O Presidente angolano, João Lourenço, pronunciou-se pela primeira vez sobre o regresso a Angola do seu antecessor e mentor (que depois transformou em líder dos marimbondos), José Eduardo dos Santos, ao país, afirmando ser bom para o país e para o partido (MPLA, no poder há 46 anos).
As declarações de Lourenço são publicadas hoje num artigo do Financial Times (FT) que traça um retrato de Angola e dos seus desafios nos próximos tempos, destacando as dificuldades com que se confronta João Lourenço perante uma “tempestade” económica que ainda não conseguiu controlar.
“O facto de ele (José Eduardo dos Santos) ter voltado é bom para toda a gente, não apenas para a nossa relação, mas bom para o país, bom para o partido”, disse o Presidente angolano (não nominalmente eleito), igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, ao FT que assinala o tom conciliatório – depois de o “esfaquear” pelas costas – face ao seu predecessor, notando ao mesmo tempo que a luta contra a corrupção que João Lourenço elegeu como bandeira “causou estragos no MPLA”.
Recorde-se que o próprio João Lourenço disse que viu roubar, ajudou a roubar e beneficiou do roubo mas que – é claro – não é ladrão.
“Mas há sinais de abrandamento, à medida que se aproximam as eleições do próximo ano e a necessidade de união do partido será essencial”, pode ler-se no FT.
José Eduardo dos Santos, cuja filha mais velha, Isabel dos Santos, tem sido um dos principais alvos selectivos da justiça do MPLA/João Lourenço, regressou a Angola em Setembro, após ter estado 30 meses retirado e Espanha, mas sobre os motivos que o levaram a voltar nada foi divulgado oficialmente. Da Presidência angolana, também nada se ouviu sobre o assunto.
No dia que o ex-presidente, que liderou Angola durante 38 anos, voltou, a 14 de Setembro, João Lourenço estava de visita à província do Cuanza Norte, e José Eduardo dos Santos foi recebido no aeroporto pelo Protocolo do Estado, mas sem presença de nenhum membro do Governo ou dirigente do MPLA, partido do qual é presidente emérito.
Só dois dias depois a Presidência fez saber, através da sua página do Facebook, que os dois “se saudaram mutuamente” numa conversa telefónica.
O texto do Financial Times destaca que, face à recessão económica – já no seu quinto ano – o MPLA parece mais vulnerável do que em qualquer outra altura do seu domínio de quase 50 anos em Angola, apesar de João Lourenço se mostrar confiante na vitória.
“Quanto à possibilidade de termos um mau resultado nas próximas eleições, penso que é muito remota”, disse aos jornalistas, acrescentando que quem conheceu o país compreende a capacidade de resistência do MPLA.
Isto, é claro, sem falar que domina todas as sucursais directa ou indirectamente envolvidas, como é o caso da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) no controlo e apuramento das votações e do Tribunal Constitucional para impedir o nascimento do PRA-JA, de Abel Chivukuvuku, e da “decapitação” do Presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior.
Com congresso para escolher (é o eufemismo oficial do MPLA) nova liderança para o partido marcado para Dezembro, João Lourenço tem já pelo menos um rival, o militante António Venâncio que se apresentou como candidato na semana passado.
Enfrenta também, como salienta o jornal, o desencanto da classe média urbana, que segundo alguns analistas tende a afastar-se do MPLA, e uma oposição robusta que congregou três partidos numa Frente Patriótica Unida que tem procurado capitalizar os elevados níveis de insatisfação dos angolanos com o governo.
Os intocáveis e os tocáveis
O suor não escorre em rosto inanimado, mas naquele onde as contracções dos músculos e veias, sentem e gemem a definida desossificação do esforço. Da nascente, caminha em lianas serpentinas destilando cloreto de sódio e ureia em solução, segregada pelas glândulas sudoríparas, quer na face ou no estado-maior da pele; as axilas, produzindo uma mensagem de efeito refrescante.
O combate à corrupção tem de ter norte. Obrigatoriamente, efeito refrescante. Direcção, imperiosamente, imparcial. Objecto concreto e definido, na acção diária do agente e órgãos públicos.
Num país com 46 anos de direcção monolítica, como Angola, exclusivamente, refém de um partido político: MPLA, através do seu líder, com absolutos poderes e poderes absolutos, só é possível, um real combate à corrupção, que não crie mais fissuras, disfunções no aparelho produtivo, desemprego e baixo consumo, através de uma ampla participação política, estruturação, reforma constitucional e legal, para um verdadeiro, imparcial virar de página, centrado no primado da Constituição e da lei, que dever ser geral e abstracta.
Não se pode combater a corrupção, nem acreditar nesse combate, com leis corruptas e juízes corruptos. Trafegam muitos nos corredores da magistratura judicial e do Ministério Público.
Já em 1870, o diplomata e político prussiano, Otto Von Bismarck dizia: “Com leis ruins e juízes bons ainda é possível governar. Mas com juízes ruins as melhores leis não servem para nada”.
Aqui impera a tese e retórica do contrário, onde o termo corrupção e o seu combate, serve para encobrir a apetência incubada de perpetuação no poder, através de uma Constituição atípica, que serve exclusivamente o MPLA e seus desígnios de governar Angola eternamente.
Daí, algo que poderia acabar numa reunião do comité central desse partido, onde convivem pacificamente, os chamados corruptos e os corruptos marimbondos, ao não ocorrer, tudo não passa de manobra de diversão para o incauto eleitor dormir anestesiado ou transformar-se em “reles” depositante “inconsciente” de voto, para a perpetuação de um novo poder absoluto, uma nova ditadura, acreditando na vinda de um novo Messias, expressão recorrente, dos novos intocáveis do poder.
Não é verdade que a lei será, está a ser, aplicada de forma imparcial. Não será, até porque no MPLA de João Lourenço já navegam, orgulhosamente, muitos corruptos com blindada experiência do passado, refinada hoje, em lugares cimeiros na estrutura do MPLA e executivo. Esta realidade é patente e torna a carruagem lourenciana, intocável.
O MPLA de José Eduardo é e será tocável, sem muita preocupação, quanto ao império da lei, bastando, na maioria das vezes, o bastão incriminador da presunção partidocrata.
Defendemos um sério combate à corrupção, mas nos marcos exclusivos de novas leis republicanas e cidadãs. Um combate que não perigue os postos de trabalho de milhões de trabalhadores, nem estimule o desemprego.
Defendemos um combate à corrupção com uma Constituição reformada, que estabeleça, o real papel do agente público e não permita, nesta fase, o colonialismo económico, limitando a acção do Presidente da República, quanto a entrega de património público e as principais empresas estatais, ao capital estrangeiro sem escrutínio da Assembleia Nacional. Se um Presidente agir em sentido contrário deve ser julgado e condenado, ainda no decorrer do mandato, indiciado no crime de peculato, suborno e corrupção.
Hoje a anarquia é total, porque os poderes absolutos de José Eduardo dos Santos transformaram-se em absolutistas nas mãos de João Lourenço, numa espécie de travessia da ditadura preta, para a ditadura vermelha.
Daí que os resultados dos estilhaços da “implosão lourenciana” ser ainda, imprevisível, talvez não germinar outra Revolta Activa, mas nada afastando de um cenário operacional, face à grave crise, política, social, económica, onde o desemprego sobe em espiral, podendo estimular uma eventual “repristinação” da rebelião da Jibóia versus Revolta do Leste.
As fissuras, derivadas da falta de uma estratégia pragmática, estão a causar danos irreparáveis na estrutura do MPLA, liderado por João Lourenço, que ainda não domina a máquina e as suas teias, pese a recauchutagem com “job for boys” nas estruturas de direcção.
A tese “napoleónica” sempre trilhou caminhos sinuosos, contrários e violadores, não só dos estatutos, mas fundamentalmente, das leis estatais, quando em causa está a sucessão ou afirmação de liderança, como agora se assiste. A diferença entre as anteriores transições e a actual, foi a introdução de um dado novo, por parte do actual líder, que não poupa a perseguição velada aos familiares, de quem o indicou, para receber o bastão.
Não está em causa a necessidade de combate tenaz à corrupção e aos seus actores, mas, em tempo de crise, a metodologia a seguir, não pode ser contrária à inteligência requerida a um líder africano, visionário, conhecedor do cheiro peculiar da terra vermelha, que cobre as sanzalas e bualas de Angola, distinto do chão ocidental, cujas teses não podem ser cegamente adoptadas.
Folha 8 com Lusa