Os bispos católicos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) manifestaram hoje preocupação com a “degradação do discurso político”, que pode pôr em risco a unidade nacional, reconciliação, justiça e paz em construção, apelando à “contenção e respeito mútuo”.
A preocupação dos bispos angolanos foi expressa no comunicado final da sua primeira Assembleia Plenária Anual, que decorreu de 24 de Fevereiro até hoje, no santuário mariano da Muxima, em Luanda, e apresentado em conferência de imprensa.
No documento, apresentado pelo porta-voz da CEAST, Belmiro Chissengueti, os prelados católicos afirmam estar preocupados com a “degradação do discurso político que ameaça desmoronar a unidade nacional, reconciliação, justiça e paz em construção com tanto sacrifício”.
Pelo que, refere a nota, “apelam à contenção, ao respeito mútuo, ao diálogo construtivo e ao renovado compromisso com a nação e com a ética”.
Os prelados católicos assinalaram igualmente que “continua a agudizar-se a situação social do país, com níveis elevados de pobreza, fome, desemprego, perda acentuada do poder de compra e o encerramento de empresas”.
Além disso, a falta de chuva no centro e sul do país voltam a levantar o espectro da fome, pelo que os bispos exortam as autoridades a criarem um plano de contingência.
Vários membros da sociedade civil já manifestaram, anteriormente, preocupações com o “agudizar da fome” na região sul de Angola em consequência da seca, que decorre da falta de chuva, “perigando a sobrevivência” de várias famílias e animais.
Os bispos católicos exteriorizaram a sua preocupação sobre o assunto defendendo um plano de contingência para acudir às populações vulneráveis.
Os incidentes de 30 de Janeiro em Cafunfo, na província da Lunda Norte, que resultaram em várias mortes e feridos, com a polícia a considerar como “um acto de rebelião” e a população como “manifestação pacífica” também mereceram reflexão nesta plenária.
A CEAST manifestou apoio e solidariedade para com os bispos da província eclesiástica de Saurimo, que congrega as dioceses ou províncias do leste de Angola, que “condenaram e deploraram os actos de violência” que “resultaram em mortes e violações clamorosas e incompreensível dos direitos humanos na vila de Cafunfo”, lê-se na nota.
Os bispos católicos apelaram “para o bem da harmonia e do convívio plural, entre todos, que seja apurada a verdade material dos factos e responsabilizados os que agiram contra a lei de um e de outro lado”.
No domínio religioso, os bispos angolanos apontaram a necessidade da retoma das catequeses pelas crianças em todas dioceses, observando as regras de biossegurança, devido à Covid-19.
A necessidade do “reconhecimento, nas medidas de situação de calamidade pública, do direito dos católicos de celebrarem diariamente a santa Eucaristia, tal como são permitidas outras actividades de carácter social”, foi também defendida pelos bispos.
Foram igualmente aprovados, no âmbito religioso, propostas para a criação de mais três dioceses em Angola, a criação do Instituto Missionário Mamã Muxima e a realização do segundo Simpósio Internacional de Pastoral Bíblica.
Um outro país, ou nem tanto
O bispo de Cabinda, Belmiro Chissengueti, considerou em 12 de Março de 2019 que os protestos no enclave devem-se a “condições sociais precárias” e defendeu que a região precisa de “sinais de desenvolvimento”. A voz do Povo costuma ser a voz de Deus. Mas nem o Povo nem o bispo têm poder para sensibilizar “deus” angolano que dá pelo nome de João Lourenço. Nem mesmo quando se juntam na CEAST.
“Porque são precárias em Cabinda, e um pouco por todo o país, que está tomado por uma crise desigual, e então há que encontrar soluções sustentáveis para dar resposta às inquietações principais dos jovens, dos adultos, não só em Cabinda, mas também em todo o país”, disse na altura, há dois anos, Belmiro Chissengueti, em declarações à Lusa.
O sacerdote católico exemplificou que regiões como o Cacongo continuam iguais, “como há 35 anos” em termos de desenvolvimento, o que causa “algum mau estar e alguma dor”.
Para Belmiro Chissengueti, “é importante que aquelas que são as zonas de produção das maiores riquezas do país tenham maior benefício do ponto de vista da reconstrução”.
Desde “infra-estruturas, condições sociais e medidas políticas que favoreçam a empregabilidade e a auto-sustentabilidade (…), a província precisa de recordações vivas e sustentáveis dos 50 anos de exploração petrolífera”. “Tem que haver sinal sensível de desenvolvimento”, argumentou o bispo.
Recorde-se que a UNITA, o maior partido na oposição que o MPLA ainda permite em Angola, denunciou na mesma altura que “continuavam a morrer” angolanos em Cabinda, “vítimas de um conflito mal resolvido”, considerando que naquela província os cidadãos são tratados de forma “arbitrária e autoritária”.
“O grupo parlamentar da UNITA já não pode aceitar que em tempos de paz morram angolanos em Cabinda vítimas de um conflito mal resolvido”, disse Adalberto da Costa Júnior, então presidente do grupo parlamentar da UNITA.
“Recomendamos a necessidade da humanização dos órgãos de defesa e segurança, que através de métodos repressivos e de violência estimulam e acirram os extremismos desnecessários”, sublinhou.
Em relação à detenção os jovens activistas, o bispo de Cabinda considerou que “é preciso salvaguardar a necessidade de um diálogo permanente”, afirmando que as “vozes dissonantes da província são parte integrante do processo democrático”.
“Não podemos ter a ilusão de pensarmos que os jovens académicos e intelectuais tenham um pensamento uniforme, então o que é importante, por um lado, é que se cumpram os pressupostos das detenções, que é justamente a apresentação dos motivos”, adiantou.
“Porque essas vozes também podem apresentar inquietações que podem ser aproveitadas para o exercício da boa governação, porque em democracia as manifestações são parte integrante e isso deve ser salvaguardado evitando a todo custo as arbitrariedades”, acrescentou.
Questionado sobre a situação da segurança em Cabinda, Belmiro Chissengueti respondeu: “A minha missão é sobretudo religiosa e espiritual, e naquilo que toca a minha missão, tenho andado um pouco por toda a província e nada mais do que isso”.
Mas, afinal, existem pobres em Angola?
Num artigo publicado no “Vatican News”, lê-se que “o foco no pobre permanece uma prioridade da igreja, disse (em Dezembro de 2020) o arcebispo de Luanda e presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), D. Filomeno do Nascimento Viera Dias, no acto de cumprimentos de Natal e ano novo”.
“O foco no pobre permanece uma prioridade, devemos pensar juntos o que podemos fazer por eles, de forma organizada, sistematizada e programada, cada um pense qual o lugar do pobre na sua vida e no seu carisma e como se comprometer com ele, não de modo ocasional, circunstancial, mas ordinário e inciso”, disse Filomeno do Nascimento Viera Dias.
Recorrendo-se da Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, D. Filomeno do Nascimento Viera Dias disse que a caridade é acompanhar uma pessoa que sofre.
“Outro sonho neste nosso peregrinar de família é a pastoral vocacional, muito espero que a pastoral vocacional seja transversal a toda a vida diocesana e merece o mesmo enfoque que as outras pastorais”, afirmou, por outro lado o pastor da Igreja Católica em Luanda.
Em Março de 2020, o porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé afirmou que o país está “numa penúria” há 7 anos, mas garantiu que “brevemente ou a seu tempo” as autoridades competentes vão responder. E enquanto não respondem, muitos angolanos vão confirmar que não lhes foi possível viver sem comer. Isto porque, entretanto, morreram.
Os bispos católicos angolanos anunciaram na altura que o Presidente João Lourenço assegurou que “em breve” seriam conhecidos os resultados do processo de repatriamento de capitais ilícitos, considerando que Angola está num contexto de “penúria e muita delicadeza”. É claro que a penúria não é generalizada. Membros do Governo e bispos não sabem o que é uma situação de grande pobreza, de indigência, de falta do que é necessário (penúria).
“O contexto sociopolítico do país é, de facto, de muita delicadeza. Quando há pobreza, há crise, todo mundo pede, todo mundo chora, mas as repostas tornam-se muito difíceis, porque não estamos na abundância do passado, mas estamos numa penúria que já nos leva há mais de sete anos”, afirmou então Belmiro Chissengueti.
Em declarações, no Palácio Presidencial, em Luanda, após os prelados católicos serem recebidos, em audiência, por João Lourenço, o bispo Belmiro Chissengueti deu conta que o repatriamento de capitais ilícitos foi um dos pontos abordados.
Sobre o assunto, o também bispo de Cabinda fez saber que João Lourenço garantiu aos bispos da CEAST, presentes no encontro, que “brevemente ou a seu tempo” as autoridades competentes empenhadas nesse processo, nomeadamente a Procuradoria-Geral da República e o Ministério das Finanças, “darão a informação pontual a respeito disso”.
O “difícil” quadro socioeconómico do país, “agravado nos últimos dias com a queda do preço do petróleo”, o maior suporte da economia angolana, também constitui preocupação dos bispos católicos apresentada ao Presidente angolano. “De maneira que temos de tomar consciência de tempos de bastante austeridade e dificuldade e que exigirão a compreensão e colaboração de todos”, sustentou.
Será que os dirigentes da Igreja Católica (do Governo não vale a pena falar) vão abdicar de alguma das – pelo menos três – refeições que têm por dia para compartilhar com aqueles, também angolanos, que foram gerados com fome, nasceram com fome e que vão morrer com… fome?
Para o porta-voz da CEAST, no quadro de “muita dificuldade” que o país vive, atenção especial deve ser dada “às franjas mais vulneráveis da população para que não sejam muito atingidas” pelo flagelo. “Vimos também a questão da ordem social que é necessário ajudar a garantir e também outras opções que o Estado deve tomar para que se possa salvaguardar a paz e a reconciliação nacional”, acrescentou.
Folha 8 com Lusa