficiais generais e subalternos reformados das Forças Armadas de Angola pediram a intervenção do Presidente da República, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, e ex-ministro da Defesa, general João Lourenço, para liquidar a dívida do Estado, admitindo manifestarem-se “nus” até ao Palácio Presidencial.
A “indignação” dos ex-oficiais angolanos na reforma, viúvas e órfãos foi apresentada à imprensa numa denúncia pública onde espelham o quadro “crítico e dramático” em que se encontram os mais de 1.600 membros associados.
Mais de 300 pessoas, entre oficiais reformados, viúvas e órfãos, “agastados com a situação”, participaram no encontro, que decorreu nas instalações da antiga Feira Popular de Luanda.
O presidente da Associação dos Oficiais Generais, Superiores, Capitães e Subalternos Reformados de Angola pediu “encarecidamente”, na ocasião, a intervenção do Presidente para a liquidação da dívida por grau de patente.
“Os descontos que nos são feitos são incalculáveis e mergulhámos todos em pobreza extrema por não termos 30 anos das FAA, que foram fundadas em Outubro de 1992. Elas [as FAA] não têm nada ver connosco por que já éramos militares antes das FAA”, lembrou.
“É triste e vergonhoso, essa pensão de reforma que nos cortaram está a criar um descontentamento de grande envergadura, estamos todos agastados, a pobreza está a tomar conta de todos”, lamentou.
“Estamos a andar a pé todos os dias, não temos direito a meios de transporte, casa, alimentação… Há colegas nossos que estão no contentor de lixo à procura de comida, o sofrimento é demais, está a tomar contornos altamente complicados”, frisou.
“Pedimos encarecidamente ao Presidente João Lourenço, comandante-em-chefe das FAA, que ordene ao executivo para pagar o nosso dinheiro de acordo com a patente de cada um para podemos sobreviver com dignidade”, sublinhou.
“Várias manifestações” de protesto foram suspensas nos últimos anos, sob “promessa das autoridades” de pagarem a dívida, mas tal não foi cumprido.
A “situação dramática” porque passam os oficiais generais na reforma em Angola foi também reiterada por Bernardo Miguel, brigadeiro reformado, que atribui “culpas” ao Presidente angolano, João Lourenço, pela penúria a que dizem estar submetidos.
Isabel Luís, viúva de um ex-coronel, pediu também a “benevolência” do Presidente para a resolução das suas inquietações, referindo que está com os filhos fora do sistema de ensino e o “lixo, muitas vezes, é o recurso dos pequenos para a alimentação”.
“Só pedimos pelo menos para que estas pobres viúvas possam ser atendidas e, caso não nos atenderem, vamos até ao Palácio sem roupa, com sacos amarrados ou mesmo nuas”, referiu.
Um pagamento parcial da dívida também é defendido pelos oficiais generais, superiores, capitães e subalternos na reforma, que não aceitam o “argumento da crise internacional ou da Covid-19” para a solução dos seus problemas.
Recorde-se que, em Abril de 2020, o então ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente, general Pedro Sebastião, pediu atenção à Caixa de Segurança Social das Forças Armadas na adequação permanente das condições de assistência aos oficiais reformados e pensionistas.
Em Junho de 2018, o Governo anunciou que iria permitir, excepcionalmente, até 2023, a reforma dos militares com pelo menos 45 anos de idade e 25 de serviço, segundo a proposta de lei de Bases das Carreiras dos Militares das Forças Armadas Angolanas. A proposta estava integrada num pacote legislativo de reforma das Forças Armadas Angolanas que aguardava por uma decisão há, na altura, quase 20 anos.
De acordo com a proposta de lei do Governo, que contava com 148 artigos e que revogava toda a legislação anterior, durante um período de cinco anos, contados a partir da data de entrada em vigor desse diploma, será “facultada a passagem à situação de reforma ao militar” que “cumulativamente” preencha ou venha a preencher, durante aquele período, duas condições.
Especificamente, poderia ser reformado a partir dos 45 anos de idade, desde que possua pelo menos 25 anos ao serviço de um dos ramos das Forças Armadas Angolanas. Após esse período, a nova legislação previa a reforma de oficiais entre os 50 e os 59 anos, e de sargentos entre os 55 e os 59 anos. Os generais podem reformar-se aos 65 anos ou atingido os 40 anos de serviço.
A legislação prevê a distribuição das Forças Armadas pelo Serviço Militar Obrigatório (dois a três anos), Quadro Miliciano (até oito anos) e Quadro Permanente, nos três casos para oficiais, sargentos e praças. O tempo de serviço militar durante o período da guerra anticolonial é contado para efeitos de reforma, nesta proposta de lei.
Nos três ramos das Forças Armadas, Angola conta actualmente com cerca de 150.000 efectivos militares, segundo dados do Governo.
Folha 8 com Lusa