Justin Pearce, investigador da Universidade de Sussex especialista em questões africanas considera que os protestos dos últimos dias em Angola resultam da falta de atenção do poder central e do descontentamento no interior. É assim que funcionam as ditaduras. É assim que funciona o MPLA, partido que está no Poder há 45 anos. No entanto, pelo menos desde 1995 (ano em que o Folha 8 surgiu) que a comunidade internacional não pode alegar desconhecimento.
“Estes protestos lembraram-nos que Cabinda e as Lundas, distantes de Luanda, não têm estado na agenda do actual Governo e que o descontentamento enraizado continua; estas províncias tiveram durante muitos anos a dissensão reprimida de forma violenta, e as pessoas sentem agora que nada, afinal, mudou”, disse Justin Pearce à Lusa.
Comentando os recentes protestos e a violência nestas regiões, o analista argumentou que as manifestações dos últimos dias “são uma lembrança das limitações das reformas que ocorreram na Presidência de João Lourenço, que nos primeiros dois anos foi elogiada principalmente por ter lançado acções judiciais por suspeitas de corrupção contra figuras de topo do regime do antigo Presidente José Eduardo dos Santos”.
Questionado sobre o impacto destes protestos, que pedem também a realização de eleições autárquicas, na gestão política do MPLA (no poder desde 1975), Justin Pearce respondeu que as reivindicações sobre eleições “existem há muitos anos, e frequentemente são prometidas, mas sempre para o futuro”.
Estes atrasos, explicou, “minam a reputação de João Lourenço como reformista”, já que “antes de 2017 a exigência mais notória por parte da oposição era a demissão de [José Eduardo] dos Santos e o fim da corrupção, mas desde então a questão que une a oposição é a reivindicação de eleições locais”.
O Presidente, concluiu, “vai precisar de dar uma resposta, até porque as eleições legislativas de 2022 aproximam-se”. Aproximam-se se, até lá, o MPLA não mudar de ideias.
Sobre a actuação da polícia (que nunca foi nacional mas sim partidária – do MPLA) nestes protestos e na repressão dos manifestantes em Novembro, quando se assinalou a independência do país, Justin Pearce mostra-se muito crítico: “Os eventos em Luanda, em Novembro, e em Cabinda e nas Lundas em Janeiro mostraram que o comportamento da polícia continua essencialmente igual ao que era durante o regime de Eduardo dos Santos”.
A polícia (do MPLA) reprimiu violentamente no passado sábado uma manifestação convocada pelo Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT), na vila de Cafunfo, na província angolana de Lunda-Norte, para assinalar o 127.º aniversário do reconhecimento internacional do tratado de protectorado português da Lunda.
A Polícia acusa elementos do MPPLT de terem tentado invadir uma esquadra policial de Cafunfo, incidente que foi reprimido resultando em pelo menos seis mortes e vários feridos. O MPPLT contraria a versão policial, alegando que as forças de segurança angolanas dispararam indiscriminadamente contra manifestantes desarmados, provocando 15 mortos e dez feridos, entre os quais uma criança.
A autonomia da região das Lundas (Lunda Norte e Lunda Sul), rica em diamantes e em outros minerais vitais, é reivindicada por este movimento que se baseia num Acordo de Protectorado celebrado entre nativos Lunda-Tchokwe e Portugal nos anos 1885 e 1894, que daria ao território um estatuto internacionalmente reconhecido.
Portugal ignorou a condição do reino quando negociou a independência de Angola entre 1974/1975 apenas com o MPLA, embora fingindo que o fazia também com a UNITA e a FNLA.
Na segunda-feira, a polícia também impediu e deteve seis activistas de Cabinda, que tentaram realizar uma manifestação em frente à embaixada portuguesa em Luanda, para exigir a Portugal o cumprimento do acordo que permitia a independência do enclave.
Os independentistas de Cabinda defendem (e bem) que o território era uma colónia independente de Portugal e deveria ter sido tratada enquanto tal no processo de independência de Angola. Cabinda, onde se encontram a maior parte das reservas petrolíferas do país, não é contígua com o resto do território e desde há muitos anos, que líderes locais defendem a independência, alegando uma história colonial autónoma de Luanda.
A emblemática “Operação Resgate” (made in MPLA) assemelhou-se a uma espécie de purga, de limpeza e extinção de angolanos pobres, de algo que, aos mais velhos, recorda um tenebroso dia de 1977. Mais exactamente o dia 27 de Maio…
A “Operação Resgate” foi, ou é, uma espécie de “lei marcial” para pôr o país em “estado de sítio”, doa a quem doer. Palavra do Presidente da República. Alvos? Sobretudo os angolanos e angolanas pobres que, julgando terem direito a viver, tudo fazem para de forma honesta arranjar alguma coisa para dar de comer aos filhos.
O Governo, mais este do que os anteriores – muito mais este -, entende que se esses angolanos não conseguem viver sem comer, então não servem para viver. Como líder de uma casta superior, João Lourenço entende que é mais fácil acabar com os pobres do que acabar com a pobreza. Vai daí, põe novamente a sua enormíssima razão da força nas ruas para, sem apelo nem agravo, mandar a força a razão para uma qualquer vala comum.
Mais uma vez assiste-se à reedição do que o poeta António Jacinto escreveu sobre os piores tempos do colonialismo. Ou seja, os angolanos, sobretudo mulheres e homens pobres e desempregados, estão a ser varridos da sociedade e em paga recebem – na melhor das hipóteses – “desdém, fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares e porrada se refilarem”.
Desta vez, contudo, a ditadura populista e demagógica do MPLA, tem pela frente a oposição pacífica de todos quantos, apesar de terem alguma coisa na barriga, não esquecem os seus irmãos que, por manifesta e criminosa incapacidade e incompetência do Governo do MPLA (há 45 anos no Poder), são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.
O Povo está a sair à rua. Tem de continuar a sair à rua. Poderemos morrer de barriga vazia, mas morremos a lutar. Mas, mesmo morrendo, não seremos derrotados porque só é derrotado quem deixa de lutar. E haverá sempre vivos dispostos a lutar. Lutar de forma pacífica… se isso for possível.
É uma vergonha, Presidente João Lourenço. O “resgate” da Nação não se pode fazer à custa da vida e da dignidade dos angolanos, sejam eles membros do Governo ou zungueiras. Somos todos angolanos. Sabemos que, também para si, há angolanos de primeira e de segunda (talvez até de terceira). Mas daí a querer resgatar qualquer coisa, por mais nobre o relevante que ela seja, à custa da vida (e dos parcos bens) dos mais indefesos é um crime contra a humanidade.
Mais uma vez (e já começam a ser muitas), a esperança que João Lourenço nos mostrou parece esfumar-se na troca de carrascos. A clientela tem de ser alojada e os “cristãos-novos” juram fidelidade ao novo líder da Igreja Universal do Reino do MPLA. Este, com a maestria de quem domina a arte de bem comandar rebanhos de carneiros, vai tornando o país no seu reino.
Esses génios, os de ontem e os de hoje, os de hoje que eram os de ontem, quase todos paridos nas latrinas da mesquinhez e da cobardia, têm de saber que a sua liberdade termina onde começa a dos outros, mesmo que sejam zungueiras.
Folha 8 com Lusa