A embaixadora da União Europeia (UE) em Angola defende que a parceria com o país, que inclui o diálogo sobre direitos humanos, continua sólida, assumindo, no entanto, “preocupação” com os acontecimentos em Cafunfo. Para Jeannette Seppen basta Angola ter um Presidente não nominalmente eleito, ter vários partidos com um regime de partido único, ser governada há 45 anos pelo mesmo partido, ter 20 milhões de pobres…
Jeannette Seppen, que chegou a Angola em Setembro do ano passado, substituindo no cargo Tomas Ulicny, pediu, na semana passada, um encontro com o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, a propósito dos incidentes na província da Lunda Norte.
A reunião “ainda não aconteceu”, mas obteve resposta positiva por parte das autoridades angolanas, faltando apenas tratar dos detalhes práticos para o agendamento, assegurou a responsável europeia. É claro que do encontro sairá mais do mesmo. Ou seja, uma suculenta e diversificada ementa para um Povo que continua atentar aprender (como quer o MPLA) a viver sem comer.
Na quinta-feira, um porta-voz comunitário adiantou que a delegação da União Europeia em Angola endereçou, em nome da UE e dos chefes de missão, uma carta a Francisco Queiroz a deplorar os acontecimentos e a solicitar uma reunião para abordar a questão directamente com o ministro, recordando a importância das normas internacionais em matéria de direitos humanos.
O caso, como é óbvio, não afectará a parceria “muito forte” entre Angola e a União Europeia, considerou a embaixadora. Aliás, quem melhor do que a Europa para continuar a ajudar o regime a preocupar-se com os poucos que têm milhões, esquecendo os milhões que têm pouco… ou nada?
“É uma parceria de diálogo entre parceiros, entre amigos”, afirmou Jeannette Seppen, em entrevista à Lusa, lembrando que a delegação da União Europeia está presente no país desde 1986 e a parceria foi reconfirmada através do acordo “Caminho Conjunto”, assinado em 2012, e que visa reforçar o diálogo num quadro de cooperação interactivo e participativo.
Este “Caminho Conjunto” significa que os pobres dos países europeus ricos vão ajudar os ricos dos países (ditos) pobres, entrando a Europa com o dinheiro e o MPLA com a experiência de 45 anos de Poder. No fim, a Europa fica com a experiência e os dirigentes do MPLA com o dinheiro. Dinheiro esse que regressará à Europa para aí ser branqueado.
“É neste âmbito que decidimos falar de tudo, dos assuntos mais difíceis e dos que são ligeiramente mais fáceis”, assinalou a diplomata de nacionalidade holandesa, admitindo que o que aconteceu na vila mineira da província rica em diamantes (e não só, recorde-se) da Lunda Norte é “uma grande preocupação da União Europeia”.
Cafunfo foi palco de incidentes entre a polícia e populares em 30 de Janeiro, de que resultaram um número indeterminado de mortos e feridos, estando sob um forte dispositivo das forças de segurança desde essa altura.
Jeannette Seppen assinalou que os direitos humanos assumem um papel de destaque dentro da UE e na política externa do bloco: “Por essa razão, já temos um diálogo anual com Angola sobre esta temática e vai ser neste âmbito que vamos continuar a falar com o Governo angolano, para saber exactamente o que se passou e reforçar a importância que atribuímos à protecção dos direitos humanos”.
Será que, para uma população de pouco mais de 30 milhões de cidadãos, o país ter 20 milhões de pobres, sendo que muitos se “alimentam” diariamente nas novas “Lojas do Povo” do MPLA – os contentores de lixo, não é uma grave violação dos direitos humanos?
Provavelmente Jeannette Seppen terá primeiro de ter uma frugal refeição para depois responder. Algo do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas e umas garrafas de Château-Grillet 2005.
“Vamos ver o que o ministro nos vai dizer”, acrescentou Jeannette Seppen, sublinhando que o diálogo “é o instrumento fundamental numa parceria e fundamental nas relações diplomáticas”. De facto, o diálogo é fundamental. Aliás, os angolanos passam a vida a dialogar. No caso, com pratos vazios.
A diplomata europeia considerou que, tal como noutros países, a pandemia de Covid-19 está também a ter um “impacto enorme” em Angola e o fenómeno deve ser também enquadrado na perspectiva dos direitos humanos.
Jeannette Seppen diz também que a UE dá prioridade à diversificação económica em Angola e pretende direccionar o próximo ciclo de financiamentos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para apoiar uma economia mais verde e sustentável.
Até hoje foi concedido, no quadro do Fundo Europeu de Desenvolvimento, um apoio de mais de 130 milhões de euros e estão agora “a tratar da planificação para os próximos seis a sete anos”, diz Jeannette Seppen.
Sem adiantar detalhes quanto ao orçamento, Jeannette Seppen indicou que a programação financeira servirá para “apoiar Angola em direcção a uma economia mais verde, mais sustentável, mais resiliente” e deverá começar a ser implementada ainda no primeiro semestre deste ano. Será que a UE poderá ensinar os técnicos do MPLA (sem referir que isso já os portugueses faziam ante de 1975) que as couves devem ser plantadas com a raiz para baixo?
O tal “Caminho Conjunto” assenta as relações institucionais entre o bloco europeu e o país africano e envolve aspectos políticos, económicos e sociais.
O apoio da União Europeia à diversificação económica e, actualmente, à luta contra a pandemia de Covid-19, estão entre os temas cruciais, incluindo, por exemplo, programas orientados para a boa governação (coisa na qual o MPLA é perito dos peritos) e a segurança humana (incluirá os angolanos de segunda?), direccionados para a capacitação institucional ou para as famílias em vulnerabilidade alimentar (fome às segundas, quartas e sextas, falta de comida às terças, quintas e sábados e jejum ao domingo).
“O trabalho que fazemos visa desde beneficiários mais directos a um quadro institucional, envolvendo ministérios para apoiar a integração de Angola no comércio internacional e regional”, destacou a embaixadora europeia, apontando a parceria económica com a SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral), cujo processo de adesão é apoiado pela UE, como um dos exemplos.
Neste âmbito, estão a ser desenvolvidos programas de formação de quadros a nível ministerial em temáticas “abrangentes” para minimizar a dependência do sector petrolífero e desenvolver o sector agro-industrial, indicou. E indicou muito bem. Há 45 anos que se fala disso…
Jeannette Seppen notou que quaisquer reformas “levam muito tempo” a tornarem-se visíveis (certamente muitos mais de 45 anos), mas “as coisas vão andando” e os programas da UE servem também para que avancem o mais rápido possível. Talvez daqui a 55 anos (no centésimo aniversários da governação ininterrupta do MPLA) se tenha chega à meta.
“Estamos num momento muito difícil para a atracção de investidores, mas estamos confiantes neste processo e vamos continuar a trabalhar para ajudar Angola a sair dessa situação de crise”, enfatizou.
Outra das áreas a que a UE dá prioridade é o combate à pandemia de Covid-19, em que os responsáveis europeus “continuam a mostrar toda a solidariedade” que a doença evidenciou.
“No ano passado, a UE tinha já dado um apoio orçamental de 20 milhões de euros para apoiar os esforços de combate à pandemia e feito a doação de materiais de biossegurança e é também um parceiro importante na Covax, da qual Angola faz parte”, frisou a embaixadora da UE.
Jeannette Seppen acrescentou que o Governo angolano está também a negociar com o Banco Europeu de Investimento (BEI) um empréstimo de 50 milhões de euros para a resposta à pandemia, que pode incluir a aquisição de vacinas, salientando que “a parceria” continua sólida, mantendo-se as reuniões de alto nível, embora virtuais.
Sobre o adiamento da transição de Angola de País Menos Avançado para um País de Rendimento Médio (PRM), decidido na semana passada na Organização das Nações Unidas (ONU), com aval europeu, a embaixadora assinalou que, perante a situação actual, a subida de categoria “não parecia ser a melhor solução para os próximos anos”.
“Foi por isso que a UE deu o aval ao pedido de Angola de adiar por três anos este estatuto. Vamos continuar o nosso diálogo com o Governo para ver como podemos usar estes três anos da melhor forma, para que quando chegarmos a 2024 possa ser feita essa graduação”, disse Jeannette Seppen.
Folha 8 com Lusa
Foto: Lusa