O Ministério Público (MP) angolano anunciou hoje que o antigo director do GRECIMA, Manuel Rabelais, e o seu assistente Hilário Santos movimentaram 201,7 milhões de kwanzas (252,8 mil euros) das contas da instituição, após esta ser extinta. Os dois, convém relembrar, foram escolhidos pelo governo do MPLA, o único partido que governou o país nos últimos 45 anos.
O anúncio foi feito hoje pelo representante do MP, Manuel Domingos, quando fazia a leitura do despacho de acusação, no primeiro dia de julgamento de Manuel Rabelais e de Hilário Santos, arguidos num processo em que são indiciados de crimes de peculato de forma continuada.
“Mesmo depois da extinção do órgão, foram levantados pelos arguidos 201,7 milhões de kwanzas deixando as contas do GRECIMA com valor irrisório e (…) desfazendo documentos de suporte das despesas e operações financeiras feitas com avultados valores que deveriam estar arquivados no órgão, tudo feito para não deixar rastos”, afirmou Manuel Domingos.
Manuel Rabelais, ex-ministro da Comunicação Social angolano, está arrolado no processo na qualidade de ex-director do extinto Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), por actos praticados entre 2016 e 2017, anos em que o actual Presidente da República, general João Lourenço, era ministro da Defesa.
O também deputado do MPLA, com mandato suspenso, é igualmente acusado de violação de normas de execução do plano e orçamento e branqueamento de capitais, puníveis com pena superior a dois anos de prisão.
São imputados os mesmos crimes a Hilário Santos, ex-técnico administrativo daquele órgão, criado em Maio de 2002, como órgão auxiliar do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, e extinto, em 2017, pelo actual Presidente de Angola, João Lourenço.
Na leitura do despacho de acusação deste julgamento, que hoje teve início na câmara criminal do Tribunal Supremo (TS), o MP reiterou que Manuel Rabelais, auxiliado por Hilário Santos, “transformou o GRECIMA em autêntica casa de câmbios, angariando empresas e pessoas singulares para depositarem kwanzas em troca de moeda estrangeira, vendendo divisas ao câmbio superior” do que era praticado pelo Banco Nacional de Angola (BNA).
O GRECIMA tinha contas domiciliadas no Banco de Comércio Indústria (BCI) para onde eram canalizadas grande parte das divisas adquiridas no BNA, e noutros bancos comerciais, nomeadamente o BAI (Banco Angolano de Investimentos), BIC (Banco Internacional de Crédito), SOL e BPC (Banco de Poupança e Crédito).
Em todas as contas bancárias da instituição, diz a acusação, Manuel Rabelais “exigiu que fosse o único assinante”.
De acordo com o magistrado judicial, nesse período, Manuel Rabelais solicitou ao BNA a aquisição de 98 milhões de dólares (81 milhões de euros) e “para efectivo das operações” foi credenciado o co-arguido Hilário Santos. “Ardilosamente, conseguiram transformar o GRECIMA em autêntica casa de câmbios”, disse.
Sobre a angariação de particulares e empresas para depositar kwanzas na conta do GRECIMA e adquirir divisas, sublinhou o MP, o arguido Manuel Rabelais alegou ter sido um expediente utilizado pelo GRECIMA “tudo isso com conhecimento do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos”.
“Em instrução contraditória, contrariamente ao arguido Manuel Rabelais, o ex-Presidente angolano, por carta dirigida ao Tribunal, disse que nada tinha a esclarecer porque a gestão do órgão não foi acompanhada por ele, mas sim pelo então chefe da Casa de Segurança”, adiantou.
O despacho de acusação refere igualmente que os arguidos transferiram para fora do país, através do banco BCI (Banco de Comércio e Indústria), um total superior a 16 milhões de euros para 11 empresas, sendo que, em algumas dessas empresas Manuel Rabelais “era sócio e beneficiário efectivo”.
Desse valor, assinala o Ministério Público, Rabelais movimentou montantes para outras contas bancárias e de seus parentes, nomeadamente 2,8 milhões de euros para dois filhos.
Os arguidos transferiram mais de 12 milhões de kwanzas (15,198 mil euros) da conta do GRECIMA domiciliada do BPC para “beneficiários desconhecidos”.
Já no despacho de pronúncia, os juízes da câmara criminal do TS reafirmaram os crimes de que os réus vêm acusados, sublinhando que os mesmos “tinham consciência que agiam de forma concertada”.
O corpo de juízes decidiu igualmente dar provimento parcial e despronunciar os réus dos crimes de recebimento ilícito de vantagem.
Na sua contestação, o advogado do arguido Hilário Santos, Belchior Catongo, pediu a absolvição do seu constituinte, afirmando que as provas imputadas “são infundadas” e que o mesmo tinha de ser arrolado “como declarante, porque apenas agiu em obediência ao seu superior hierárquico”.
O advogado de Manuel Rabelais também pediu absolvição e refutou os argumentos da pronúncia e da acusação, afirmando que “não é relevante dizer-se que o ex-director do GRECIMA exigiu que fosse o único assinante das contas bancárias”. “Porque era o único funcionário público com tal competência”, argumentou o causídico, Amaral Gourgel.
Manuel Rabelais “trabalhou muito para inverter a imagem negativa de Angola no exterior e conseguiu. Referir que o GRECIMA foi transformado em autêntica casa de câmbios é ofensivo”, observou.
Neste julgamento, presidido pelo juiz Daniel Modesto, estão arrolados 14 declarantes, entre os quais o ex-governador do BNA Walter Filipe e o ex-presidente do Conselho de Administração do BCI Filomeno Alves de Ceita.
Até agora confirma-se a existência de uma agenda oficial de perseguição selectiva. Sabendo-se que o peculato e a corrupção medram no país desde 1975, servindo para tonar o MPLA no partido que deve ser o mais rico do mundo (é dono do Estado), só estão a ser acusados os que eram bestiais e agora são bestas.
A independência e a justiça (pilares basilares e “sine qua non” não há Estado de Direito), foram substituídas pela vontade exclusiva da nova “ordem superior” que a uns permite terem visto roubar, participarem nos roubos, beneficiarem dos roubos mas não serem ladrões, e a outros não.
Desse prisma, a situação é grave e perigosa e pode levar o povo a chegar às seguintes conclusões, todas elas fornecidas pelo poder instituído, autocrático e a resvalar até para o totalitarismo:
a) O MPLA colocou nas suas listas, segundo o que a PGR nos diz, gatunos e corruptos, que lesaram, conscientemente o Estado;
b) Nesse quadro, a vitória do MPLA deveria ser impugnada, por ter sido alcançada ao arrepio da Constituição, da Lei Eleitoral, da Lei dos Partidos Políticos;
c) Declarar-se nulos todos os actos da Comissão Nacional Eleitoral e inconstitucional a homologação de vitória feita pelo Tribunal Constitucional;
d) Criação de uma nova Comissão Eleitoral Independente;
e) Convocação de novas eleições gerais, por as anteriores terem sido, segundo os actos subtis do actual Presidente da República, manipuladas por corruptos e ladrões do erário público (Rabelais dirigia o GRECIMA, órgão do Estado apontado como tendo, descaradamente, beneficiado o candidato do MPLA).
No entanto, o desespero não descarta, com o agravar da permanente humilhação e perseguições por motivações discriminatórias de todos quantos serviram José Eduardo dos Santos, deixando de fora – contudo – muitos outros que igualmente o serviram mas porque têm agora o Poder nas mãos são quem determina que é, ou foi, ladrão bom e ladrão mau.
É grave espezinhar a Constituição e as leis, na lógica de elas não valerem nada, quando em causa estiver a vontade irascível de um poder usurpado humilhar quem cumpriu ordens e serviu a República, no consulado passado (pelo mesmo partido politico, afinal, uma quadrilha de gatunos e corruptos unidos como todos os dias se torna cada vez mais inequívoco).
É meritório e de se aplaudir o combate contra a corrupção, mas seria de elevada nobreza que todos, a começar pela cúpula do MPLA pedissem desculpas aos povos angolanos, pela delapidação do erário público, uma vez não haver, entre si, inocentes. Na verdade, em matéria não só política como de lisura civilizacional, se alguns sabendo não se pronunciaram antes, são cúmplices, com iguais responsabilidades.
Muitos (cada vez mais) especulam, verdade ou mentira, que se João Lourenço disputasse eleições internas, no MPLA, nunca as venceria. É, hoje, uma especulação que, contudo, à luz das práticas seguidas tende a ser uma verdade irrefutável.
A indicação foi uma aposta pessoal e exclusiva de José Eduardo dos Santos. Diz-se estar arrependido com a perseguição aos filhos e a outros membros do MPLA que, aliás, foram tão servis a bajuladores quando João Lourenço. Outros, dizem que a maioria dos dirigentes, mesmo os assumidos “lourencistas” estão contra essa perseguição, ódio e falta de gratidão. Mas, recorde-se, também a estes se aplicará um dia a lei do silêncio cúmplice e da responsabilidade partilhada.
Talvez, nesta fase, ninguém saiba onde está a verdade, mas muitos actos a todos intrigam. Talvez por não se justificarem alguns métodos, considerados inovadores, depois de 38 anos de poder unipessoal de José Eduardo dos Santos. A prática mostra (já não é possível esconder mais, apesar dos megalómanos investimentos na propaganda interna e externa), haver um sentido de revolta e ódio pessoal de João Lourenço contra tudo que respira José Eduardo dos Santos, fazendo-nos ver no actual Presidente do MPLA não um estadista de, pelo menos, mediana estatura moral e ética, mas um pigmeu. Só assim se compreende que, numa orgia canibalesca, queira matar o seu criador.
A vingança pessoal, que a maioria – cada vez menos expressiva e solidária com o populismo – desconhece a origem, é perniciosa por, visivelmente, estar também a desestabilizar o país do ponto de vista financeiro e económico, arrasando a credibilidade externa e pouco se importando com a interna.
Institucionalizar uma querela pessoal como método de gestão de Estado é mesquinho, perigoso e até explosivo, num país como Angola, onde a fome tem pressa e, ironia do destino, até ser cidadão, agora ficou caro…
A cidadania custa mais de 80% do salário mínimo, significando, que a maioria dos pobres, não terá personalidade jurídica, tão cedo, logo serão marginalizados pela Constituição. Impor um clima de terror, não é avisado e racional, por levar à indagação geral da figura de Presidente da República ter sido substituída pela de Xerife da República.
Diante deste quadro, que muitos consideram de descaracterização do Estado, será que todos irão continuar mudos, impávidos e serenos? Essa descaracterização, não belisca e machuca a imagem e credibilidade do próprio MPLA e do regime, que lidera há 45 anos?
Folha 8 com Lusa