Eis o texto integral da declaração política dos responsáveis pela “Ampla Frente Patriótica para a Alternância”, Adalberto da Costa Júnior, Presidente da UNITA; Abel Epalanga Chivukuvuku, Coordenador do Projecto Pra Já Angola e Filomeno Vieira Lopes, Presidente do Bloco Democrático:
«Na sequência de mais um período de concertação para a mudança, os proponentes da AMPLA FRENTE PATRIÓTICA para ALTERNÂNCIA – enquanto conjugação do esforço patriótico para concretizar a alternância democrática em Angola- vêm manifestar a sua profunda preocupação pela degradação progressiva da crise que assola o País, ante a incapacidade do Governo de reverter o quadro actual de penúria generalizada que a esmagadora maioria das famílias angolanas enfrenta.
O País está falido, doente e sem rumo.
A juventude, que é o futuro da Nação, sente-se traída e impotente, porque os governantes, ao invés de governarem para o povo, roubaram o País e roubaram também o futuro da juventude.
No Sul, aldeias inteiras assistem o êxodo das suas populações assoladas pela fome e pela falta de água que agravam a pobreza e semeiam a morte.
Nos centros urbanos, o preço galopante dos alimentos faz as suas vítimas, e a classe média que há alguns anos atrás brotava vai minguando.
Os preços dos alimentos da cesta básica sobem todos os dias sem qualquer controlo. O preço do açúcar, mesmo o produzido em Malange, por exemplo, continua a ser manipulado a favor dos cartéis e contra os interesses do povo desprotegido por quem o devia proteger.
Não se compreende que mesmo quando o câmbio do dólar se mantém inalterado e a oferta de produtos nacionais aumenta, os preços desses produtos continuem a aumentar a um ritmo superior à taxa da desvalorização da moeda, em violação das leis do mercado.
A incapacidade do governo de resolver os problemas sociais tornou-se estrutural e congénita, tendo transformado a falta de água potável, as doenças endémicas, o desemprego, a educação sem qualidade, a falta de saneamento básico, a incompetência do governo e a corrupção em verdadeiros inimigos do povo angolano.
Para agravar a situação, o Partido Estado capturou o Estado, subverteu a democracia e delapidou os recursos do País para beneficiar meia dúzia de oligarcas.
Prova disso é a persistência na contratação directa das mesmas empresas para as principais empreitadas de obras públicas, quando a maioria das construtoras que outrora empregavam milhares e milhares de cidadãos e lhes mitigavam a fome, asfixiadas pelo não pagamento da divida pública vão minguando no esquecimento.
A conduta desviante de quem governa, que não escuta os seus parceiros sociais, não dialoga sequer com os partidos fora da sua órbita, cria uma crise insanável na relação entre governantes e governados, que obriga a Nação a rever os fundamentos da relação intrínseca existente entre responsabilidade política e legitimidade governativa.
O republicanismo ensina que “a responsabilidade política dos governantes constitui o fundamento das obrigações políticas dos cidadãos, no sentido em que as regras de conduta responsável a que os governantes estão vinculados são também regras de legitimidade política.
Quando os governantes quebram tais regras, tomando decisões que lesam manifestamente o bem da comunidade ou quando praticam crimes, isso significa que as condições que tornariam o seu poder legítimo e válido se desfizeram”.
Nesta base, o Partido estado perdeu a legitimidade política para continuar a governar Angola.
De facto, o republicanismo e a democracia representativa, não permitem o exercício do poder representativo sem responsabilidade.
“A responsabilidade é uma condição da democracia, tal como a democracia é uma condição da responsabilidade. O povo admite apenas a cedência do seu poder aos seus governantes porque conserva a oportunidade de os vigiar e de os remover”.
É nossa convicção que o Partido estado MPLA perdeu a legitimidade política para continuar a governar Angola por manter o Estado capturado, asfixiar as liberdades democráticas, manter de alguma forma a corrupção e manter a economia refém de interesses hegemónicos, solidamente entrincheirados nas esferas do poder e por ter passado a governar contra os interesses do povo soberano de Angola.
Povo angolano:
Angola precisa de adoptar um Programa de Emergência Nacional para tirar o País da crise em que se encontra.
A fome, a saúde, a educação, o desemprego, a habitação e a criminalidade tornaram-se problemas de segurança nacional e precisam de ser tratados como tal.
É chegado o tempo para que quem tem o poder para o fazer declare o Estado de Calamidade Pública no Sul de Angola e use os mecanismos apropriados para que as agências internacionais vocacionadas intervenham no terreno, poupando a vida de milhares de nossos compatriotas que fogem para a Namíbia ou morrem desnutridos e exaustos pelas matas e ao longo do trajecto para o país vizinho.
A situação geral de calamidade reclama por medidas extraordinárias de controlo dos preços da cesta básica, das pandemias que matam mais angolanos do que a Covid-19 e a pandemia da má governação. O levantamento da cerca sanitária à Luanda poderá ajudar a economia, mas não será suficiente.
Desde já, impõem-se que quem governa proponha, agora para ser debatido pelo país o seu programa pós Covid-19 e tome em boa conta o desemprego jovem e a sua mitigação tanto pela formação profissional, como pela vulgarização dos mecanismos de massificação das micro empresas e alavancamento das pequenas e médias empresas descapitalizadas pelo Covid-19, como uma das saídas para a grande crise do desemprego dos jovens.
Lembra-se também a quem governa que na maior parte do país agrícola grande parte dos camponeses até à chegada da estação chuvosa já terão consumido a reserva que possuem em sementes. Que se prevejam as soluções que se impõem criando-se entre outros mecanismos, fundos provinciais de crédito em sementes e adubos nas zonas atingidas pela irregularidade das chuvas e assoladas pela penúria.
Os angolanos querem governantes que sejam patriotas, que amem o povo, respeitem a Lei e não sejam corruptos.
Não querem governantes que estejam comprometidos em salvar seus partidos, mas governantes comprometidos em salvar Angola e os Angolanos.
A todos os compatriotas, angolanas e angolanas de todas as origens, em especial aos funcionários públicos, aos membros do MPLA e aos oficiais das forças de defesa e segurança que têm servido o Estado angolano com dedicação, apelamos à serenidade, a interpretar os sinais dos tempos.
O tempo da democracia tutelada, para perpetuar no poder alguns e excluir outros, ACABOU!
O tempo da República sem republicanismo, ACABOU!
O tempo da democracia sem liberdade de imprensa, ACABOU!
O tempo de todos ficarem amordaçados à vontade de uma só pessoa, ACABOU!
O País precisa de uma nova liderança.
Nós estamos a estruturar esta nova liderança, para darmos ao País um novo começo, um novo rumo.
Os funcionários do Estado não serão despedidos só por serem do MPLA.
Vão continuar, porque o MPLA é parte de Angola e na alternância são os funcionários que garantem a continuação das funções do Estado.
O problema não está na filiação política das pessoas. Está nas práticas erradas e na incapacidade dos dirigentes de governar para o povo, olhar todos.
Vamos trabalhar juntos para uma nova forma de fazer política e garantir que a Lei proteja de facto o interesse de todos, ricos e pobres, angolanos e estrangeiros. E para que ninguém seja excluído nem molestado.
Vamos construir instituições democráticas sólidas, a partir do Poder Local, instituições que se manterão e se consolidarão mesmo depois dos homens que as dirigem terem passado, por decorrência do seu tempo, para garantir a participação efectiva dos cidadãos na solução dos problemas mais prementes das comunidades!
Vamos espalhar a democracia verdadeira pelos municípios, para que cada um, a partir do seu município, escolha os Presidentes das Câmaras que deverão ter autonomia administrativa e financeira para dialogar e resolver os problemas lá perto da sua casa.
Vamos negociar uma solução pacífica, democrática e definitiva para o conflito em Cabinda.
É preciso ouvir as pessoas e conciliar as suas aspirações com as do país inteiro.
O futuro que preconizamos para Angola, após a saída do MPLA do poder objectiva tanto a dignidade da pessoa humana como funda-se e repousa na dignidade da pessoa humana, na vontade do povo angolano e na solidariedade nacional.
Os menos vulneráveis hoje podem ser os mais vulneráveis amanhã. Porém, o princípio da solidariedade em face dos mais vulneráveis, é imutável face às alterações sociais ou económicas na vida de quem dele necessita.
E quem hoje mais necessita da solidariedade de todos, são aqueles que antes seguiram o MPLA. Aqueles que talvez tenham acumulado fortunas ou cometido outros erros.
Se quisermos a efectiva reconciliação, teremos de ter a capacidade de virar mais uma página da nossa história e a disposição para fazer compromissos.
Nós estamos prontos para fazer este compromisso e iniciar uma nova página da nossa história.
Democracia significa alternância entre governo e oposição.
Ambos são eleitos pelo mesmo voto do povo.
Por isso, os angolanos não precisam temer o futuro sem o MPLA no governo.
Nós vamos governar com todos, incluindo membros do MPLA, porque defendemos um governo de pessoas competentes que sejam patriotas, não um governo de militantes.
De governo de militantes já se fartou o país.
Os angolanos sabem o que resulta de um governo de militantes de bandeira única.
Angola vai mandar o MPLA para a oposição porque precisa do MPLA na oposição para poder fiscalizar o novo governo. Ele conhece bem os meandros dos contratos e dos fundos públicos e está capacitado para ser um bom fiscal.
SOBRE AS ELEIÇÕES
A manipulação de procedimentos e resultados eleitorais praticadas até aqui firmam a convicção de que a liderança do MPLA quer para Angola um capitalismo de partido único e uma democracia que não produz alternância, que encara eleições como um ritual, cuja função é revestir, com as aparências da legalidade, a “vitória anunciada” do partido do governo, a qualquer custo e por qualquer meio.
Angola já rejeitou no plano formal este modelo de governação em 1992 e também em 2002.
O passo que falta para Angola tornar-se de facto um Estado de direito democrático é garantir que as eleições deixem de ser um ritual controlado pelo Partido Estado; e passem a ser eleições democráticas, livres e justas, que reflictam sempre e só a vontade soberana do povo.
Em 2017, chegamos ao cúmulo de ver uma CNE dividida a anunciar resultados que não produziu. Ficou confirmado que a CNE serviu e tem servido apenas de testa de ferro das ordens superiores.
Até hoje, ela não tem os resultados eleitorais reais, mesa por mesa, assembleia por assembleia, porque são manipulados.
Esta conduta é errada e deve ser corrigida.
Saudamos, por isso, os esforços tendentes a corrigir a conduta dos agentes eleitorais, fortalecer a isenção e a imparcialidade da CNE e garantir a transparência e a lisura dos processos eleitorais.
O diálogo parlamentar deve reflectir a vontade nacional de se fechar o ciclo de eleições contestadas porque organizadas e controladas pelos serviços de segurança do estado e pela casa Militar da Presidência da República que não têm legitimidade para tal.
A revisão da legislação em curso deve assegurar que a entidade gestora da Base de Dados dos Cidadãos Maiores garanta que a oficiosidade do registo alcance o objectivo intencionado pela Constituição, que é a universalidade.
Não pode haver nem um só angolano maior de 18 anos, rico ou pobre, letrado ou iletrado, com ou sem Bilhete de Identidade, que não esteja inscrito na Base de Dados do Registo Eleitoral.
Para que assim seja, a Base de Dados do Bilhete de Identidade não pode ainda ser a única fonte de alimentação da Base de Dados do Registo Eleitoral. Angola ainda precisa de fazer campanhas massivas de registo presencial para garantir que não se negue a cidadania a ninguém, que ninguém seja discriminado em função da sua residência, condição económica ou social.
Uma legislação eleitoral acolhida por todos, que resulta de reformas equilibradas e que reflictam os consensos indispensáveis conduz à eleições livres e justas que convenientemente observadas levam os partidos, os observadores e a comunidade nacional no geral a aceitá-las sem reserva após uma campanha competitiva, sem uso ilimitado dos meios do estado pelos que ainda governam e sem recurso a corrupção eleitoral, corporizada em ofertas de chapas de zinco, fuba e bebidas, tudo com publicitação gratuita pela Televisão do Estado, a tempo inteiro.
Não se pode pretender combater a corrupção praticando a corrupção.
Angola deve aproveitar esta oportunidade soberana para produzir leis consensuais e estáveis que garantam a lisura e a transparência dos processos eleitorais de acordo com os padrões universais da democracia.
Caros compatriotas:
Importa recordar que os problemas de Angola dizem respeito a todos os seus filhos, incluindo os que vivem na diáspora e também aos investidores estrangeiros que escolheram Angola como seu local de residência e àqueles que investiram aqui o seu dinheiro, contando com o justo retorno do capital investido.
Por isso é normal que as forças democráticas do País conversem com os investidores e lhes reafirmem garantias de estabilidade. Eles sabem tudo o que se passa em Angola. Sabem coisas que o povo não sabe. Porque é lá no estrangeiro que estão os dinheiros de Angola, é lá que se cozinham os contratos que o povo não conhece.
Nós vamos continuar a dialogar com todas as entidades interessadas em Angola para lhes assegurar que a transição para a democracia será gerida com responsabilidade e os compromissos assumidos pelo Estado angolano serão respeitados. A alternância política na governação respeitará sempre o princípio da continuidade do Estado.
A alternância que propomos é a que ergue antes de mais nada a bandeira da reconciliação entre nós todos.
Temos diante de nós uma oportunidade ímpar para Angola estabelecer a verdadeira sociedade democrática e livre, em que todos os angolanos convivam em harmonia, governantes e governados, ricos e pobres, afortunados e desafortunados, ex-governantes, operários e camponeses, militares e policias, funcionários públicos.
Todos em harmonia, rumo a construção de uma nova Nação.
A Alternância, com paz e harmonia é um Imperativo Nacional
Viva Angola, Viva a Unidade Nacional
Luanda, 5 de Agosto de 2021»