Dezenas de pessoas estiveram hoje presentes na abertura do Museu do Holocausto do Porto (Portugal) que, além de um equipamento cultural, pretende relembrar e informar sobre uma tragédia que “não se pretende que volte a acontecer”. Se Angola fosse, de facto, um país à procura de uma verdadeira reconciliação e um Estado de Direito, em Luanda teríamos um museu do holocausto de 27 de Maio de 1977.
Mas não. O que temos é a veneração acéfala, mas oficial, ao genocida responsável pelos massacres (Agostinho Neto), considerado pelo MPLA como herói nacional. É mais ou menos como os alemães considerarem Hitler como um herói nacional.
“Este museu não é só um equipamento cultural que abriu portas, as pessoas, efectivamente, querem saber mais sobre o tema”, afirmou Hugo Vaz, curador do espaço.
À semelhança de outros espaços, o Museu do Holocausto do Porto segue uma linha cronológica, mas começa pelo fim com uma fotografia do “portão da morte” para “forçar as pessoas a pensarem em toda a história antes de começarem a visita”.
“O que aconteceu durante o holocausto pode voltar a acontecer. É imperativo passar a mensagem e informar para que tal não volte a acontecer”, disse, lembrando que essa é a principal missão do equipamento cultural.
Também na primeira sala do museu, não passa despercebida a “simbólica” menorá — um candelabro e um dos principais símbolos do judaísmo — presa por arame farpado e, logo de seguida, uma réplica de uma camarata.
“As camaratas servem para nos questionarmos e pensarmos. Nunca para substituir”, referiu Hugo Vaz.
Várias fotografias tiradas em camaratas por oficiais da União Soviética ou provenientes do Museu do Holocausto ‘Yad Vashem’, em Jerusalém, preenchem as paredes do espaço.
Na sala dos nomes, os vários que aparecem expostos nas paredes “representam os seis milhões de judeus” que morreram nos campos de concentração nazis durante a Segunda Guerra Mundial.
À semelhança da menorá, também dois Sifrei Torá (rolos da Torá, um texto sagrado do judaísmo), outrora oferecidos à sinagoga do Porto por refugiados que chegaram à cidade com as suas vidas desfeitas, estão presentes no espaço presos por arame farpado.
São precisamente os dois Sifrei Torá que encaminham os visitantes a lerem as mais de 400 fichas de refugiados judeus (que integravam o acervo da Comissão de Assistência dos Judeus Refugiados) que passaram pelo Porto.
“Estas fichas visam individualizar a história, uma vez que falam das origens destes refugiados, do que passaram e para onde pretendiam ir”, disse curador.
As fichas, outrora pertencentes a jovens, advogados, juízes e artistas, vão ser usadas como referência para o estudo sobre a “passagem dos refugiados judeus no Porto”.
Entre fotografias, fichas e legendas, vários filmes vão retratando a vida judaica antes do holocausto, o nazismo, a expansão nazi na Europa, os guetos, os refugiados, os campos de concentração, de trabalho, a solução final, as marchas da morte, a libertação e a população judaica no pós-guerra.
Além de homenagear as vítimas do holocausto, o museu homenageia também “os justos entre as nações”, isto é, as pessoas que não pertenciam à comunidade judaica, mas que acabaram por a ajudar, como é o caso de Aristides de Sousa Mendes ou do padre Joaquim Carreira.
“O ser humano tem tendência a esquecer e é preciso promover a educação”, afirmou Hugo Vaz.
O Museu do Holocausto é tutelado por membros da Comunidade Judaica do Porto, cujos pais, avós e familiares foram vítimas dos nazis na Segunda Guerra Mundial, será de acesso livre até ao final de Maio, vai investir no ensino, na formação profissional de educadores, bem como na promoção de exposições.
Se o Holocausto “pode acontecer outra vez”…
O Papa Francisco assinalou em 27 de Janeiro, o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, alertando para o risco de voltar a acontecer. Fazendo nossas as palavras do Papa, o Folha 8 relembra os massacres de 27 de Maio de 1977, alertando igualmente para o risco de voltarem a acontecer.
“Tenham atenção, vejam como começou esta estrada de morte, de extermínio, de brutalidade”, disse Francisco, no final da audiência geral, na biblioteca do Palácio Apostólico, realizada com transmissão online e sem fiéis devido à pandemia.
O argentino chefe da Igreja Católica acrescentou que lembrar é uma expressão de humanidade e um sinal de civilização. Nós chamamos-lhe “Jornalismo com memória”.
“Lembrar é condição para um futuro melhor de paz e fraternidade. Lembrar é necessário porque essas coisas podem acontecer novamente”, afirmou o Papa, alertando para a necessidade de se ter cuidado face as propostas ideológicas que ameaçam a humanidade.
Por outro lado, Francisco dedicou também a sua catequese de hoje à Bíblia e pediu que a sua leitura “fosse acompanhada de oração” porque “não pode ser lida como um romance”.
“Fico um pouco incomodado quando ouço cristãos recitando versículos da Bíblia como papagaios. Mas você já encontrou o Senhor com esse versículo? Não é apenas uma questão de memória, mas de coração”, acrescentou.
O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto é celebrado anualmente no dia 27 de Janeiro, no aniversário da libertação do Campo de Concentração e Extermínio Nazi de Auschwitz-Birkenau pelas tropas soviéticas em 27 de Janeiro de 1945. Este dia foi proclamado como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto através da Resolução 60/7 adoptada na Assembleia Geral das Nações Unidas de 1 de Novembro de 2005.
Esta data tem dois objectivos: em primeiro lugar, presta-se homenagem à memória das vítimas do Holocausto e, em segundo lugar, relembra-se a necessidade de combater o anti-semitismo, o racismo e quaisquer outras formas de intolerância que possam levar à violência.
Massacres de 27 de Maio de 1977
Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço, denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.
João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento do primeiro Presidente angolano.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou.
João Lourenço nunca se referiu ao caso na sua intervenção, mas o bureau político do MPLA criticou em Julho de 2016, duramente, o lançamento em Portugal de um livro sobre o MPLA e o primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, queixando-se então de uma nova “campanha de desinformação”.
Em causa estava (continua a estar e deverá estar sempre) o livro “Agostinho Neto – O Perfil de um Ditador – A História do MPLA em Carne Viva”, do historiador angolano Carlos Pacheco, lançado em Lisboa a 5 de Julho de 2016, visado no comunicado daquele órgão do Comité Central do partido no poder em Angola desde 1975.
Carlos Pacheco disse na altura que a obra resulta de uma década de investigação histórica e que “desmistifica” a “glória” atribuída ao homem que conduziu os destinos do movimento que lutou pela libertação do jugo colonial português em Angola (1961/74). Contudo o livro tem sido fortemente criticado em Luanda, por parte de dirigentes e elementos afectos ao MPLA e da fundação com o seu nome.
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, lê-se no comunicado do bureau político.
Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do seu chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.
“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Sabendo o que dizia mas não dizendo o que sabe, João Lourenço alinhava (e alinha) na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam cada vez mais a pensar com a cabeça e não tanto com a barriga… vazia.
Terá João Lourenço alguma coisa a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando dezenas de milhar de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?
Agostinho Neto, então Presidente da República, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”.
O que terá a dizer sobre isto o agora Presidente da República, general João Lourenço?
Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que João Lourenço utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os “inimigos mais perigosos”.
Em 1974, duvidava que os portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira de Angola, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.
Em Maio de 1977, não houve pioneirismo, pelo contrário, não tendo Agostinho Neto conseguido massacrar a humilhação passada no Congresso de Lusaka, o primeiro democrático do MPLA, onde o eleito foi Daniel Júlio Chipenda, Agostinho Neto consumou a grande chacina, para estancar, com o temor, uma série de cisões e problemas que calcorreavam incubados, desde a sua chegada ao MPLA, convidado pela anterior direcção.
Esta demonstração de força, serviu para demonstrar, que se o poder fosse posto em causa, a direcção e Agostinho Neto, não teriam pejo de sacrificar com a própria vida todos quantos intelectualmente o afrontassem. Foi assim ontem, é assim hoje, infelizmente, como bem sabe João Lourenço.
Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés.
É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?
Em todos os meses do ano nunca devemos esquecer, por força do sofrimento de milhares e dos assassinatos de igual número, das prisões arbitrárias, da Comissão de Lágrimas, da Comissão de Inquérito, dos fuzilamentos indiscriminados, etc..
Muitos acreditaram, em 1979, que com a ascensão de Eduardo dos Santos ao poder, num eventual reencontro com a verdade e a reconciliação interna, sobre a alegada intentona, que ele próprio sabe nunca ter existido. Infelizmente, não se conseguiu despir da cobardia e cumplicidade, ostentada desde o tempo de Agostinho Neto e da sua clique: Lúcio Lara, Onambwé, Iko Carreira, Costa Andrade “Ndunduma”, Artur Pestana “Pepetela”, entre outros.
Dos Santos mostrou ser um homem que, pelo poder, foi capaz de tudo: violar a Constituição, as leis, humilhar, desonrar e assassinar, todos quantos não o bajulavam. Exemplos para quê, eles estão à mão de semear… nas cadeias, no exílio, nos cemitérios, no estômago dos jacarés. E João Lourenço está a mostrar-se um bom aluno desta cátedra.
“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas.
Esta posição da lei da força, marcaria para todo o sempre o sistema judicial, judiciário e de investigação policial em Angola, onde a presunção e a defesa de uma ideologia diferente da do partido no poder, são causa bastante para acusação, julgamento, prisão e até mesmo assassinato político, ainda que a pena de morte, não esteja consagrada na Constituição.
Sempre que o regime diz o que agora repete João Lourenço, todos devemos fazer uma viagem de regresso a 1977 para ver como estão as cicatrizes daquele período de barbárie, que levou muitos de nós às fedorentas masmorras da polícia política de Agostinho Neto, ou mesmo aos assassinatos atrozes, como nunca antes o próprio colono português havia praticado contra muitos intelectuais pretos, sendo o próprio Neto disso um exemplo.
Desde 1977 que Angola, o Povo, aguarda pela justiça, mas com as mentes caducas no leme do país, essa magnanimidade de retractação mútua, para o sarar de feridas, não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconciliação, muito também, por não haver um líder em Angola.