O director do departamento de privatizações do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) disse hoje que a pandemia, a recessão, o rating e as estratégias sectoriais são as principais dificuldades do programa de privatizações angolano. Ou seja, o MPLA fez tudo bem mas as causas externas estragaram tudo. Será?
“A recessão económica, a pandemia de Covid-19, a descida da classificação do risco de crédito, que dificulta o financiamento das empresas que querem investir e a necessidade de consolidação das estratégias sectoriais são os principais desafios do programa”, disse José Tavares, durante uma conferência virtual promovida pela sociedade de advogados CMS Rui Pena & Arnaut, a partir de Lisboa.
Na apresentação, José Tavares vincou que, “com maior ou menor dificuldade, tem sido possível ultrapassar estas dificuldades e dar sequência positiva ao programa de privatizações”, que foi lançado em 2019 e já conclui a venda de cerca de 23% dos activos estatais.
“Em 2019, privatizámos sete activos, no ano passado foram 32 e neste e no próximo ano privatizaremos os restantes 133”, apontou o responsável durante a sua apresentação.
O programa de privatizações de Angola pretende “promover a estabilidade macroeconómica, aumentar a produtividade da economia nacional e distribuir de forma mais equitativa o rendimento nacional”, apontou José Tavares, salientando que os processos “estão a ser conduzidos com a máxima transparência”.
Neste trimestre, Angola espera concluir 40 processos de privatização, entre os quais estão o lançamento das vendas dos bancos BAI e BCI, deixando 59 activos para o terceiro trimestre deste ano e 13 para os últimos três meses de 2021.
“O grande objectivo do programa é acabar com as entregas e adjudicações directas, o Estado deve sair da economia e focar-se no desenvolvimento económico e social do país, com particular incidência no sector produtivo”, concluiu José Tavares.
O Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), instituído em Junho de 2018 por decreto presidencial, assumiu o processo de privatização das empresas estatais, substituindo, em termos de denominação, o anterior Instituto para o Sector Empresarial Público (ISEP).
O novo instituto foi criado como um “órgão especializado ao qual incumbe a regulação e monitorização do Sector Empresarial Público”, bem como a “execução da política e programa de privatizações e reestruturações, a gestão e o controlo das participações financeiras do Estado”. Vai ainda assegurar o “acompanhamento e supervisão da gestão dos activos financeiros e dos fundos públicos” e dos empréstimos concedidos pelo Estado.
Em concreto, caberá ao IGAPE, entre outras missões, elaborar a política e o programa de privatizações e reestruturações nas empresas públicas, bem como executar os procedimentos inerentes, desde logo através da emissão de pareceres.
O Governo previa na altura da criação do IGAPE privatizar 74 empresas públicas a médio prazo, sobretudo do sector industrial, processo que até 2017 permitiu um encaixe financeiro para o Estado de quase 20 milhões de euros.
Os dados constam de uma informação enviada aos investidores e que refere que Angola privatizou entre 2013 e 2017 um total de 29 pequenas empresas, que renderam ao Estado 23,4 milhões de dólares (19,6 milhões de euros).
“Angola pretende privatizar mais 74 empresas a médio prazo. Globalmente, o Governo pretende vender toda a sua participação nessas empresas, a maioria das quais opera no sector industrial”, lê-se no documento, que recorda que a política de longo prazo do Governo é que as empresas que não sejam obrigadas a permanecer na esfera pública, por questões políticas, “devem ser privatizadas”.
“O Governo quer que futuras privatizações sejam realizadas através de um processo claro e competitivo, para o qual, na medida do necessário, as leis de privatização de Angola serão actualizadas”, acrescenta o documento.
Angola introduziu em 1994 a nova legislação sobre privatizações, para aumentar (dizia-se ontem como se continua a dizer hoje) a eficiência, produtividade e competitividade da indústria do país, nacionalizada após a independência de Portugal, proclamada a 11 de Novembro de 1975.
As fábricas de cerveja Cuca e Ngola, a empresa de café Liangol, a transportadora Manauto ou a fábrica de vidro Vidrul são algumas das empresas históricas privatizadas. Entre 2001 e 2005, o Governo chegou a identificar 102 empresas para privatização total ou parcial, processo que não chegou a ser concluído.
Entretanto, o Presidente João Lourenço criou, por despacho de 20 de Fevereiro de 2018, uma comissão de preparação e execução do processo de privatização em bolsa das empresas públicas de referência, coordenada pelo ministro que à data era de Estado e do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior.
Esta comissão, que integrava ainda os ministros das Finanças e da Economia e Planeamento, deveria assegurar, segundo o documento, a realização dos objectivos definidos pelo Titular do Poder Executivo (João Lourenço), nomeadamente “garantir a integridade dos sectores estratégicos do Estado” e assegurar o “redimensionamento do sector empresarial público, o aumento da eficiência, da produtividade e competitividade da economia das empresas”.
Além disso, deveria também “assegurar a maximização da arrecadação de receitas resultados do processo de privatização” e “possibilitar uma ampla participação dos cidadãos, através de uma adequada dispersão do capital, dando particular atenção aos trabalhadores das próprias empresas e aos pequenos subscritores”, lê-se no mesmo despacho presidencial.
O presidente da Comissão de Mercados de Capitais (CMC), Mário Gavião, garantiu em Novembro de 2017 que estavam criadas as condições, por parte da instituição, para que as primeiras empresas angolanas chegassem à bolsa de acções em… 2018.
“O que falta na verdade é que as empresas adiram ao mercado. Tem havido interesse, há um conjunto de empresas que têm mostrado interesse em participar, nesta primeira fase. Depende dos accionistas das empresas, mas as indicações que nós temos é que muito provavelmente haverá em 2018 a abertura do mercado de acções”, adiantou.
Não é por falta de comissões que a “coisa” não avança. Por despacho presidencial, João Lourenço criou uma comissão cujo objectivo era preparar e implementar o processo de privatização, via Bolsa de Valores, de empresas públicas ditas de referência.
A referida comissão coordenada pelo ministro Manuel Nunes Júnior, integrava os titulares das Finanças, Economia e Planeamento, os secretários para os assuntos Económicos, das Finanças e Tesouro do Presidente da República.
Faziam também parte os presidentes dos conselhos de administração do Instituto do Sector Empresarial Público (ISEP), da Comissão de Mercado de Capitais (CMC) e da Bolsa da Dívida e Valores de Angola (BODIVA).
De acordo com o despacho presidencial, publicado em Diário da República, de 20 de Fevereiro de 2018, o resultado do trabalho desta comissão devia assegurar a realização dos objectivos definidos pelo Titular do Poder Executivo, como garantir a integridade dos sectores estratégicos do Estado, assegurar o rendimento do sector empresarial público, o aumento da eficiência da produtividade da economia e das empresas.
Por outras palavras, a comissão deveria promover o fomento empresarial e o reforço da capacidade empresarial nacional, assegurar a maximização da arrecadação de receitas resultantes do processo de privatização, promover o mercado de acções e dinamizar a actividade do mercado de capitais angolano, e em particular da BODIVA, são, entre outros, resultados esperados.
A comissão, de acordo com o diploma, é orientada a interagir com os departamentos ministeriais que superintendem o sector de actividade das empresas do sector empresarial público, indicadas para privatização, bem como as próprias empresas elegíveis, de modo a obter as informações necessárias para o correcto diagnóstico legal e financeiro das mesmas.
Para o cumprimento das funções, a referida comissão seria apoiada por um grupo técnico coordenado pela então secretária (hoje ministra) de Estado para as Finanças e Tesouro, Vera Daves, que iria proceder ao levantamento e diagnóstico legal e financeiro das empresas elegíveis e com potencial para a privatização em bolsa de valores.
Propor medidas de reestruturação e saneamento financeiro, bem como os ajustamentos jurídico-legais de que as empresas elegíveis necessitem antes do processo da privatização, são entre outras atribuições deste grupo técnico.
O diploma justificava a necessidade da criação de condições objectivas necessárias à efectivação do processo de privatização de empresas do sector público em bolsa, no quadro do cumprimento do Plano Intercalar de Outubro de 2017 a Março de 2018.
Folha 8 com Lusa