O ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos será ouvido pela justiça brasileira, a pedido da defesa de Lula da Silva, que tenta provar a sua inocência num caso sobre tráfico de influências. A informação foi confirmada à Lusa pelo escritório de advocacia que defende Lula da Silva, que explicou que foi expedida para Angola, por vias diplomáticas, uma carta rogatória com perguntas destinadas a José Eduardo dos Santos.
Em causa está uma acusação de que Lula da Silva teria interferido no Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) para a concessão de uma linha de crédito para a construtora brasileira Odebrecht, destinada à exportação de serviços para Angola, na época que José Eduardo dos Santos governava o país. Segundo a acusação, essa concessão teria levado a Odebrecht a fazer doações ao Partido dos Trabalhadores (PT).
“A defesa do ex-presidente Lula, através do advogado Cristiano Zanin, apresentou algumas perguntas ao ex-presidente José Eduardo Santos. As perguntas procuram reforçar o carácter frívolo das acusações feitas contra Lula da Silva pela Operação Lava Jato”, indicou o escritório de advocacia.
“Mais especificamente, visam demonstrar que a Odebrecht já prestava serviços de engenharia em Angola desde o final da década de 1970 e já dispunha de linhas de crédito de entidades brasileiras de fomento para essa finalidade muito antes dos Governos do ex-presidente Lula (2003-2010)”, acrescentou a defesa.
No início do mês, um tribunal regional brasileiro arquivou uma acção penal semelhante àquela que José Eduardo dos Santos foi chamado agora a depor, e que acusava Lula da Silva de alegada participação em fraudes de contratos da Odebrecht em Angola com o BNDES.
Por unanimidade, os juízes do Tribunal Federal Regional da 1.ª Região (TRF-1) consideraram não haver elementos nos autos que justificassem a continuação do processo.
A acusação tinha sido feita pelo Ministério Público no Distrito Federal, que indicou que Lula da Silva actuou juntamente com o BNDES “e outros órgãos de Brasília” para favorecer a construtora Odebrecht em empréstimos para obras de engenharia em Angola.
Agora, a defesa do histórico líder do PT tenta também que seja arquivada a acção em que o ex-presidente angolano será ouvido.
“A defesa mostra, ainda, que todas as acusações que estão a ser feitas no Brasil contra Lula fazem parte de um fenómeno que foi descrito pelos advogados do ex-presidente em 2016 como ‘lawfare’, que consiste no uso estratégico do Direito para fins ilegítimos, inclusive o de perseguição política”, acrescentaram os advogados do antigo chefe de Estado.
O processo em causa corre na 10ª Vara Federal de Brasília, com o juiz Vallisney Oliveira.
A defesa do ex-presidente Lula da Silva advogou ainda não saber a data em que o depoimento de José Eduardo dos Santos ocorrerá.
Lula da Silva já foi condenado em dois processos por corrupção, e está a ser alvo de pelo menos outras sete investigações. Esteve preso durante 580 dias, tendo sido colocado em liberdade em Novembro passado.
Lula da Silva sempre negou todas as acusações e diz ser vítima de perseguição judicial executada por pessoas que têm ambições políticas.
Lançada em 2014, a operação Lava Jato trouxe a público um enorme esquema de corrupção de empresas públicas, como a Petrobras, implicando dezenas de altos responsáveis políticos e económicos, e levando à prisão de muitos deles, como o antigo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi condenado pelo antigo juiz Sérgio Moro.
No dia 24 de Janeiro de 2018, o jornal mais respeitado dos Estados Unidos da América (The New York Times), abria a sua secção de Opinião a um qualificado analista, Mark Weisbrot, antes de ter início o julgamento do ex-Presidente do Brasil, Lula da Silva, que teve início nesse dia no Tribunal Regional Federal 4, em Porto Alegre.
Lula era acusado de ter recebido um apartamento na localidade de Guarujá da empreiteira OAS, a troco de favorecimento de contratos na Petrobras.
Na primeira instância foi condenado pelo juiz Sérgio Moro (ex-ministro de Jair Bolsonaro), sem qualquer prova, sustentando apenas a decisão de mais de nove anos com simples interpretações e suspeições. E essa incoerência jurídica, vinda do juiz, foi por ele mesmo textualizada, quando os advogados de defesa lhe pediram a clarificação.
Assim, tem-se um julgamento carente de provas, apenas sustentadas na delação premiada de um arguido preso que alterou o seu depoimento inicial depois de lhe ser garantido um acordo mas, desde que mencionasse o nome do antigo chefe de Estado como pessoa a beneficiar do apartamento, que nunca utilizou, nem chegou a ter contrato promessa.
Mais, o caricato é o imóvel servir de garantia bancária da própria empresa, OAS, logo não poderia nunca estar na esfera jurídico-patrimonial de Luiz Inácio Lula da Silva.
São essas incongruências que levam a maioria dos juristas e políticos a criticar a consistência da condenação do político mais popular do Brasil, como se a “lógica mãe” do julgamento seja a do seu crime ter sido o de ser o primeiro presidente de Esquerda a assumir o poder e ter retirado da extrema pobreza mais de 25 milhões de pobres, catapultando-os para a classe média.
Daí a pertinência de apresentarmos o artigo do colunista americano, que ora reproduzimos com o sugestivo título: “Democracia brasileira empurrada para o abismo”.
Este reputado economista, colunista no The New York Times, analisou a situação da democracia brasileira. Ele abria o texto afirmando que o Estado de Direito e a independência do Judiciário é algo susceptível a mudanças bruscas em vários países.
No Brasil, “uma democracia jovem”, o que poderia ser um grande avanço quando o Partido dos Trabalhadores garantiu independência ao Judiciário para investigar políticos, acabou por se transformar no oposto, escreve Weisbrot. Para ele, como resultado, “a democracia brasileira é agora mais frágil do que era logo quando acabou a ditadura militar”.
O texto, afirmava que, nas vésperas do julgamento de Lula, não havia muita esperança de que a decisão fosse “imparcial”, uma vez que um dos juízes já afirmou que a decisão de condenar Lula foi “tecnicamente irrepreensível”.
Para o autor americano, as evidências contra Lula eram frágeis e estavam abaixo dos padrões que seriam levados a sério, por exemplo, pela Justiça norte-americana.
Ele afirma, ainda, que o Estado de Direito no Brasil já fora atingido em 2016 com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Conclui que o mais importante talvez é o facto de que o Brasil se terá transformado num país com uma forma mais “limitada” de democracia eleitoral, no qual um “judiciário politizado” pode excluir um líder popular de uma disputa presidencial.
Folha 8 com Lusa