Ontem (como o Folha 8 noticiou), mais uma vez, com cobertura das autoridades, a começar pelo Presidente da República, o MPLA mostrou que, tal como em 27 de Maio de 1977, até prova em contrário todos os que discordam dele são culpados e que, na sua “democracia” e no seu “Estado de Direito”, primeiro mata-se e depois interroga-se. Uma vergonha! Mais uma!
Face aos acontecimentos ocorridos no dia 30 de Janeiro de 2021, na Vila de Cafunfo, Município do Cuango, Província da Lunda-Norte, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA tornou público o seguinte comunicado de imprensa:
«1. A Constituição da República de Angola, no seu artigo 47º, consagra o direito de Liberdade, de Reunião e de Manifestação; tendo o legislador reconhecido os mesmos direitos como fundamentais;
2. Ademais, no seu artigo 59º, também, dos direitos fundamentais, consagra a proibição da pena de morte.
3. Nesses termos, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, condena com veemência o acto bárbaro perpetrado por agentes das forças de defesa e segurança, contra populações indefesas, que procuravam apenas exprimir a sua vontade de ver os problemas das suas comunidades resolvidos, ou quanto menos, as autoridades prestarem atenção devida as populações;
4. O Secretariado do Comité Permanente da UNITA, manifesta perplexidade pelo conteúdo do Comunicado emitido pelo Comando da Polícia Nacional na Lunda Norte, que prioriza a justificação do acto bárbaro com informações que à partida começam a ser desmentidas no terreno. É triste e de lamentar a falta de atitude humanista, que deveria caracterizar os agentes da autoridade do Estado nestas circunstâncias, pois é notório o comportamento de falta de comoção e de indignação que o comunicado revela;
5. Diante de informações que apontam para um balanço provisório de cerca de quinze (15) mortos e dez (10) feridos; perante as imagens horrendas, com corpos de seis (6) cidadãos, expostos em hasta pública, ensanguentados e com indícios de fuzilamento; e um agente da Polícia Nacional a torturar um ferido que se encontrava entre os mortos, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, manifesta repulsa e profunda indignação, pois, nada em tempo de Paz, justifica o uso desproporcional da violência contra cidadãos nacionais;
6. Diante da gravidade dos factos alegados no comunicado do Comando Provincial da Polícia Nacional na Lunda-Norte e das imagens que circulam nas redes sociais, assim como, os depoimentos de alguns populares locais, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, insta a Assembleia Nacional, a criar com carácter de urgência, uma Comissão Parlamentar de Inquérito para “in loco”, constatar e esclarecer a opinião pública Nacional e Internacional sobre o ocorrido;
7. O Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, exige do Presidente da República a tomada de uma posição perante o ocorrido e apela a solidariedade dos angolanos, com vista a exigir-se do Estado a responsabilização dos autores morais e materiais deste crime hediondo.
8. O Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, manifesta a sua profunda preocupação que em tempos de paz, actos contínuos de assassinatos ocorrerem sempre que haja qualquer manifestação de intenção de reunião ou de expressão pelos cidadãos;
9. O Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, lembra aos angolanos, que estes actos são recorrentes, sempre que o país entra em períodos pré-eleitorais, o que denuncia, práticas que visam semear o medo no seio das populações, foi assim com o “monte sumi” e agora Cafunfo.
10. O Secretariado Executivo do Comité Permanente UNITA, reafirma que a Democracia e a Paz são conquistas inalienáveis que não podem ser subvertidas, pelo que, exorta os cidadãos angolanos, a saber que é obrigação do Estado proteger e garantir os direitos fundamentais dos angolanos e não o contrário.»
Ter memória distingue homens de macacos
Em Setembro de 2015, o ministro da Administração do Território de Angola afirmou ser “de pouca honestidade” a “insistência” da então eurodeputada portuguesa Ana Gomes (que recentemente ficou em segundo lugar nas eleições nominais para a Presidente da República em Portugal) junto do Parlamento Europeu em questões sobre direitos humanos em que foi “devidamente informada” na sua visita a Luanda.
E quem era o então ministro da Administração do Território? Era exactamente Bornito de Sousa. O hoje vice-presidente de João Lourenço reagia dessa forma à resolução aprovada pelo Parlamento Europeu, sobre as “tentativas incessantes” das autoridades angolanas para limitar as liberdades e outros direitos em Angola.
Para o governante do MPLA, a resolução adoptada (550 votos a favor, 14 contra e 60 abstenções) pelo Parlamento Europeu foi influenciada pelo relatório que a eurodeputada produziu, documento que considera ter “um conjunto de afirmações gratuitas não confirmadas”.
Segundo Bornito de Sousa, sobre algumas dessas informações, Ana Gomes recebeu o devido esclarecimento, nomeadamente no encontro com o ministro da Justiça de Angola, durante a visita a Luanda, em Julho de 2015.
“E o seu relatório omite isso e faz um conjunto de declarações, muitas delas gratuitas”, frisou, exemplificando com a “insistência” da eurodeputada sobre os mais de mil mortos, resultados no caso da seita Kalupeteca no Monte Sumi, na província do Huambo.
“E efectivamente na altura também lhe foi dito, (que) mil mortos onde é que estão enterrados. Mil mortos, ninguém procura, alguém já procurou, a própria União Europeia, a Cruz Vermelha, a procurar pelos mil mortos. Onde é que estão?”, questionou o ministro.
Recorde-se que, a fazer fé no trabalho de branqueamento emitido em 2015 pela televisão portuguesa TVI, nem sequer teria havido mortos entre os seguidores de Kalupeteca.
O ministro admitia que o relatório aponta situações e críticas ao Governo de Angola, algumas que são de ter em conta e “em relação a elas o Governo tem estado já a trabalhar”.
O titular da pasta da Administração do Território de Angola disse, entretanto, que o Governo angolano conhece o carácter da eurodeputada Ana Gomes, que respeitam, mas em alguns casos tem criado dificuldades.
“Nós sabemos que a senhora deputada Ana Gomes insistiu durante muito tempo quando era primeiro-ministro, o seu secretário-geral também, José Sócrates, com os supostos voos da CIA numa das bases dos Açores [Portugal], isso não ficou provado”, citou Bornito de Sousa, exemplificando uma das dificuldades.
“A senhora deputada Ana Gomes uma vez foi uma das observadoras em eleições da Etiópia, e por ter feito uma declaração antes mesmo da produção dos resultados eleitorais provocou um incidente gravíssimo que desestabilizou gravemente a situação naquele país”, acrescentou.
O ministro (hoje vice-presidente da República) esqueceu-se, como é conveniente, do que Ana Gomes também disse sobre as eleições em Angola. Nem tudo lembra, não é senhor Bornito de Sousa?
Mas nós lembramos. Ana Gomes, que integrou a missão da União europeia, disse que eram “legítimas as dúvidas que foram levantadas por partidos políticos e organizações da sociedade civil sobre a votação em Luanda”, ou que “posso apenas dizer que a desorganização foi bem organizada”.
Mas Ana Gomes foi mais longe: “À última da hora, foram credenciados 500 observadores por organizações que se sabe serem muito próximas do MPLA e parece que alguém não quis que as eleições fossem observadas por pessoas independentes”.
Ou, “as eleições em Luanda decorreram sem a presença de cadernos eleitorais nas assembleias de voto e isso não pode ser apenas desorganização…”
Bornito de Sousa (hoje, relembre-se, vice-presidente de João Lourenço) manifestou disponibilidade das autoridades angolanas para dar contribuição na resolução dos problemas que estão a ser colocados, “mas tudo dentro da legalidade e do quadro institucional”.