As certidões de óbito de Salupeto Pena, Jeremias Kalandula Chitunda, Adolosi Paulo Mango Alicerces e Eliseu Sapitango Chimbili, dirigentes da UNITA assassinados em 1992 quando o MPLA queria decapitar a UNITA, foram entregues ontem, em Luanda, pelo Executivo, aos respectivos familiares.
O acto, que decorreu no Multiuso do Kilamba, enquadra-se no processo de implementação do que o MPLA chama Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP) ocorridos entre 11 de Novembro de 1975 e 4 de Abril de 2002.
O coordenador do Grupo Técnico Científico do CIVICOP, Cornélio Caley, que fez a entrega das certidões, disse que o gesto significa que o Estado angolano (MPLA) está definitivamente envolvido com os familiares das vítimas e a viver a dor que todos sentiram num dos momentos mais difíceis da história do país.
Às famílias, Cornélio Caley referiu que o processo continua, devendo comparecer sempre que forem solicitadas: “Com o discurso do Presidente da República ficou claro que estamos no processo angolano de reconciliação nacional, uma palavra profunda que deve ser transmitida às famílias angolanas em momentos como estes e outros que se vão seguir”.
O porta-voz do CIVICOP, Israel Nambi, esclareceu que depois desta fase segue-se a entrega das ossadas. No princípio, disse, havia a intenção de se entregar as certidões em simultâneo com os restos mortais mas não foi possível. “Há um processo protocolar que deve ser respeitado, que tem a ver com os exames que estão a ser feitos de ADN. Tão logo seja concluído far-se-á a entrega dos restos mortais”, acrescentou.
Questionado sobre o prazo para o efeito, esclareceu: “Não há ainda uma data definida. Nesta fase adiantar datas precisas é um pouco arriscado mas oportunamente vamos comunicar”. José Pakisse Mendonça, em representação da família Chitunda, considerou o momento “um passo que vem concretizar o discurso do Presidente da República no quadro do processo de reconciliação nacional”.
Em declarações ao Jornal de Angola, José Pakisse Mendonça disse que o acto era importante e significava que “a teoria está a passar para a prática, o que contribui significativamente para a reconciliação das famílias angolanas, tendo em conta o conflito que perdurou tanto tempo”.
“Falta apenas a segunda parte e acredito que tudo vai se concretizar mais dia menos dia. Depois de concluídas as outras fases, vai acontecer a entrega das ossadas”, concluiu.
Alicerces Paulo Bartolomeu, filho de Alicerces Mango, manifestou um grande sentimento de nostalgia, depois de muitos anos. “Praticamente já tínhamos encerrado esse processo e com isso abriram-se novamente as feridas e vamos seguir os trâmites todos que o Governo está a fazer”, disse.
Marta Chimbili, filha de Eliseu Chimbili, disse sentir um misto de emoções indescritíveis mas, ainda assim, de forma positiva: “Este processo é uma forma de reaproximar as pessoas que a guerra separou e de nos olharmos com outros olhos o que contribui para o acalmar das almas”.
Israel Nambi informou que a Comissão já recebeu, até ao momento, mais de 1.300 pedidos para obtenção de certidões, tendo já sido passadas 400 e entregues mais de 250.
O processo de entrega de certidões de óbito das vítimas dos conflitos políticos, disse, está em curso e os familiares podem continuar a acorrer aos nossos serviços e formular o pedido para entrega de certidões.
Passar certidões, devolver ossadas e manter o dedo no gatilho
O regime do MPLA está morto, só ainda não sabe. E, convenhamos, como ainda não sabe não terá problemas em completar o que deixou a meio em 1992: o massacre de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, onde morreram 50 mil angolanos.
O massacre ocorreu depois de uma fase de paz que se seguiu aos acordos do Alto Kauango e de Bicesse, celebrados em Maio de 1991. A guerra civil entrou então numa nova fase e prolongou-se por mais dez anos.
“Foi naturalmente um dia horrível. Estava-se a discutir a paz”, recordou em Outubro de 2012 à DW Filomeno Vieira Lopes, líder do Bloco Democrático, partido da oposição angolana. Ele lembrava-se bem da data que interrompeu o processo de paz em Angola.
Filomeno Vieira Lopes estava fora de casa quando começaram os bombardeamentos. Foi apanhado de surpresa, sobretudo numa altura em que se tentava encontrar soluções políticas para o problema. “Matava-se tudo. Matavam-se todos os que tivessem alguma ligação com a oposição.”
Milhares de apoiantes e até dirigentes da UNITA foram assassinados em Luanda e em outras localidades do país, mas a sanha do MPLA, cujo ADN assassino já mostrara todo o seu potencial em 1977 (nos massacres de 27 de Maio), também não poupou a FNLA.
“Foi a primeira vez, na história da guerra civil angolana, que políticos morrem em combate”, escreve o jornalista Emídio Fernando no livro “Jonas Savimbi: No lado errado da História”.
Até hoje, permanece por esclarecer quem ordenou o massacre. O número de vítimas também nunca foi confirmado, mas estima-se que tenham morrido cerca 50 mil pessoas. Números que os sipaios do MPLA contestam:
“Acho que, às vezes, a comunidade internacional empola. Houve uma manipulação desses resultados. Eventualmente fala-se das pessoas que morreram pela UNITA, mas também morreu muita gente pelo lado do governo. A UNITA quando ocupou o Uíge matou muita gente do MPLA e quando ocupou o Huambo, fez o mesmo,” justifica Mário Pinto de Andrade.
Os assassinatos ocorreram após as eleições presidenciais e legislativas de 1992, as primeiras na história do país. Nem o candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos (que esteve no Poder durante 38 anos), nem o seu adversário, Jonas Savimbi, da UNITA, conseguiram maioria absoluta nas presidenciais.
Mas a segunda volta nunca se realizou. A guerra civil reacendeu-se com o massacre e prolonga-se até 4 de Abril de 2002. O massacre também dizimou muitos membros dos grupos étnicos Ovimbundu e Bakongo, historicamente tidos como adversários do MPLA.
De facto, como antes, como agora, como no futuro, o MPLA quis neutralizar todos os que pensavam de maneira diferente do regime.
Foi uma tentativa de decapitar a UNITA. Tanto que fala-se em milhares de mortos, eventualmente até em cerca de 50 mil. É certo que também o próprio vice-presidente da UNITA, Jeremias Chitunda, tal como Mango Alicerces [secretário-geral da UNITA] e Elias Salupeto Pena [sobrinho do líder do partido, Jonas Savimbi] foram mortos nesse massacre. Na história do MPLA, os massacres, ou as purgas, ou o que se lhe quiser chamar, são uma regra estratégica do regime, mesmo até para os próprios simpatizantes do MPLA que, eventualmente, se atrevam a pensar de forma diferente dos líderes.
O tema, como outros, ainda é tabu em Angola e desconhecido pelas novas gerações, embrutecidas, formatadas e manipuladas pelo MPLA.
Estes massacres, quer o de 27 de Maio de 1977, quer o de 1992, são os mais visíveis pelo número de vítimas, mas o MPLA tem muitas outras histórias porque ao longo da guerra – embora a UNITA obviamente também tenha cometido grandes erros – o MPLA, até pelo poder militar que tinha, massacrou muita gente inocente. A paz e reconciliação em Angola nunca se conseguirá com base na mentira.
Um dia destes o MPLA vai provar que o massacre do Pica-Pau em que, no dia 4 de Junho de 1975, perto de 300 crianças e jovens, na maioria órfãos, foram assassinados e os seus corpos mutilados no Comité de Paz da UNITA em Luanda… foram obra da UNITA.
Como irá provar que o massacre da Ponte do rio Kwanza, em que no dia 12 de Julho de 1975, 700 militantes da UNITA foram barbaramente assassinados, perto do Dondo (Província do Kwanza Norte), perante a passividade das forças militares portuguesas que garantiam a sua protecção, foi obra da UNITA.
Ou de, entre 1978 e 1986, centenas de angolanos terem sido fuzilados publicamente, nas praças e estádios das cidades de Angola, uma prática iniciada no dia 3 de Dezembro de 1978 na Praça da Revolução no Lobito, com o fuzilamento de 5 patriotas e que teve o seu auge a 25 de Agosto de 1980, com o fuzilamento de 15 angolanos no Campo da Revolução em Luanda.
Ou de, em Junho de 1994, a Força Aérea ter bombardeado a Escola de Waku Kungo (Província do Kwanza Sul), tendo morto mais de 150 crianças e professores, bem como entre Janeiro de 1993 e Novembro de 1994 ter bombardeado indiscriminadamente a cidade do Huambo, a Missão Evangélica do Kaluquembe e a Missão Católica do Kuvango, tendo morto mais de 3.000 civis.
É verdade, reconhecemos, que tudo o que de mal se passou, passa ou passará em Angola é sempre culpa da UNITA. Desde logo porque as balas das FALA (Galo Negro) matavam apenas civis e as das FAPLA/FAA (MPLA) só acertavam nos militares inimigos. Além disso, como também é sabido, as bombas lançadas pela Força Aérea do MPLA só atingiam alvos inimigos e nunca estruturas civis.
Como dizia um outro sipaio do MPLA, que para ser director do Pravda do regime (Jornal de Angola) teve de ser operado e passar a ter o cérebro no intestino, de seu nome José Ribeiro, “quem viveu tantos anos sob o regime de Jonas Savimbi e agora prospera à sombra do mundo da mentira elevada ao nível mundial, jamais consegue perceber o sentido da liberdade nem respeitar os direitos dos outros”.
Terá sido, aliás, por influência desta tese de José Ribeiro que o actual ministro da Defesa de Portugal, João Gomes Cravinho, disse, em entrevista ao jornal português Expresso, que Jonas Savimbi era um “Hitler africano”.