Os bispos católicos angolanos consideraram hoje que a “perda de confiança” nas instituições judiciais do país, “derivada da evidente interferência política em determinadas decisões, não abona” ao estabelecimento de um Estado democrático e de direito. Não poderiam ser mais claros. A voz do Povo é a voz de Deus…
“Que haja um grande esforço de salvaguardar o Estado democrático e de direito mantendo a independência dos poderes executivo, legislativo e judicial”, recomendaram hoje os bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), no final da sua segunda assembleia plenária anual.
Este apelo surge na sequência de várias interpretações de um recente acórdão da sucursal do MPLA para a Justiça, o Tribunal Constitucional (TC), divulgado na passada semana, que anulou – como era reivindicado pelo MPLA – o XIII congresso da UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite desde que se limite a ser uma organização decorativa, que elegeu Adalberto da Costa Júnior como líder do partido.
O actual contexto sociopolítico do país também mereceu o olhar os bispos da CEAST durante a plenária que decorreu entre 6 e 11 de Outubro, em Luanda, sendo que os resumos dos trabalhos foram apresentados hoje em conferência de imprensa.
Em comunicado de imprensa, apresentado pelo bispo de Cabinda e porta-voz da CEAST, Belmiro Chissengueti, os bispos manifestaram-se preocupados com o “aumento dos níveis de insegurança um pouco por todo o país”, onde as instituições religiosas “não são poupadas”.
Em relação aos assaltos, disse, o país vive nas cidades, “sobretudo em Luanda, situações de segurança bastante graves, os assaltos multiplicaram-se”.
“E claro que essa multiplicação de assaltos obriga-nos a tomar uma palavra, até porque duas das nossas instituições foram assaltadas durante a nossa plenária. Portanto, o que pedimos é que a polícia tenha capacidade de mobilidade para poder fazer a cobertura naquilo que toca à sua responsabilidade”, referiu Belmiro Chissengueti.
Segundo os bispos católicos, Angola regista um “crescimento da tensão pré-eleitoral” entre os dois grandes partidos do país e é necessário “que se melhore o discurso político para garantir a paz, segurança e harmonia entre os cidadãos”.
Os bispos consideram também que a crescente inflação “diminuiu o poder de compra dos cidadãos” e que o longo verão, sobretudo no sul do país, concorreu para o “aumento da fome devido à falta de alimentos”.
No domínio da vida religiosa em Angola, os prelados católicos aprovaram a “calendarização das fases da vivência e implementação do Sínodo, sendo a fase paroquial até 31 de Janeiro de 2022 e a fase diocesana até 10 de Fevereiro de 2022”.
Aprovaram ainda a nova direcção da Universidade Católica de Angola (UCAN), constituída pela madre Maria da Assunção Alberto (reitora), Márcia Nigiolela Ganga da Costa de Brito (vice-reitora para a área Académica), Benja Satula (vice-reitor para a Investigação e Extensão Universitária) e o padre Apolinário Hilemusinda (secretário-geral).
O padre Augusto Epalanga, do clero diocesano do Huambo, foi eleito novo director da Rádio Ecclesia — Emissora Católica de Angola, e o padre António Estêvão, director de informação da estação radiofónica superintendida pela CEAST.
Que a voz do Povo seja a voz de Deus
“Muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. Esta foi e é, por muito que nos custe, a realidade do nosso país.
Alguém da CEAST, do Governo, da Assembleia Nacional etc. se recorda, por exemplo, o que D. José de Queirós Alves, arcebispo do Huambo, afirmou em Julho de 2012 na comuna de Chilata, município do Longonjo, a propósito das eleições?
O prelado referiu que o povo angolano tinha muitas soluções para construir uma sociedade feliz e criar um ambiente de liberdade onde cada um devia escolher quem entender.
“Temos de humanizar este tempo das eleições, onde cada um apresenta as suas ideias. Temos de mostrar que somos um povo rico, com muitas soluções para a construção de uma sociedade feliz, criar um ambiente de liberdade. É tempo de riqueza e não de luta ou de murros”, frisou.
”Em Angola, a administração da justiça é muito lenta e os mais pobres continuam a ser os que menos acesso têm aos tribunais”, afirmou em 2009 (nada de substancial mudou até agora), no mais elementar cumprimento do seu dever, D. José de Queirós Alves, em conversa com o então Procurador-Geral da República, general João Maria Moreira de Sousa.
D. José de Queirós Alves admitia também (tudo continua na mesma) que ainda subsiste no país uma mentalidade em que o poder económico se sobrepõe à justiça.
O arcebispo pediu maior esforço dos órgãos de justiça no sentido das pessoas se sentirem cada vez mais defendidas e seguras: “O vosso trabalho é difícil, precisam ter atenção muito grande na solução dos vários problemas de pessoas sem força, mas com razão”.
Importa ainda recordar, a bem dos que não têm força mas têm razão, que numa entrevista ao jornal “O Diabo”, em 21 de Março de 2006 (15 anos depois tudo continua na mesma), D. José de Queirós Alves disse que “o povo vive miseravelmente enquanto o grupo ligado ao poder vive muito, muito bem”.
Nessa mesma entrevista ao Jornalista João Naia, o arcebispo do Huambo considerou a má distribuição das receitas públicas como uma das causas da “situação social muito vulnerável” que se vive Angola.
D. Queirós Alves disse então que, “falta transparência aos políticos na gestão dos fundos” e denunciou que “os que têm contacto com o poder e com os grandes negócios vivem bem”, enquanto a grande massa populacional faz parte da “classe dos miseráveis”.
Acabar 1992 reeditando 1977
O MPLA usa as suas filiais (Tribunal Constitucional, CNE, ERCA etc.) para atirar a bomba e esconder a pata. São, de facto, uma reles baixaria os ataques à figura do presidente da UNITA. Mas o MPLA tem na manga mais trunfos, muitos deles de atroz letalidade.
O Bureau Político do MPLA continua a destilar ódio, semear discórdias, desviando as atenções da opinião pública nacional e internacional. Pelos vistos, o MPLA está determinado a decapitar (cortar a cabeça) a UNITA, já que as sucessivas tentativas políticas para a transformar num bode expiatório estão a ser um monumental fracasso.
O partido fundado por Jonas Savimbi responde apelando “às famílias angolanas, às Igrejas e à sociedade em geral, a não se deixarem levar por essa onda que procura distrair os angolanos e impedi-los de buscar os caminhos para o progresso e bem-estar de todos”.
A UNITA diz não aceitar “ser transformada em bode expiatório dos problemas de desgovernação do regime, nem da incapacidade congregadora do Presidente da República, João Lourenço” e reitera “o seu compromisso com a liberdade do povo angolano e reafirma a sua pré-disposição para o diálogo com as instituições do Estado para se reverter o actual quadro e abrir caminho para um futuro airoso para os angolanos na sua pátria comum e apela a todos angolanos a manterem-se calmos e serenos”.
Desde que, em 2002, assinou a capitulação, para a UNITA o “diálogo franco e abrangente foi, é e continuará a ser o melhor caminho para a solução dos problemas que afligem a sociedade angolana, consubstanciados na falta de emprego, elevado custo de vida e o adiamento das autarquias locais vistas como uma ponte para o desenvolvimento das comunidades”.
José Eduardo dos Santos até vislumbra na sua sombra um golpe de Estado. João Lourenço vive sob o efeito do mesmo fantasma. É típico dos ditadores que estão a ver o seu regime a chegar ao fim da picada. E há 46 anos que Angola tem o mesmo regime. Talvez por isso Eduardo dos Santos tenha tido ao seu lado gente como o general… e João Lourenço.
E talvez por isso, como em Maio de 1977, mandou decapitar, fuzilar, ou entrar na cadeia alimentar dos jacarés todos os que sonhavam com um futuro melhor, mais igualitário e mais fraterno para os angolanos. Os seus generais até mataram um miúdo, um menino, que só queria saber porque é que deitaram abaixo a cubata dos seus pais.
É este o regime que João Lourenço mantém incólume no essencial, tendo apenas alterado algumas partes acessórias.
A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau no carácter de alguém, no modus operandi de um partido que domina o país há 46 anos. Permitiu ao MPLA perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que a guerra era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.
É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.
Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e Europa, ajudou a dotar o MPLA com o rótulo de grande partido com lugar cativo na Internacional Socialista. Rótulo que não corresponde minimamente ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.
É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder dezenas de anos, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
Desde 2002, o MPLA tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.
Angola esteve, está e estará (faz parte do ADN do MPLA) entre os países mais corruptos do mundo. A taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo. E, é claro, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome.
De facto, tudo mostra que o regime do MPLA está morto, só ainda não sabe. E, convenhamos, como ainda não sabe não terá problemas em completar o que deixou a meio em 1992: o aniquilamento de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, onde morreram 50 mil angolanos, entre os quais o vice-presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.
Folha 8 com Lusa