A agência de “rating” Fitch prevê uma recessão de 4% em Angola e uma subida da inflação para 24%, com a produção petrolífera a descer para 1,3 milhões de barris por dia neste e no próximo ano. Mesmo que assim seja não haverá crise para o MPLA nem para os seus estratégicos planos de recuperação, caso, por exemplo, do Satélite Angosat-2. Em matéria de pobres, quem tem 20 milhões também pode ter 21 ou 22 milhões…
“A economia de Angola continua a ser limitada pelo alto nível de dependência de matérias-primas, o que contribui para um crescimento baixo e para uma acentuada instabilidade macroeconómica”, lê-se no relatório que acompanha o anúncio da descida do “rating” para CCC (o terceiro mais baixo na escala de avaliação da capacidade de um país pagar aos credores).
“A contracção no sector petrolífero, combinado com a falta de liquidez em dólares, vai manter Angola no quinto ano consecutivo de recessão, com uma contracção de 4% e uma aceleração da inflação para 24% este ano, bem acima da média dos países com nota B, de 4,8%”, acrescenta-se no texto.
Sobre a produção de petróleo, a principal matéria-prima exportada por Angola e essencial para o equilíbrio das finanças públicas, a Fitch Ratings admite que “as reformas no sector dos hidrocarbonetos podem ajudar a estabilizar o declínio de longo prazo na produção”, mas salienta que depois da produção de 1,4 milhões de barris diários no primeiro semestre, houve uma queda no seguimento da aplicação dos cortes acordados com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
“A Fitch Ratings prevê que a produção fique nos 1,3 milhões de barris diários, em média, em 2020, e que fique mais ou menos no mesmo nível em 2021”, dizem os analistas.
Sobre os bancos angolanos, o panorama também não é positivo: “os bancos angolanos vão enfrentar mais desafios económicos já que o choque da pandemia da Covid-19 prolonga a recessão em Angola”, alertam.
Apesar das medidas das autoridades, entre as quais a Fitch salienta a implementação de programas de apoio ao crédito às pequenas e médias empresas e a descida de algumas taxas, o recurso do Governo ao mercado interno de dívida vai prejudicar o sector privado.
“Prevemos que o crescimento do crédito do sector privado sofra uma contracção este ano, e os activos já de si de fraca qualidade vão provavelmente continuar a enfraquecer, reflectindo o elevado nível de exposição ao sector dos hidrocarbonetos”, concluem os analistas.
A Fitch Ratings desceu hoje o “rating” de Angola para CCC, indicando que há uma possibilidade real de Incumprimento Financeiro (“default”), devido ao significativo aumento da dívida pública e deterioração das finanças públicas.
“A descida do “rating” reflecte o significativo aumento na dívida pública, a reduzida flexibilidade do financiamento externo, como é evidente na forte subida dos juros da dívida, e a decrescente liquidez externa”, diz a Fitch Rating na explicação da acção de “rating”, que surge a menos de seis meses da última revisão em baixa, em Março.
“A sustentabilidade da dívida pública piorou e as debilitadas finanças públicas vão inibir as autoridades de baixarem significativamente o nível da dívida durante os próximos dois anos”, argumentam, prevendo que no final deste ano o rácio da dívida sobre o Produto Interno Bruto suba para 129%, o que representa “850% das receitas do Governo, mais do dobro da média dos países com rating B, com 356%, e é indicativo das dificuldades de Angola em aumentar a receita não petrolífera”.
Como estadista de elevada craveira, segundo os seus espelhos, João Lourenço vai paulatinamente reforçando aquela que foi a emblemática política colonial imortalizada no poema Monangambé de António Jacinto e cimentada na anterior gestão de 38 anos de Poder absoluto de José Eduardo dos Santos: fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares e porrada se refilares.
O problema está, contudo, em que a fuba (mesmo que podre) e o peixe (mesmo que podre) não chegam à barriga dos nossos 20 milhões de pobres. A única coisa que aumentou nem foi os 50 angolares. Foi tão só a porrada.
E, pelo sim e pelo não, João Lourenço vai permitindo que os seus servis acólitos, nomeadamente da Polícia, avisem os angolanos que o regime não permitirá o direito à indignação aos que pensam que podem incendiar as ruas, trazer tumultos, rebeliões ou atentar contra o “querido líder, versão JLo”. Antigamente os angolanos comiam e calavam. Hoje só calam porque comida… nem vê-la. E, se querem comer, sujeitam-se a que a Polícia, para além de roubar os seus bens os eduquem literalmente à lei da bala.
Por deficiência congénita e ancestral, os angolanos são de uma forma geral um povo sereno e de brandos costumes que, quase sempre, defende a tese de que mais vale um prato de fuba hoje do que um suposto bife depois do estado de emergência.
Há, contudo, alguns sinais de sentido contrário, mas ainda são ténues e compráveis com um qualquer prato de fuba, farelo ou peixe… mesmo que podre. E é pena. No entanto, a força que se usa no dedo do gatilho costuma ser a última a finar-se…
Mas, quem sabe?, talvez um dia acordemos com a barriga de tal modo vazia a ponto de mostrarmos que estamos fartos de quem em vez de nos servir… nos lixa e nem sequer paga, pelo contrário.
João Lourenço, tal como o seu “pai” José Eduardo dos Santos, acredita que consegue pela repressão (primeiro via “Operação Resgate” e agora na “Operação Pandemia”) criar as condições para que as contestações abrandem ou sejam até anuladas. Esquece-se que a base da pirâmide demográfica é dominada por jovens, o que pressupõe uma especial propensão para haver um aumento da contestação.
É certo que em Angola aumenta o número dos que pensam que a crise (da maioria, de quase sempre os mesmos) só se revolve a tiro. O rastilho mantém-se aceso porque isso corresponde à estratégia do regime. Nada melhor para manter o poder cleptocrático vivo do que ter o cenário de ”guerra” pronto a entrar em combate.
De uma coisa os angolanos não podem, contudo, esquecer-se. Como dizia Platão: “O castigo por não participares na política é acabares por ser governado por quem te é inferior.” E se, mesmo participando, deu no que deu… o melhor é cortar o mal pela raiz.
E, convenhamos, se o valor dos angolanos se medisse pelo nível dos actuais políticos do regime (mas também da oposição), estariam certamente abaixo do último lugar do “ranking” mundial.
João Lourenço sabe que Angola apresenta um elevado risco político com a possibilidade de motins e de comoção civil. Sabe mas não se preocupa. Esse é um risco calculado que visa, repita-se, a manutenção do regime e que – graças a essa estratégia – terá a cobertura da comunidade internacional.
Embora, segundo os analistas internacionais, Angola esteja ainda num patamar de risco baixo, há indícios crescentes de que a sociedade começa a estar farta da cleptocracia e do nepotismo.
O legado colonial, a crise do petróleo e agora a pandemia da Covid-19 não chegam, pelo contrário, para justificar ou explicar a política seguida pelo regime e que, em síntese, mostra que poucos (quase todos ligados aos dirigentes do MPLA) têm cada vez mais milhões, ao passo que cada vez mais milhões têm pouco ou nada.
Em certas áreas urbanas das grandes cidades, nomeadamente nas periferias de Luanda, as probabilidades de revolta são grandes, e não é só por uma questão de austeridade, dificuldade do mercado de trabalho e do emprego, porque já não é possível justificar tudo com o colonialismo, com a guerra, com Jonas Savimbi, com a família Dos Santos ou com a pandemia da Covid-19.
A isso acresce a existência de largo escalão de jovens altamente qualificados e que, por isso, demonstram ter coluna vertebral e pensar pela própria cabeça, mesmo sabendo que dessa forma estão a cometer um atentado contra a segurança do Estado.
Seja como for, começa mesmo a ser altura de os angolanos porem os seus políticos a pão e água ou, talvez, a farelo. Sim, porque os porcos também comem farelo e não morrem.
Folha 8 com Lusa