A produção de petróleo em Angola pode ser afectada pela falta de pessoal se a propagação da epidemia de Covid-19 (Coronavírus) continuar a alastrar, alerta um especialista no sector, acrescentando que existem riscos do lado da oferta e da procura. Transpondo esta tese para a economia em geral (que há décadas não anda nem desanda), é caso para dizer que uma outra epidemia alastrou no país: a incompetência dos governos do MPLA.
“M uitas zonas de exploração petrolífera estão a deixar de receber funcionários e isso tem feito com que muitos campos petrolíferos estão neste momento em ‘shutdown’ [parados]”, disse à Lusa Patrício Quingongo, director executivo da plataforma ‘online’ especializada no mercado petrolífero PETROANGOLA.
Angola, onde a produção é suportada essencialmente por companhias estrangeiras, tem um elevado número de trabalhadores estrangeiros afectos a esta actividade.
Actualmente, Luanda proíbe a entrada de cidadãos estrangeiros não-residentes provenientes da China, Irão, Itália e Coreia do Sul, onde existe um elevado número de infectados e casos autóctones.
“(…) Se o vírus continuar a propagar-se e não houver uma cura nos próximos tempos, a produção angolana poderá ser muito afectada pela falta de pessoal estrangeiro”, indicou o especialista, sublinhando que “a indústria petrolífera é globalizada”.
“Se tivermos restrições dos trabalhadores que vêm dos Estados Unidos e depois da África do Sul, que também dá suporte à actividade nacional, aí o impacto seria ainda maior”, afirmou Patrício Quingongo.
O director executivo desta empresa considerou, por outro lado, que a falta de entendimento entre a Rússia e a Arábia Saudita quanto aos cortes na produção petrolífera vai ter uma solução em breve.
“Esta é uma situação controlada ao contrário do problema do Coronavírus”, declarou, referindo que os dois países estão condenados a entender-se, porque ambas as economias não vão aguentar preços baixos por muito tempo.
Quanto à evolução do preço do petróleo, o especialista adiantou ser “muito difícil fazer uma previsão”, porque o mercado se encontra num “nível de incerteza muito grande” devido às preocupações com a epidemia de Covid-19.
Para o responsável do PETROANGOLA, o pior cenário para Angola será “forçar a revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE)”, o que considera “ainda prematuro”, já que a média do preço do barril desde o início do ano é de 57 dólares, ainda acima do que foi previsto no OGE (55 dólares). “Tecnicamente é prematuro fazer uma revisão do OGE, pois não há fundamento para a sustentar”, defendeu.
Patrício Quingongo sublinhou que, nesta altura, o executivo angolano deve elaborar projecções macroeconómicas que levem em conta um preço mais baixo do barril de petróleo, “olhar para as despesas que podem ser cortadas” e para uma eventual renegociação da divida externa.
O novo coronavírus provocará em 2020 a primeira contracção da procura global de petróleo desde a recessão de 2009, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), que avisa que o crescimento do consumo vai desacelerar nos exercícios seguintes.
No relatório mensal sobre o mercado do petróleo, a AIE reconhece que a situação ainda é muito incerta, também pela falta de acordo na sexta-feira entre os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e os 10 aliados liderados pela Rússia em relação a um corte da produção que por agora não vai ocorrer.
Neste contexto, o organismo que reúne os principais consumidores de energia membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) apresenta um cenário-base em que a procura global diminuirá este ano em 90.000 barris por dia e passará de novo para baixo da barreira simbólica de 100 milhões de barris por dia, para 99,9 milhões de barris por dia.
Esta contracção significa menos 1,1 milhões de barris do que o valor calculado há apenas um mês e as causas estão na China, que tinha sustentado em 2019 mais de 80% do acréscimo do consumo de petróleo em todo o mundo.
Cálculos sem vírus
A consultora Fitch Solutions considera que, sem os efeitos do Coronavírus, a produção de petróleo em Angola deverá cair 41%, equivalente a 550 mil barris até 2028, quando comparada com os níveis de 2019, para 762 mil barris por dia.
“A produção desapontante em Angola, o segundo maior produtor de petróleo na África subsaariana, deve explicar o declínio de 550 mil barris por dia em 2028 face aos níveis de produção de 2019″, ano em que Angola bombeou 1,3 milhões de barris diários, lê-se num relatório sobre o sector do Petróleo e Gás nesta região.
No relatório, os analistas desta consultora detida pelo mesmo grupo que é dono da agência de notação financeira Fitch Ratings escrevem que não é só em Angola que a produção deverá decrescer ou abrandar face aos níveis actuais.
“Novos investimentos substanciais são necessários para compensar as taxas de declínio previstas para a região”, lê-se no relatório, que prevê uma contracção de 0,03% na produção petrolífera deste ano na região.
“Antevemos que a produção regional atinja um pico de 5,2 milhões de barris por dia em 2026 depois de ter registado um confortável crescimento de 3% no ano passado e de cair 0,03% este ano”, afirmam os analistas.
“Globalmente, o sector do petróleo e gás tem-se debatido com as consequências de uma redução da procura, um excesso de produção e uma perspectiva de evolução de preços baixos, entre outros factores”, afirmam, salientando ainda que as grandes petrolíferas internacionais têm-se centrado mais na contenção de custos do que no lançamento de novos investimentos, apesar de ter havido algumas descobertas recentes na região.
Angola exportou, em 2019, cerca de 479 milhões de barris de petróleo, a um preço médio de 65,2 dólares (59,2 euros) por barril, totalizando receitas de 31,2 mil milhões de dólares (28,3 mil milhões de euros), segundo dados apresentados no final de Janeiro pela Direcção Nacional de Mercados e Promoção da Comercialização do Ministério dos Recursos Minerais e Petróleo (MIREMPET) angolano.
Divididos por 365 dias, esta produção anual dá uma média de 1,312 milhões de barris diários em 2019. Usando este valor para calcular a redução de 550 mil barris diários, chega-se ao número de 762 mil barris diários em 2028, conforme prevê a Fitch Solutions.
Angola passaria a produzir, no total do ano, 278,1 milhões de barris, o que, mantendo o preço, representaria um encaixe de 18,1 mil milhões de dólares, o que representa uma perda de 41% face aos 31,2 mil milhões de dólares exportados.
Folha 8 com Lusa