Profissionais de saúde pediram hoje a intervenção do Presidente Da República, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, para “travar” a escassez de materiais descartáveis, medicamentos e de recursos humanos nas unidades sanitárias, sobretudo em Luanda, que registam enchentes e mortes nos bancos das urgências. É uma vergonha.
Segundo alguns profissionais ouvidos pela Lusa, o sistema de saúde primário, sobretudo na capital, “colapsou” e as unidades hospitalares estão a registar em “média entre seis e dez mortes” associadas à malária e anemia. É claro que a culpa não é, nunca é, do MPLA, porque o partido liderado por João Lourenço só está no Governo há… 45 anos.
“Com todas as observações que temos feito não observamos melhorias nem de medicamentos, nem de recursos humanos e meios e o que me admira é o silêncio do Presidente da República, João Lourenço, em relação a isso”, afirmou hoje o presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (Sinmea), Adriano Manuel.
Para o médico Adriano Manuel, “é necessário que os altos dirigentes do país, sobretudo o Presidente da República, façam visitas surpresa aos hospitais públicos para observarem o que se passa verdadeiramente e quais as repercussões”. Sim. Terá de ser o Presidente porque, de facto, Angola não tem ministra da Saúde e Sílvia Lutucuta mais não é do que uma figura decorativa, cujo prestígio que tinha quando foi escolhida se esfuma a cada dia que passa.
O lixo e as águas paradas, de esgotos a céu aberto e das últimas chuvas, referiu o dirigente sindical, “influenciam negativamente” o quadro sanitário de Luanda verificando-se um “elevado quadro de malária nos bancos das urgências”, notou.
“Estamos num quadro em que grande parte das crianças padecem de má nutrição crónica, por um lado, e de anemia crónica também, e quando a malária acomete esses pacientes encontra uma certa vulnerabilidade e daí surgem as mortes”, disse.
Ao quadro de malária associam-se as anemias e insuficiências dos ‘stocks’ do banco de sangue. “Daí que muitas crianças que acorrem aos nossos hospitais morrem de malária”, lamentou Adriano Manuel.
Aliás, muitas (muitas mesmo) das nossas crianças são geradas com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome. Nada disto é novo mas, apesar disso, tudo continua na mesma ou… pior. A isso acresce que os pais dessas crianças, tão angolanas quanto os filhos do Presidente João Lourenço, continuam a aprender a viver sem… comer.
O presidente do Sinmea estimou igualmente que, em média, o índice de mortalidade por malária nas unidades hospitalares “varia entre 6 e 10 mortes por dia, embora existam hospitais que tenham um nível superior e atingem mais de 18 mortes de crianças”.
“Isso acontece porque os níveis secundários e primários não têm recursos humanos e medicamentos e, então, as pessoas acorrem aos hospitais terciários por falta de condições para a aquisição de medicamentos”, sublinhou.
Apontou ainda “um visível desgaste físico geral de médicos, enfermeiros e demais técnicos de saúde, em consequência da demanda de pacientes”, o que também influencia, frisou, “o índice de mortalidade”.
Porque, explicou o médico, “não se pode compreender como é que um médico sozinho num banco de urgência observa uma média de 150 doentes”. “É um cansaço terrível e infelizmente o Governo faz ouvidos de mercador”, comentou.
O cenário de enchentes nas unidades hospitalares, a partir do nível primário, foi também relatado pelo secretário-geral do Sindicato de Técnicos de Enfermagem de Luanda, Afonso Kileba, afirmando que a procura dos doentes “contrasta com a escassez de técnicos de saúde”.
“Os hospitais estão muito cheios, centros de saúde muito cheios, principalmente do nível primário, onde está a maior parte da população e é o nível que está desfalcado em termos de técnicos”, disse Afonso Kileba.
O responsável sindical e especialista em enfermagem lamentou também a “inexistência” de materiais descartáveis nas unidades sanitárias, referindo existir uma “redução de abastecimento do material gastável” nos hospitais de Luanda.
“Há hospitais a que estão a ser atribuídas cinco ampolas de dipirona [fármaco para a febre] para um mês, de tal maneira que agrava também o quadro de mortes, devido à ausência de uma resposta capaz”, indicou.
Quanto a condições de trabalho, “já nem se fala, não existe alimentação ou condições de acomodação dos técnicos”, afirmou ainda Afonso Kileba.
Lixeiras, as (novas) lojas do Povo, não é Presidente?
Se os angolanos não morrem em maior quantidade, a culpa não é de um Governo que está no poder há 45 anos e que está a fornecer-lhes todos os dias, a todas as horas, instrumentos para terem sucesso… Ao que parece o Covid-19 não teve êxito neste aspecto, ficando a longa distância da estratégia do MPLA que ensina os angolanos a viver… sem comer!
Há quem afirme que são cada vez mais as vozes que dentro do MPLA – fora já sabemos que é verdade – estão a mostrar o seu descontentamento com as políticas do “querido líder”. Será? É que a resposta aos contestatários (serão fraccionistas?) passa por acusações de corrupção, confisco de bens etc. e, também no MPLA, quem tem mataco tem medo.
Talvez estejam, aos poucos, a ver que sua majestade o novo rei, João Lourenço, não tardará (mais pela razão da força do que pela força da razão) a recorrer aos ensinamentos do seu guru e único herói nacional, António Agostinho Neto, não perdendo tempo com julgamentos.
Parece-nos, contudo, que essas afirmações, suposições ou desejos sobre uma eventual revolta são apenas treta. Treta que por ser congénita no MPLA mostra como os seus dirigentes são muito fortes com os fracos. Dizem-nos que o nepotismo do actual “escolhido de Deus” atingiu um descaramento tal que há altos dirigentes que ameaçam bater com a porta e sair. João Lourenço não acredita. Ele conhece bem quão cobardes são os seus pares. Por alguma razão ele próprio, enquanto vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa, “amputou” a coluna vertebral para estar sempre de acordo com José Eduardo dos Santos.
De facto é difícil acreditar que existam dirigentes que digam que querem sair, que pedem para sair. Isto porque só pede ou ameaça sair quem, afinal, quer ficar. Quem quer de facto sair… sai.
Esta nossa convicção e modo de vida (que, reconhecemos, apenas servem para nos colocar na linha de fogo), reforça a ideia de que na primeira fila do teatro da vida política dos angolanos, mas não só, está a subserviência, a bajulação e o eunuquismo colectivo ou individual.
E essas “qualidades” do MPLA estão na primeira fila, na ribalta, porque querem ser vistas. A competência, a independência, a luta por causas, o estar na política par servir e não para se servir, essa está (quando, apesar de estar em vias de extinção, ainda aparece) lá atrás porque – modesta como sempre – apenas quer ver. E, hoje, apenas ver não chega. É preciso agir, enfrentar, dar a cara. Tê-los no sítio.
Um amigo, dos que está cá atrás (é do MPLA porque ninguém é perfeito), diz-nos que um dos que está lá na primeira fila pediu para sair, ameaçou demitir-se. Dito de outra forma, pôs o lugar à disposição. Ao justificar que essa atitude é bem nobre, o nosso amigo teve de mudar de lugar e ir bem mais lá para a frente…
No entanto, ao questionar a alusão à mudança de lugar, o nosso amigo mostrou que é dos que pode e deve ficar cá atrás. Se entre a ignorância e a sabedoria só vai o tempo de chegar a resposta, só alguém inteligente é capaz de esperar pela chegada da resposta.
Os que sabem tudo, esses estão na primeira fila. Por isso, nas reuniões do MPLA, mesmo que não esteja presente sua majestade, as primeiras filas são sempre pequenas para albergar todos quantos lá querem estar.
Cá atrás estão igualmente os que entendem que se um jornalista não procura saber o que se passa no cerne dos problemas é, com certeza, um imbecil. Ainda mais atrás estão os que consideram que se o jornalista consegue saber o que se passa mas, eventualmente, se cala é um criminoso. Mas estes, enquanto Angola não for uma democracia e um Estado de Direito, não servem para nada.
É por isto que os membros do Governo, do partido, da Polícia, das Forças Armadas estão sempre na primeira fila. Se uma nação com amor próprio não anda de mão estendida, Angola não é (ainda) uma nação, tantas são as mãos estendidas na esperança que sua majestade as contemple com um prato de lentilhas.
E para que um cidadão não ande, apesar da barriga cada vez mais vazia, de mão estendida, o melhor que tem a fazer é – segundo as teses oficiais – aprender a viver em silêncio, sem comer ou, em alternativa, estender a mão mas tendo entre os dedos o salvo-conduto emitido pelo MPLA e com acesso às modernas lojas do Povo: os caixotes do lixo.
Certamente que João Lourenço nos dirá, tal como nos disse José Eduardo dos Santos durante 38 anos, que o seu governo está a fazer o que pode para minorar o sofrimento dos angolanos, nomeadamente dos mais de 20 milhões de pobres.
Se os angolanos cumprirem o que quer o regime não voltarão a erguer-se, mas permitirão que o dono do país continue bem direito e a viver à grande, seja onde for.
João Lourenço, directamente ou através dos seus sipaios, diz que à oposição começa a faltar imaginação para mostrar que o país ficará melhor com ela. E até tem razão. A oposição, que também adora estar na primeira fila, parece ser mais um saco de gatos selvagens do que algo consistente e alternativo.
De facto a oposição não está a trabalhar para os milhões que têm pouco ou nada. Está, isso sim, a trabalhar para os poucos que têm milhões na esperança de também serem bafejados com a entrada nesse rol de angolanos de primeira.
E, assim, os angolanos não vão andar de mão estendida (têm orgulho próprio) e vão conseguir atingir o desiderato requerido pelo Governo, correndo todos a apoiar os que estão na primeira fila.
Como? Morrendo, por exemplo. Se o não fizerem, a culpa não será com certeza do Governo porque este está a fornecer-lhes todos os instrumentos para terem sucesso…
Legenda: 7 de Junho de 2021 às 23:29 minutos. À porta do Hospital do Prenda, familiares de pacientes internados passam as noites em condições precárias e humilhantes com receio de perder os familiares. Os mesmos alegam que se não estiver nenhum familiar por perto quando os profissionais de saúde da instituição chamarem por falta de medicamentos ou material, gastável … ninguém se responsabiliza. Estamos em 2021 e ainda vivemos como se estivéssemos no Século XVIII.
Folha 8 com Lusa