Deputados angolanos manifestaram-se hoje “solidários” com Moçambique, “que luta pela manutenção da paz” devido aos conflitos armados e saudaram a iniciativa do Presidente angolano de enviar um contingente 20 militares para as Forças em Estado de Alerta da SADC, Comunidade de Desenvolvimento da África Austral. Entretanto a CPLP… a quê?
O deputado da FNLA, Lucas Ngonda, considerou a solicitação do Presidente angolano um “mecanismo legal” de compromisso das forças angolanas “que decorre de obrigações internacionais”.
“A FNLA estima que esta é uma nota positiva para o progresso das nossas instituições democráticas. Esta participação, pensamos nós, está inscrita na extrema necessidade da paz naquele país irmão”, afirmou hoje o deputado.
O parlamento angolano aprovou hoje por unanimidade o envio de um contingente de 20 militares para Moçambique, no quadro das Forças em Estado de Alerta da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
O efectivo angolano, composto por dois oficiais no Mecanismo de Coordenação Regional, oito oficiais no Comando da Força e 10 militares de uma aeronave do tipo IL-76 de Projecção Estratégica, parte na próxima quinta-feira para Moçambique para uma missão de 90 dias.
Benedito Daniel, deputado do PRS, afirmou que Angola faz parte da SADC “com compromissos e deveres, e não vai fazer nenhuma ingerência nesta missão”.
“O mandato está definido, além de restaurar a paz e segurança e garantir a estabilidade de Moçambique, tem como objectivo a contenção de uma possível expansão do Estado Islâmico na SADC”, apontou do deputado do PRS.
Para o deputado do MPLA, partido no poder desde a independência, tal como a FRELIMO em Moçambique, José Semedo, que se manifestou “solidário com o povo moçambicano”, disse que seria “um crasso erro estratégico encarar e analisar o terrorismo em Moçambique como um caso isolado”.
O terrorismo, disse o deputado do MPLA, “adquiriu um carácter verdadeiramente internacional assumindo na região dimensões de repercussões altamente preocupantes”.
Já Alcides Sakala, deputado da UNITA, maior partido na oposição que o MPLA (ainda) permite, considerou que o sucesso da força da SADC dependerá de como lidarem com as sensibilidades locais étnico-religiosas.
“Mas apesar desta complexidade, é possível estabelecer-se um clima de coexistência sã no âmbito das acções inter-religiosas. Manifestamos a nossa solidariedade com o povo irmão de Moçambique com a luta pela manutenção da paz”, frisou o deputado angolano.
O projecto de resolução que autoriza o Presidente angolano, na qualidade de Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas (FAA), a enviar uma componente angolana da Força em Estado de Alerta da SADC para a República de Moçambique foi aprovado hoje pelo parlamento angolano com 182 votos favoráveis, nenhum contra e nenhuma abstenção.
Grupos armados aterrorizam a província moçambicana de Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo Estado Islâmico.
Há mais de 2.800 mortes, segundo o projecto de registo de conflitos ACLED, e mais de 800 mil deslocados, de acordo com a presidência moçambicana.
Uma vergonha chamada CPLP
O antigo secretário-executivo de uma “coisa” que existe “de jure” mas que “de facto” é só um elefante branco e que dá pelo nome de Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Murade Murargy, defendeu em Junho de 2020 que a organização devia ajudar Moçambique no combate aos ataques em Cabo Delgado, nomeadamente agindo “como um padrinho” na mobilização de apoios internacionais.
Como moçambicano, Murade Murargy, que também fez parte de anteriores governos do seu país e foi chefe da Casa Civil de ex-Presidente Joaquim Chissano, disse, em entrevista à Lusa, que Moçambique precisava (continua a precisar) do apoio internacional para combater o problema dos ataques em Cabo Delgado (norte do país) e que a CPLP devia passar das palavras aos actos na ajuda a um Estado-membro que enfrenta “uma agressão externa” e “uma invasão do seu território”.
Aqui é que a CPLP se revela em todo o seu esplendor de sarjeta putrefacta. Palavras, palavras e nada mais do que isso.
“O meu país, além desta grande crise sanitária [a pandemia de Covid-19] ainda está a enfrentar duas frentes de batalha (…). A primeira, já é antiga,(…) que é a guerra contra a Junta Militar da Renamo [o grupo de antigos militares do braço armado do maior partido da oposição], que está ainda a actuar no centro de Moçambique. Depois tem a frente de Cabo Delgado, que está mais relacionada com o crime organizado e transfronteiriço”, sublinhou.
Numa organização como a CPLP, “solidária, fraterna, com espírito de entreajuda”, seria natural que “os chefes de Estado, de alguma forma, tivessem uma reunião de urgência, (…) para ver o que se pode fazer para ajudar Moçambique a ultrapassar esta invasão do seu território”, afirmou Murargy, que foi secretário-executivo entre 2012 e 2016.
Os apoios poderiam ser, na opinião de Murargy, técnico-militares, materiais ou financeiros. Acrescentando que “a CPLP pode ser o padrinho para solicitar a mobilização do apoio internacional para Moçambique”.
Segundo o antigo responsável, o próprio presidente da organização – na altura o chefe de Estado cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca -, “podia deslocar-se a Moçambique, falar com o Governo moçambicano, avaliar a situação (…), conhecer a origem deste conflito, depois informar os outros Estados-membros ou convocar uma cimeira de urgência”, para “encontrar soluções”.
A nível bilateral, entre os Estados-membros, também “devem haver acordos de cooperação militar, que podem permitir uma mobilização de apoios para fazer frente a esta agressão”, adiantou.
Mas, é a CPLP que deve ver o que pode fazer, “seja ao nível dos seus Estados-membros, seja de apoios fora da comunidade, ao nível das Nações Unidas, por exemplo”, apontou.
Quando questionado se o Governo moçambicano quer realmente ajuda para fazer face ao problema dos ataques a Cabo Delgado, cuja origem ainda não era na altura claramente conhecida, o embaixador respondeu: “Não sei. Mas a iniciativa tem de partir da CPLP. Não é Moçambique que vai pedir à CPLP para se reunir”.
Murargy apontou como exemplo o apoio que a França estava a dar, com o seus militares numa força conjunta, para combater o Boko Haram, grupo jihadista que opera na região do Sahel.
“Por isso, se as Nações Unidas assumirem que este conflito em Moçambique é transfronteiriço e que põe em causa a estabilidade vindo de fora, se for chamada como uma força de manutenção de paz vai ter de considerar”, concluiu, admitindo que o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, “estaria aberto a discutir essa possibilidade e de que forma esse apoio poderia vir”.
Segundo o diplomata moçambicano, o que está a acontecer em Moçambique é uma situação que está também a ganhar terreno na Tanzânia
“É um movimento que vem lá de cima, mas vem descendo da Somália. É porque há cidadãos de outros países que estão envolvidos nisto e que querem transformar esta região toda numa região islâmica”, reforçou.
Os ataques de grupos armados que desde 2017 aterrorizam Cabo Delgado já tinham feito (Junho de 2020) pelo menos mil mortos, entre civis, militares moçambicanos e vários rebeldes, e estavam a causar uma crise humanitária que afectava mais de 700.000 pessoas.
As Nações Unidas estimavam na altura que haveria 250.000 pessoas em fuga dos distritos mais afectados, mais de 10% da população da província, que tem cerca de 2,3 milhões de habitantes.
Alguns dos ataques são reivindicados pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico e a ameaça terrorista é reconhecida dentro e fora do país, tendo os grupos de rebeldes ocupado importantes vilas de Cabo Delgado (situadas a mais de 100 quilómetros da capital costeira, Pemba) durante dias seguidos, antes de saírem sob fogo das Forças de Defesa e Segurança moçambicanas.
Uma vergonha… felina
Abril de 2012. A Força de Reacção Imediata (FRI) das Forças Armadas portuguesas estava a elevar o seu nível de prontidão devido ao agravamento da situação na Guiné-Bissau.
As forças especiais, pára-quedistas e fuzileiros receberam no dia 13 de Abril de 2012 ordens para aumentar a velocidade de resposta para “acautelar” qualquer eventualidade.
A FRI, que tinha (teve, tem) meios dos três ramos das Forças Armadas que variam consoante o tipo de missão, pode ser deslocada em 72 horas e é comandada pelo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
Recorde-se que o chefe do Estado Maior General das Forças Armadas portuguesas (CEMGFA) considerou em 24 de Setembro de 2008 estarem criadas as bases da doutrina militar para o emprego de uma força conjunta da CPLP.
Luís Valença Pinto regozijou-se na altura com a participação, pela primeira vez, de forças de todos os países que compõem a CPLP no exercício FELINO concluído então na área militar de S. Jacinto, em Portugal.
No balanço que fez desse exercício conjunto, o CEMGFA considerou que o FELINO 2008 permitiu lançar as bases de doutrina militar para criar uma força conjunta que possa ser activada para missões de paz, sob a égide das Nações Unidas.
Será que o que se tem passado, o que se passa e que se virá a passar na Guiné-Bissau não justifica a activação dessa força? Isto (re)perguntava o Folha 8 eu em Dezembro de 2011. Há quase dez anos…
“Portugal ensinou e aprendeu muito e a conduta táctica permitiu recolher referências para essa doutrina militar, cujas bases deverão ser testadas em 2009, em Moçambique”, disse Luís Valença Pinto, acrescentando que a construção dessa doutrina militar é condição de base para o emprego comum de forças da CPLP, já que há países de dimensão muito diferente e com realidades distintas das de Portugal, como elemento da NATO.
O CEMGFA salientou que, devido à cooperação militar, seria viável até aqui uma intervenção bilateral ou trilateral, mas não a oito, do ponto de vista militar, dada a necessidade de harmonizar conceitos, técnicas e tácticas, que foi o objectivo do FELINO 2008.
No terreno desde 2000 (há, portanto, 21 anos), os FELINO visam treinar o planeamento, a conduta e o controlo de operações no quadro da actuação de resposta a uma situação de crise ou guerra não convencional, por parte das Forças Armadas dos estados-membros da CPLP.
Em teoria, e é só disso que vive a CPLP, as forças FELINO poderiam actuar por livre iniciativa da CPLP quando a situação é de crise num dos seus estados-membros.