O jurista angolano Sebastião Vinte e Cinco considerou hoje “musculado e assustador” o impedimento de deputados da UNITA, oposição, de acederem à vila de Cafunfo, palco de incidentes com mortos e feridos. Qualquer análise deve levar em conta que Cafunfo, como todo o país, é propriedade privada do MPLA, pelo que este tem o direito de só deixar entrar quem bem entender…
Veja-se que o Artigo 14.º da Constituição (Propriedade privada e livre iniciativa), estabelece que “o Estado respeita e protege a propriedade privada das pessoas singulares ou colectivas…”, bem como o Artigo 37.º (Direito de propriedade, requisição e expropriação), estabelece que “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão, nos termos da Constituição e da lei”.
Também o Artigo 89.º (Princípios Fundamentais) estabelece na alínea d) o “Respeito e protecção à propriedade e iniciativa privadas”. Por sua vez o Artigo 98.º (Direitos fundiários), diz no ponto 2, “O Estado reconhece e garante o direito de propriedade privada sobre a terra, constituído nos termos da lei”, e o ponto 3 refere: “A concessão pelo Estado de propriedade fundiária privada, bem como a sua transmissão, apenas são permitidas a cidadãos nacionais, nos termos da lei”.
Salvaguardando a “legalidade” celestial que assiste ao MPLA, regressemos à opinião dos juristas. “Eles (deputados) são membros de um órgão de soberania e no exercício dessas funções têm o direito de aceder às populações que representam no parlamento, e algumas dessas populações que representam, no caso concreto na Lunda Norte, foram alvo de uma barbaridade”, afirmou Sebastião Vinte e Cinco, em declarações à Lusa.
Importa registar e esclarecer que na Re(i)pública de Angola não existem órgãos de soberania. O que existe é tão-somente um soberano que, por isso, é detentor de todos os poderes e que pode, se assim o entender, delegá-los.
Para este jurista angolano, independentemente das razões que estiveram na base dos incidentes de Cafunfo, há uma semana, os resultados são completamente trágicos e condenáveis a todos os níveis.
Sebastião Vinte e Cinco recorda que os deputados são igualmente “fiscais da actividade governativa, têm o direito de aceder aos locais onde tenham ocorrido situações que carecem de alguma investigação” e por essa razão, frisou, “este impedimento é musculado, ilegal e assustador”. Isto, entenda-se, se a Re(i)pública fosse – de facto e de jure – um Estado de Direito Democrático. Como não é, toda a matéria de facto carreada pelo MPLA comprova que, como assassinato de Jonas Savimbi, Angola passou a ser propriedade privada do MPLA.
“Portanto é uma nota negativa para a democracia crescente em Angola, não há razão, a menos que tenha alguma coisa para esconder, porque quem impede é porque tem alguma coisa para esconder”, notou Sebastião Vinte e Cinco.
Recorde-se que um grupo de deputados da UNITA (não mais do que, na óptica do proprietário do país, assalariados do MPLA), acompanhado de dois activistas, foi impedido pela polícia privada do proprietário de aceder à vila mineira de Cafunfo.
O presidente do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka, lamentou o “silêncio” do presidente do parlamento angolano, um alto funcionário da casta ariana do MPLA, Fernando da Piedade Dias dos Santos, sobre o impedimento de deputados, afirmando que o mesmo foi “previamente informado e que a deslocação dos deputados não carecia de autorização”.
Fernando da Piedade Dias dos Santos disse, em comunicado tornado público, que as “alegadas diligências dos deputados da UNITA não engajam a Assembleia Nacional”, afirmando que “em regra os deputados não se podem deslocar sem a sua autorização” tendo “declinado responsabilidades sobre eventuais constrangimentos”.
Por seu lado, o jurista Albano Pedro, que prefere pensar em “má articulação institucional” na informação sobre a deslocação de deputados, recorda que os eleitos “são soberanos, sobre os quais não existe um outro poder, salvo os limites previstos na lei”. Pois é. E são esses limites que o MPLA alega, explicando que que manda não é a soberania mas, isso sim, o soberano. E soberano há só um, João Lourenço e mais nenhum.
“Portanto, a polícia, de forma livre e espontânea, não pode impor impedimento sobre os deputados, a menos que os deputados não tenham autorização da Assembleia Nacional para se deslocarem a Cafunfo”, referiu.
“E não havendo esta autorização e como órgão de soberania, que merece protecção protocolar, é bem possível que a Assembleia comunique à polícia nacional que pode, por via disso, impedir ou comunicar que não estão autorizados a se deslocar”, admitiu.
Segundo Albano Pedro, a ausência desta autorização do presidente do parlamento do MPLA (onde coexistem algumas figuras decorativas diferentes tonalidades) terá concorrido para que a polícia nacional condicionasse a entrada dos deputados a Cafunfo.
“Caso contrário não vejo qualquer possibilidade de a polícia impedir os deputados que circulem. A menos que tivesse sido declarado o estado de excepção constitucional”, sublinhou.
Quatro dias depois, os deputados anunciaram hoje que já abandonaram o local onde estavam retidos e que estão já, desde a noite domingo, na vila do Cuango, onde “também apuram as circunstâncias” dos incidentes de Cafunfo.
Folha 8 com Lusa