Diversas personalidades assinam uma petição pela libertação de “hacker” responsável pelo vazamento de informações no âmbito dos escândalos “Football Leaks” e “Luanda Leaks”. O documento será entregue ao Parlamento português. William Tonet, director do Folha 8, não assina a petição e diz – em declarações à DW – que não se pode combater a corrupção com leis corruptas nem com magistrados corruptos.
Um manifesto que pede a libertação do “hacker” português Rui Pinto será entregue à Assembleia da República de Portugal. O documento conta com assinaturas de personalidades ligadas à política, ao desporto, à cultura, ao jornalismo e à educação. Rui Pinto, de 30 anos, é o responsável por denúncias que deram origem aos escândalos “Football Leaks” e “Luanda Leaks”.
O “hacker” está em prisão preventiva há quase um ano. Nos meios político e da justiça portuguesa, reinam divergências quanto à prisão de Rui Pinto – que aguarda julgamento por alegado envolvimento em dezenas de crimes, entre os quais violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão.
A petição não será somente assinada por personalidades portuguesas, sendo, portanto, aberta. O escritor angolano, José Eduardo Agualusa, contribui para o movimento pelo facto de Rui Pinto trazer ao conhecimento público crimes económicos.
“O facto de Rui Pinto estar na origem de revelações de inequívoco interesse público que deram origem a investigações jornalísticas conduzidas por consórcios internacionais, como o ‘Football Leaks’ e o ‘Luanda Leaks’, justifica amplamente que as autoridades portuguesas – tal como já o fizeram as autoridades de outros países – reconheçam a importância da informação por si trazida a público e procurem a colaboração de Rui Pinto”, lê-se na petição pública.
O deputado do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, um dos subscritores da campanha, considera “incompreensível” que Rui Pinto esteja há mais de um ano preso.
“A petição não pede uma amnistia, não o iliba dos crimes nem sequer se coloca no papel da Justiça. A Justiça deve cumprir o seu papel, mas [a petição] diz que não faz sentido que a prisão preventiva seja aplicada ao Rui Pinto no termos em que está a ser aplicada”, esclarece Pedro Filipe Soares.
O parlamentar português argumenta que há pessoas suspeitas de determinados crimes que estão em absoluta liberdade, e Rui Pinto está preso por crimes alegadamente de menor gravidade – mesmo tendo disponibilizado uma parte da informação que possibilita conhecimento sobre outros crimes. “Há aqui uma incoerência no sistema de justiça que me parece injustificável”, completa.
A ex-eurodeputada Ana Gomes acha a prisão de Rui Pinto estranha, porque estão em causa denúncias de crime organizado. “Para mim, é absolutamente escandaloso que ele esteja em prisão preventiva há quase um ano. Eu estou farta de perguntar e ninguém me responde: Quantas pessoas acusadas de extorsão na forma tentada estão presas em Portugal e há tanto tempo?”, provoca Ana Gomes.
Para a ex-eurodeputada socialista, há quem queira intimidar e silenciar Rui Pinto. Ana Gomes atribui o interesse de manter o “hacker” na prisão a esquemas corruptos e criminosos e lembra que a legislação portuguesa permitiria reconhecer o estatuto de Rui Pinto como colaborante com a Justiça, mesmo que o “hacker” responda por outros crimes que o imputem.
“[Mesmo os crimes] associados à figura de um hacker por si só não têm penas que justificassem uma prisão preventiva deste género. Estamos num país onde Rui Pinto, o lançador de alerta, está preso e Ricardo Salgado está nas suas sete quintas”, protesta.
O jornalista angolano William Tonet considera que a liberdade é um bem maior e a prisão deve ser sempre uma excepção. O director do Jornal Folha 8 lembra que o papel dos “hackers” na descoberta de crimes não estava previsto no Direito, mas é preciso respeitar o que já existe.
William Tonet também é jurista e observa que, no caso de Angola, a corrupção deve ser combatida consolidando as próprias instituições. “Não se pode combater a corrupção com leis corruptas. Não se pode combater a corrupção com magistrados corruptos”, avalia.
O jornalista diz existirem interesses maiores relativamente ao pedido de libertação de Rui Pinto, que não seriam ideológicos nem de moralização da luta contra a corrupção.
“Eu não vou pôr as minhas impressões na libertação do Rui Pinto, porque eu já fui muito injustiçado por informações cruzadas feitas de fontes sorrateiras que me levaram ao cárcere. Se nós quisermos respeitar a Constituição tanto de Portugal quanto de Angola, permite-se a obtenção de provas por meios ilícitos. Ora, sendo esse meio ilícito blindado com as comunicações, ninguém pode obtê-las sem que o Ministério Público, havendo fortes indícios, consiga depois alavancar elementos probatórios”, diz William Tonet.
Folha 8 com DW (João Carlos)