A Plataforma 27 de Maio defende que o presidente angolano, João Lourenço, na qualidade de mais alto representante da nação e do partido do poder há 45 anos, MPLA, deve pedir desculpas públicas às milhares de vítimas dos massacres ordenados por Agostinho Neto em “27 de Maio de 1977”.
Por Orlando Castro (*)
A proposta foi apresentada na reunião da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), altura em que foi feito um balanço de 2020, e contribui, segundo João Saraiva de Carvalho, ele próprio órfão do 27 de Maio, para pôr fim ao silêncio.
“Achamos que é muito importante esse pedido de desculpas em nome da nação, tal como aconteceu noutros casos, e deve ser feito pela mais alta figura do Estado e do partido. Como se justificam quase 44 anos de silêncio”, questionou, salientando que se trata de “justiça básica”.
O 27 de Maio refere-se aos massacres de milhares de angolanos do MPLA que tiveram lugar, em 1977, após uma suposta tentativa de golpe contra António Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, que resultaram em milhares de mortos (cerca de 80 mil) durante a chacina.
“Acredito que, dentro do partido, haja pessoas que não concordam com isto [o silêncio]. Parece que não se passa nada”, reforçou João Saraiva de Carvalho, sublinhando que as vítimas merecem respostas e têm o direito de saber o que aconteceu.
Sublinhando a mensagem de “união” e “voz única” da Plataforma 27 de Maio, que congrega três organizações de familiares das vítimas do massacre de 1977 no país, João Saraiva de Carvalho assinalou que sobreviventes, que foram espancados e torturados, mas também os órfãos como é o seu caso, filho do militar Gilberto Saraiva de Carvalho ou o de João Van-Dunem, filho de Sita Vales e de José Van-Dunem, ex-membros do Comité Central do MPLA.
“Ninguém me diz nada (sobre a morte do pai, desaparecido no Moxico). Já ouvi muitas histórias, mas o que quero mesmo saber é a história oficial, porque não há nada oficial sobre o que se passou. Estamos muito focados nisso, queremos saber o que aconteceu, onde estão os corpos, respostas que nos permitam fazer os funerais e o luto. Já chega, estamos cansados”, desabafou.
Apesar de tudo, fez um balanço positivo do trabalho desenvolvido pela CIVICOP em 2020, por ter trazido o tema para a agenda política, mas considerou que é necessário ir mais longe, sobretudo no que diz respeito às certidões de óbito.
O coordenador da CIVICOP e ministro da Justiça e Direitos Humanos, Francisco Queiroz, informou, na sexta-feira passada, durante a 11ª reunião do órgão, que foram recebidos na comissão 14 pedidos de emissão de certidões de óbito até ao momento
Francisco Queiroz assinalou, na altura, que apesar de se tratar de uma comissão para atender todos os conflitos políticos ocorridos no país desde o dia 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002, o processo dos acontecimentos de 27 de Maio tem tido maior destaque e absorve “quase a totalidade dos trabalhos desta comissão”.
Para João Saraiva de Carvalho, o número de certidões pedidas é muito reduzido face às vítimas de conflitos políticos.
“Só no processo do 27 de Maio, os números apontam para 30 mil, é estranho só aparecerem 14 pedidos”, afirmou, destacando que as vítimas deste processo reclamam mais do que uma certidão administrativa
“Nós não aceitamos uma certidão de óbito administrativa, queremos saber o que aconteceu, como aconteceu e quando”, destacou, garantindo: “desta vez, não vamos parar”.
Entre as propostas apresentadas à CIVICOP figuram ainda a constituição de uma Comissão/Subcomissão do Grupo Técnico Científico, específica para o processo do “27 de Maio de 1977”, a identificação dos responsáveis pelos desaparecimentos forçados, que “não devem ser considerados vítimas” e definir como tarefa central da Comissão de Averiguação e Certificação de Óbitos, a localização dos restos mortais, exumação, reconhecimento das vitimas, pelo teste de ADN, confirmação da causa da morte e emissão das certidões de óbito.
Em memória do assassino, do genocida
A “pedido” (isto é como quem diz!) do Bureau Político, da ERCA, da Fundação Agostinho Neto e de todas as incomensuráveis sucursais do MPLA, relembremos o herói mundial (e arredores), António Agostinho Neto.
O Dia do Herói Mundial (que substituirá o Dia do Herói Nacional, designação muito pequena para a amplitude do protagonista) deverá passar a ser celebrado a 27 de Maio, em memória do nosso maior genocida, do nosso maior assassino, António Agostinho Neto.
Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço (alguém sabe quem é?), denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.
João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento do Agostinho Neto.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou o general João Lourenço, hoje presidente do MPLA, da República (do MPLA) e Titular do Poder Executivo (do MPLA), certamente já perspectivando em guindá-lo a figura de nível mundial que pudesse ombrear (à sua escala) com Adolf Hitler, Joseph Stalin, Pol Pot, Mao Tse-Tung, Kim Jong-il (entre muitos outros).
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, afirma o Bureau Político do partido presidido por João Lourenço.
Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do seu então querido, carismático e divino chefe, o “escolhido de Deus” e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou – sabendo que estava a mentir e a ser conivente com um dos mais hediondos crimes cometidos em África – o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.
“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Sabendo o que dizia mas não dizendo o que sabe, João Lourenço alinhava (e alinha), “mergulhado nos seus recalcamentos e frustrações”, na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam cada vez mais a pensar com a cabeça e não tanto com a barriga… vazia.
Terá João Lourenço alguma coisa, séria, honesta e reconciliadora a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando milhares e milhares de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?
Agostinho Neto, então Presidente da República, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”.
O que terá a dizer sobre isto o agora Presidente da República, general João Lourenço?
Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que o MPLA utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os “inimigos mais perigosos”.
Em 1974, duvidava que os portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira do MPLA, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.
Em Maio de 1977, não houve pioneirismo, pelo contrário, não tendo Agostinho Neto conseguido massacrar a humilhação passada no Congresso de Lusaka, o primeiro democrático do MPLA, onde o eleito foi Daniel Júlio Chipenda, Agostinho Neto consumou a grande chacina, para estancar, com o temor, uma série de cisões e problemas que calcorreavam incubados, desde a sua chegada ao MPLA, convidado pela anterior direcção.
Esta demonstração de força, serviu para demonstrar, que se o poder fosse posto em causa, a direcção e Agostinho Neto, não teriam pejo de sacrificar com a própria vida todos quantos intelectualmente o afrontassem. Foi assim ontem, é assim hoje, infelizmente, como bem sabe João Lourenço.
Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés.
É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?
Em todos os meses do ano nunca devemos esquecer, por força do sofrimento de milhares e dos assassinatos de igual número, das prisões arbitrárias, da Comissão de Lágrimas, da Comissão de Inquérito, dos fuzilamentos indiscriminados, etc..
Muitos acreditaram, em 1979, que com a ascensão de Eduardo dos Santos ao poder, num eventual reencontro com a verdade e com a reconciliação interna, sobre a alegada intentona, que ele próprio sabe nunca ter existido. Infelizmente, não se conseguiu despir da cobardia e cumplicidade, ostentada desde o tempo de Agostinho Neto e da sua clique: Lúcio Lara, Onambwé, Iko Carreira, Costa Andrade “Ndunduma”, Artur Pestana “Pepetela”, entre outros.
Dos Santos mostrou ser um homem que, pelo poder, foi capaz de tudo: violar a Constituição, as leis, humilhar, desonrar e assassinar, todos quantos não o bajulavam. Exemplos para quê, eles estão à mão de semear… nas cadeias, no exílio, nos cemitérios, no estômago dos jacarés. E João Lourenço está a mostrar-se um bom aluno desta cátedra.
“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas.
Esta posição da lei da força, marcaria para todo o sempre o sistema judicial, judiciário e de investigação policial em Angola, onde a presunção e a defesa de uma ideologia diferente da do partido no poder, são causa bastante para acusação, julgamento, prisão e até mesmo assassinato político, ainda que a pena de morte, não esteja consagrada na Constituição.
Sempre que o regime diz o que agora repete João Lourenço, todos devemos fazer uma viagem de regresso a 1977 para ver como estão as cicatrizes daquele período de barbárie, que levou muitos de nós às fedorentas masmorras da polícia política de Agostinho Neto, ou mesmo aos assassinatos atrozes, como nunca antes o próprio colono português havia praticado contra muitos intelectuais pretos, sendo o próprio Neto disso um exemplo.
Desde 1977 que Angola, o Povo, aguarda pela justiça, mas com as mentes caducas no leme do país, essa magnanimidade de retractação mútua, para o sarar de feridas, não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconciliação, muito também por não haver um líder em Angola.
Nota: O presente texto fica à consideração do Bureau Político, da ERCA, da Fundação Agostinho Neto e de todas as incomensuráveis sucursais do MPLA para análise, correcções, alterações e o mais que reputem de relevante. Se, é claro, souberem ler e entender português.
(*) Com Lusa
é uma grande verdade de que o MPLA quando sente o poder ameaçado tudo faz para não perder o poder, e foi o aconteceu em 1992.
Em 1992 tinha eu 12 anos de idade, aqui na minha Benguela eu vi muitos mais velhos conhecidos a serem retirados das suas casas pelas milícias do MPLA, no âmbito do processo que eles batizaram de caça ao homem.
Professores, Catequistas, Pastores, Trabalhadores de diversas áreas, todos foram assassinados pelos homens ao serviço do MPLA.
Mas, Deus escreve bem em linhas tortas. O avião que no ano de 1995 transportava a equipa de futebol da empresa Maboque, quando vinha de Ondjiva para Benguela, caiu nas montanhas da Comuna da Catumbela. É que a esmagadora maioria dos jovens que morreram naquele avião foram os membros da milícia que em 1992 assassinaram os simpatizantes da UNITA nas cidades de Benguela, Lobito, Catumbela e Baia-Farta.
Os jovens que em 1992 defenderam os interesses do MPLA, hoje têm 50 anos de idade, conheço alguns deles, e estão todos desgraçados, mal conseguem sustentar os seus filhos.
Foram todos enganados pelo MPLA