Angola “celebra” hoje o 19º Aniversário do Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, apenas – segundo o triunvirato que governa o país – “alguns dias depois de termos assinalado com o devido relevo, o Dia da Libertação da África Austral”. Triunvirato unipessoal (Presidente da República, do MPLA e Titular do Poder Executivo) que dá pelo nome de João Lourenço.
Por Orlando Castro
“Essas duas datas estão intrinsecamente ligadas, pois o dia 23 de Março consagra a nossa vitória na Batalha do Cuíto Cuanavale sobre o Exército do regime do “apartheid”, o que tornou possível a Independência da Namíbia, a democratização da África do Sul e o começo do fim do longo conflito que colocou irmãos do mesmo país uns contra outros”, diz o líder do triunvirato, lembrando que “com as consequentes transformações políticas ocorridas na África Austral, foi possível aos povos dos países que a integram enveredar pelo caminho da paz, da democracia, do desenvolvimento e da cooperação”.
Alguma coisa não bate certo, mas isso não é importante. É que, no caso de Angola, o calar das armas não é sinónimo de paz (que o digam os nossos 20 milhões de pobres), também a democracia é uma miragem (que o digam, por exemplo, os promotores do partido PRA-JA) e o desenvolvimento é uma treta (que o digam os nossos 20 milhões de pobres).
Acrescenta o dos três (pouco importa qual seja) constituintes do triunvirato que “em Angola, com a solene assinatura aos 4 de Abril de 2002 do Memorando de Entendimento entre o Governo legítimo e a UNITA, a Paz e a Reconciliação Nacional tornaram-se uma realidade, e os irmãos desavindos perdoaram-se mutuamente, abraçando a sã convivência na base do respeito, da tolerância e do civismo”.
Atente-se na subtileza do mensageiro quando fala do “Governo legítimo e a UNITA”. Isto quer dizer que Angola já teve (depois de 11 de Novembro de 1975) governos ilegítimos? Ou significa que a UNITA não merece a designação de “legítima”?
Faça-se agora um parêntesis para ajudar (entre outras sucursais do MPLA) a ERCA e o Departamento de Informação e Propaganda do MPLA a perceber o significado de “triunvirato”: «(…) Governo exercido por três pessoas; Tempo que duram essas funções ou esse governo; Associação de três cidadãos poderosos para açambarcar toda a autoridade.»
Diz então um desses “três cidadãos poderosos” que «o passado foi doloroso, de muita angústia e sofrimento. Hoje, o compromisso colectivo de toda a Nação é o de tudo fazermos para evitar e impedir, em definitivo, o regresso daquela nuvem escura e tenebrosa que se abateu sobre Angola e se manteve por quase três décadas”.
Tem razão. E é por isso que, certamente, o MPLA está no governo há 45 anos e por lá quer ficar mais 55, de modo a ficar na história como o único parido que estive no poder durante 100 anos de forma ininterrupta.
“Há 19 nos que o país beneficia dos ganhos da paz em todos os domínios da vida política, económica e social. Deu-se início à reconstrução nacional das infra-estruturas destruídas. Foram feitos importantes investimentos nas vias de comunicação rodoviárias e ferroviárias, em portos e aeroportos, na construção de habitações, em estabelecimentos de ensino e unidades hospitalares de diferentes categorias”, diz um outro membro do triunvirato que, apenas por modéstia, não explica que é impossível fazer tudo ao mesmo tempo, razão pela qual o país tem 20 milhões de pobres e o Povo ainda não conseguiu apender (apesar dos titânicos esforços do Governo) a viver sem comer.
Assim, “destacamos ainda os ganhos no aprofundamento da democracia, das liberdades e garantias dos cidadãos e uma maior abertura ao mundo. Fizemos avanços significativos no combate à corrupção e na melhoria do ambiente de negócios”, salienta um dos três, que bem poderia dar o exemplo da Cafunfo ou o caso daquele cidadão, de seu nome João Manuel Gonçalves Lourenço, que viu roubar, participou nos roubos e beneficiou dos roubos mas que – garante – não é ladrão.
“Demos início, com algum sucesso, à diversificação da nossa economia, processo que teria progredido muito mais não fosse o surgimento da pandemia do novo corona vírus, o COVID-19, que, a exemplo do que acontece em todo mundo, tem condicionado sobremaneira o sucesso de nossos programas e projectos”, dizem sem que se recordem que estão no Poder há 45 anos e que – com excepção do MPLA – em todos estes anos ninguém sabia da existência do Covid-19. A única pandemia que se conhecia era a pandemia MPLA-45.
Diz o líder do triunvirato que “os angolanos querem ver estas conquistas preservadas e consolidadas, o que só é possível se formos capazes de preservar e consolidar a segunda maior conquista depois da nossa Independência: a Paz e a Reconciliação Nacional”. Isto significa que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA. Simples.
“Nesta data de festa e de reflexão, rendamos profunda homenagem a todos os angolanos que se sacrificaram, a todos aqueles que perderam a vida para tornar possível o fim do conflito armado e o alcance da paz definitiva no nosso país”, diz um dos três, para a seguir colocar a cereja no topo do bolo dos marimbondos: “Uma palavra de reconhecimento ao Presidente José Eduardo dos Santos, pela magnanimidade demonstrada, na altura dos acontecimentos que determinaram a oportunidade de fazer a paz”.