O Presidente da Zâmbia, Edgar Lungu, admitiu hoje a derrota nas eleições presidenciais, num discurso em que felicitou o rival de longa data, Hakainde Hichilema (na foto), homem de negócios de 59 anos, pela vitória eleitoral.
“Quero felicitar o meu irmão, Hakainde Hichilema, presidente eleito, que se torna o sétimo Presidente da República” da Zâmbia, disse Lungu, que governa o país desde 2015.
Lungu deixou um agradecimento aos zambianos “pela oportunidade” de ter ocupado a Presidência. “Procurei servir o meu país da melhor forma que me foi possível”, acrescentou.
A comissão eleitoral tinha anunciado hoje ao início do dia que o líder da oposição da Zâmbia, Hakainde Hichilema, de 59 anos, venceu as eleições presidenciais no país, com mais de 2,8 milhões de votos.
“Declaro Hakainde Hichilema como Presidente eleito da República da Zâmbia”, afirmou o presidente da comissão, Esau Chulu, citado pela Agência France Presse (AFP).
Hichilema, do Partido Unido para o Desenvolvimento Nacional (UPND), obteve um total de 2.801.757 votos, contra 1.814.201 para Lungu, da Frente Patriótica (PF), informou a comissão eleitoral.
Apenas um dos 156 círculos eleitorais deste país da África Austral não tinha sido oficialmente contado, mas a comissão afirmou que “era pouco provável que afectasse” a vitória de Hichilema.
Esta foi a terceira vez que Hichilema enfrentou Lungu nas urnas. Em 2016, perdeu por apenas 100.000 votos.
A participação de mais de 70% da população confirmou o entusiasmo por estas eleições, durante as quais algumas mesas de voto permaneceram abertas até às 05:00 da manhã, para permitir que os eleitores que esperavam em filas desde o final da tarde pudessem votar.
O porta-voz da oposição, Charles Melupi, tinha apelado na manhã de domingo ao Presidente cessante para que admitisse “rapidamente” a derrota, numa altura em que os resultados provisórios já apontavam para a vitória de Hichilema.
“Pedimos-lhe […] que actue como um estadista, cedendo rapidamente o lugar ao seu irmão Hakainde Hichilema, para que se inicie o processo de entrega do poder e conciliação neste país”, afirmou o representante de uma aliança de dez partidos da oposição com o UPND.
As eleições realizaram-se no dia 12 de Agosto, com mais de sete milhões de zambianos a serem chamados às urnas para votar no seu Presidente para os próximos cinco anos, assim como nos autarcas e deputados, num escrutínio imprevisível que se realizou num contexto de crise económica.
A Zâmbia é uma das democracias africanas mais estáveis. As sondagens apontavam para uma distância muito curta entre os dois principais candidatos, entre um total de 16 pretendentes a ocupar a “State House” em Lusaca, e a economia assumia-se como o principal campo de batalha, onde Lungu vinha a perder credibilidade ao longo de todo o mandato, sobretudo nos últimos quase dois anos por influência dos efeitos da pandemia.
Os críticos de Lungu acusavam-no de restringir sistematicamente as liberdades democráticas desde que chegou ao poder, fechando órgãos de comunicação social — um jornal independente em 2016 e uma estação de televisão em 2020 – e detendo políticos da oposição, assim como várias vozes mais incómodas ao seu governo.
O Governo de Edgar Lungu conduziu o segundo maior produtor de cobre do continente africano ao “limiar de uma crise de direitos humanos”, corroborou em Junho a organização Human Rights Watch.
Nas últimas semanas, a violência aumentou, particularmente entre apoiantes dos dois principais partidos, dando a Lungu a justificação para colocar os militares nas ruas das principais cidades zambianas nos dias que antecederam o escrutínio. Lungu argumentou que as tropas foram destacadas para manter a ordem e a oposição acusou-o de pretender intimidar os eleitores.
Lungu chegou ao poder em 2015, através de uma eleição determinada pela morte do anterior Presidente, Michael Sata, e foi novamente reeleito em 2016 para uma legislatura de cinco anos, numa vitória com uma margem muito estreita (50,4%) em relação a Hichilema (47,6%).
Em cima das eleições, Lungu apostou numa estratégia de intimidação e políticas populistas como a construção de infra-estruturas rodoviárias ou subsídios a milhões de agricultores.
Um artigo publicado pela The Economist explicava como o Governo zambiano decuplicou no ano passado os subsídios a sementes e fertilizantes, sendo que não foram apenas os agricultores a classe seduzida no período que antecedeu as eleições.
Em Maio, os subsídios tiveram em atenção o sector do comércio e já em Julho o Governo disse que iria “reestruturar” as dívidas pessoais dos funcionários públicos e transferir as respectivas responsabilidades individuais para um credor estatal.
Hakainde Hichilema, com 59 anos, quer falar urgentemente com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e apresenta o seu sucesso no mundo empresarial como prova de que conseguirá atrair investidores internacionais e criar empregos. É muito conhecido pelos eleitores, que pela sexta viram a cara de “HH” nos boletins de voto.
Mais de 800 candidatos da Frente Patriótica (PF, na sigla em inglês), liderada por Lungu, do Partido Unido para o Desenvolvimento Nacional (UPND), de Hichilema, e de outros partidos mais pequenos disputaram os 156 lugares no parlamento.
A economia da Zâmbia, em espiral negativa, e que cresceu no últimos seis anos a um ritmo mais lento do que o da população, foi a “questão determinante” nestas eleições, considerou Nic Cheeseman, professor de política africana na Universidade de Birmingham, em declarações à Associated Press (AP).
“Há uma janela de oportunidade para a vitória da oposição, porque a economia vai mal e as pessoas não têm confiança no Presidente Lungu para inverter essa tendência”, previu.
A economia zambiana cresceu continuamente durante mais de uma década desde o início do século e alcançou o estatuto de país de rendimento médio em 2011. Hoje, porém, é notícia por ser o primeiro Estado africano a falhar por duas vezes seguidas, no final do ano passado e início de 2021, o pagamento de juros de uma dívida pública que ascende a 118,7% do Produto Interno Bruto (PIB) e deverá alcançar os 145% do produto em 2025, segundo o FMI. Mais de metade dos 17 milhões de zambianos vive actualmente abaixo do limiar de pobreza.
A pandemia de covid-19 prejudicou ainda mais uma economia, já por si titubeante, e as medidas de confinamento empurraram a Zâmbia para a sua primeira recessão desde 1998, com uma contracção de 1,2% do PIB em 2020.
Um abrandamento das medidas de confinamento no final de 2020 e o aumento global dos preços do cobre resultaram numa certa recuperação, mas a inflação atingiu um máximo dos últimos 19 anos (22%) em Fevereiro deste ano, segundo o Banco Mundial. Os preços da alimentação eram em Julho quase um terço mais caros do que há um ano.
As estradas em Lusaca, cidade com três milhões de habitantes, melhoraram muito desde que Lungu tomou posse em 2015. O Governo fez auto-estradas e rotundas, para facilitar o descongestionamento, tapou buracos e alargou faixas… Mas, citando um ditado popular na capital zambiana, “não se pode comer estradas”.
Folha 8 com Lusa