Angola gasta anualmente 65 milhões de dólares (60 milhões de euros) na importação de roupa usada, actividade que beneficia de isenções aduaneiras, mas não favorece as pessoas mais carenciadas, segundo o Governo. Será que vai para os guarda-fatos dos generais e políticos milionários do MPLA?
A preocupação foi hoje manifestada pelo secretário de Estado da Indústria de Angola, Ivan Prado, durante a visita que o Presidente João Lourenço realizou à fábrica Textang II, localizada no Cazenga, em Luanda.
O governante referiu ainda que, no volume de importações de produtos acabados, está incluída a importação de 65 milhões de dólares de roupas usadas.
Ivan Prado referiu que, apesar das necessidades registadas por parte da população, que vêm sendo supridas com recurso à aquisição de roupas provenientes do fardo, “a verdade é que a sua essência tem vindo a ser totalmente desvirtuada”.
Segundo explicou, passou-se de uma situação de doação para as pessoas mais carenciadas, para uma actividade comercial que beneficia de isenções aduaneiras “e que, pela sua informalidade, não contribui nem para a geração de emprego nem para a arrecadação de receitas fiscais para o Estado, contribuindo sim, para a quebra destas receitas que poderiam advir das empresas que operam dentro dos níveis de formalidade exigidos”.
O secretário de Estado da Indústria defendeu a abolição da importação de fardos de roupa e o fomento da compra de produtos locais por grandes compradores do Estado, uma medida que já foi orientada pelo Governo, mas que continua a ser recurso de algumas instituições, “que preferem importar em detrimento da produção local”.
“Segundo dados disponibilizados pela Administração Geral Tributária (AGT), em 2019, foram importados mais de 170 milhões de dólares (157,1 milhões de euros) em roupas e têxteis para o lar, o que vem justificar o reduzido volume de importações de matéria-prima por parte dessas indústrias do sector”, disse.
Um levantamento feito recentemente, prosseguiu Ivan Prado, identificou 31 unidades fabris no sector do vestuário, confecções têxtil e lar em laboração e que empregavam à data, cerca de 1.000 funcionários.
“Estas empresas apresentam-se como potenciais clientes da Textang II, bem como das demais indústrias têxteis alvo de reconversão. Na sua globalidade, as empresas privadas do sector de confecções têm condições para produzir cerca de 20 milhões de peças/ano, podendo não só o número de empresas, mas como a capacidade produtiva, registar um forte aumento caso as políticas públicas criem condições para o efeito”, referiu.
Desde 1975 que Angola é (des)governada pelo MPLA
Recorde-se que o Governo angolano aprovou um crédito adicional ao Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2018 de mais de 36 milhões de euros para garantir despesas logísticas nas Forças Armadas Angolanas. Em Maio desse ano foi noticiado que o Banco Angolano de Investimentos (BAI) iria financiar com 15 mil milhões de kwanzas (54,8 milhões de euros) a aquisição de alimentos para os polícias e militares angolanos, segundo uma autorização presidencial.
A autorização consta de um decreto presidencial de 14 de Maio, e que visava especificamente o Pacote Logístico, nomeadamente vestuário, calçado, meios de aquartelamento e equipamento de cozinha.
Para o efeito, o decreto assinado pelo Presidente João Lourenço aprova a abertura de um crédito adicional de 9.890 milhões de kwanzas (36,1 milhões de euros) a favor do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas.
No OGE de 2018, o Governo inscreveu uma dotação de 13.187 milhões de kwanzas (48,1 milhões de euros) para o pacote logístico da alimentação e mais 325 milhões de kwanzas (1,1 milhões de euros) para meios de aquartelamento e equipamento de cozinha.
Recorde-se que o ministro da Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, Pedro Sebastião, afirmou no passado dia 6 de Fevereiro de 2018 que as Forças Armadas devem ser auto-suficientes e contribuir, em tempo de paz, para o desenvolvimento económico e social da nação.
O ministro de Estado falou da possibilidade das Forças Armadas serem auto-suficientes no provimento das suas necessidades principais em termos logísticos no que respeita à produção alimentar, mediante projectos agro-pecuários bem concebidos, destinados, numa primeira fase, ao autoconsumo. Por outras palavras, devem trocar as armas por enxadas, as balas por sementes. Não está mal, reconheça-se. Só falta saber se os militares estarão receptivos a entrar nesta nova “guerra”.
Pedro Sebastião informou que o Comandante-em-Chefe das FAA, João Lourenço, já colocou à disposição meios para as tornar auto-suficientes em alguns domínios contribuir para a poupança de divisas, diversificação da economia e criando empregos.
Sublinhou Pedro Sebastião que saber fazer melhor com menos se impõe no cumprimento dos programas e planos de trabalho, superiormente orientados, e que compete às chefias militares papel decisivo para uma racional e eficaz organização na utilização dos meios.
Recorde-se que, em Junho de 2017, o Governo anunciou que iria investir mais de 10 milhões de euros na criação de uma empresa pública para produzir calçado e uniformes militares.
A constituição da Empresa Fabril de Calçados e Uniformes – Empresa Pública (EP) foi aprovada em reunião de Conselho de Ministros a 7 de Junho de 2017 e o decreto presidencial com a sua formalização publicado em Julho.
O documento refere a “necessidade de se reduzir os custos de importação de uniformes e calçados militares” para justificar a criação desta fábrica estatal, mas também a “importância estratégica” que representa essa produção, sobretudo para os efectivos militares.
A empresa, com sede na zona industrial do Cazenga, arredores de Luanda, poderia ainda estabelecer filiais ou sucursais noutros pontos do país ou mesmo representações no exterior do país, conforme previsto no seu estatuto orgânico.
A sua criação implicaria um capital estatutário inicial, público, de 1.920 milhões de kwanzas (10,1 milhões de euros), entre capital fixo e circulante, ficando sob tutela do Ministério da Defesa Nacional.
Apesar de ter por como “objecto principal a confecção de calçados e uniformes militares”, a empresa poderá exercer outras actividades comerciais “desde que não prejudiquem a prossecução do seu objecto principal”.
Recorde-se que em 2015 foi noticiado que Angola aprovou a compra de fardamento e outro equipamento militar no valor de 44,6 milhões de dólares (quase 40 milhões de euros) a uma empresa chinesa.
Segundo um despacho do Presidente angolano autorizando a compra, o negócio envolvia a China Xinxing and Export Corporation, que segundo informação da própria empresa conta com 180.000 trabalhadores e mais de 50 subsidiárias da área militar, como fábricas de vestuário, calçado e protecção individual.
Registe-se também que, falando na Assembleia Nacional, em Luanda, em Outubro de 2015, o então vice-Presidente da República, Manuel Vicente, ao ler o anual discurso sobre o estado da nação em nome do Presidente da República, explicou que as FAA e a Polícia Nacional deviam igualmente avançar com programas próprios que contribuam para a produção de alimentos, vestuário ou calçado, e para satisfazer as suas necessidades, bem como para a construção de infra-estruturas civis, utilizando as capacidades da engenharia militar para apoiar o Estado.
“Há experiências similares bem-sucedidas no Egipto, em Cuba, na China e em França nas quais nos podemos inspirar. Não nos podemos esquecer que nos chamados Estados Providência, em que os governos davam quase tudo de graça aos cidadãos, os seus regimes entraram em crise ou foram à falência”, afirmou o então vice-Presidente Manuel Vicente.