A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola está a investigar a propriedade dos imóveis da China International Fund Angola, cuja apreensão foi anunciada na terça-feira no âmbito da recuperação de activos do Estado angolano. Primeiro “prende-se” e depois investiga-se. Não está mal. É, aliás, assim que se faz nas mais relevantes democracias do mundo, que o MPLA copia, casos da Coreia do Norte ou da Guiné Equatorial.
Na terça-feira, como o Folha 8 noticiou, a PGR anunciou a apreensão de mais de mil imóveis inacabados, edifícios, estaleiros e terrenos na urbanização Vida Pacífica e no Kilamba, nos arredores de Luanda, que se encontravam na posse das empresas chinesas China International Fund, Limited (CIF Hong Kong) e China International Fund, Limitada (CIF Angola)
“Sabe-se que estes imóveis foram pagos com fundos públicos, mas não estavam na esfera patrimonial do Estado e foi isso que ditou a apreensão”, adiantou uma fonte da Procuradoria. Em paralelo, decorre um processo-crime para se apurar quem detinha estes bens, acrescentou.
Estarão a ser investigados os cidadãos Fernando Gomes dos Santos e Samora Borges Sebastião Albino, ligados à empresa China International Fund, Lda (CIF Angola).
A investigação da PGR aos imóveis construídos com fundos públicos persegue igualmente a empresa China International Fund – CIF Limited (CIF Hong Kong), cujos responsáveis ainda não foram identificados, indica o órgão oficial do MPLA, o Jornal de Angola.
Na quinta-feira, a televisão pública do MPLA, TPA, avançou que o general Leopoldino do Nascimento “Dino” seria o proprietário dos edifícios, creches e clubes náuticos apreendidos, o que este negou entretanto, através de um comunicado.
De acordo com uma fonte citada pelo Jornal de Angola, o património do Zango 0 (Vida Pacífica) está avaliado globalmente em 117,16 mil milhões de kwanzas (cerca de 218 milhões de euros. O Kilamba Cinzento (como é denominado) está estimado em 146,45 mil milhões de kwanzas (cerca de 273 milhões de euros).
Dos imóveis apreendidos, menos de 5% estavam habitados e a forma como os proprietários beneficiaram dos imóveis não está clara do ponto de vista legal, indica o jornal do regime.
A lista de bens apreendidos a pedido do Serviço Nacional de Recuperação de Activos inclui 24 edifícios, duas creches, dois clubes náuticos e três estaleiros de obras, bem como terrenos adjacentes, numa área total de 114 hectares, na urbanização Vida Pacífica (distrito urbano do Zango, município de Viana, em Luanda).
Da mesma lista fazem parte 1.108 imóveis inacabados, 31 bases de construção de edifícios, 194 bases para construção de vivendas, um estaleiro e terrenos adjacentes, totalizando 266 hectares, no distrito urbano do Kilamba (município de Belas, em Luanda).
Em Abril do ano passado, a PGR já tinha anunciado a recuperação de 262 milhões de euros ao consórcio CIF Angola, na qualidade de entidade gestora do projecto de construção do novo Aeroporto Internacional de Luanda.
O processo de inquérito foi instaurado depois de uma fiscalização das obras do novo aeroporto internacional feita pelo Ministério dos Transportes.
O novo Aeroporto Internacional de Luanda, localizado na comuna do Bom Jesus, município de Icolo e Bengo, cuja construção teve início em 2007, deveria ter entrado em funcionamento em 2017.
A CIF Limited é uma empresa privada chinesa com sede em Hong Kong e um escritório em Pequim, fundada em 2003 para financiar projectos de reconstrução nacional e desenvolvimento de infra-estruturas nos países em desenvolvimento, principalmente em África.
Em Angola participou na construção de vários empreendimentos sociais e detém vários empreendimentos, incluindo uma fábrica de cimento, na localidade de Bom Jesus, em Luanda.
Segundo um relatório do centro de estudos britânico Chatham House, publicado em 2009, a CIF teria ligações à China Angola Oil Stock Holding Ltd, que negociaria com o petróleo angolano através da China Sonangol International Holding.
Entre os directores da China Sonangol International Holding estaria Manuel Vicente, ex-presidente da petrolífera estatal angolana e ex-vice-Presidente de Angola.
Estertor (do regime) é bem visível
Manuel Vicente foi acusado pelo Ministério Público português por crimes de branqueamento de capitais, lavagem de dinheiro e corrupção. Esta acusação era, continua a ser, grave e levou o Executivo a inclusive fazer um suposta prova de vida (barrando a entrada no país da ministra da Justiça de Portugal) que, bem vistas as coisas, nada mais é do que o estertor próprio de um regime moribundo.
O Governo de José Eduardo dos Santos (que, recorde-se, tinha João Lourenço como ministro da Defesa) classificou como “inamistosa e despropositada” a forma como as autoridades portuguesas divulgaram a acusação do Ministério Público de Portugal ao vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, e alertou que essa acusação ameaçava as relações bilaterais. Já como Presidente, João Lourenço subscreveu a estratégia.
A posição oficial do regime surgiu numa nota do Ministério das Relações Exteriores protestando “veementemente contra as referidas acusações, cujo aproveitamento tem sido feito por forças interessadas em perturbar ou mesmo destruir as relações amistosas existentes entre os dois Estados”.
Pelos vistos, no entendimento dos peritos do regime, dos de ontem e dos de ontem que agora são de hoje, Manuel Vicente é mesmo culpado. O Ministério Público português acusou, não julgou. No entanto, pela reacção do regime angolano, é de crer que o então vice-Presidente da República tenha mesmo praticado os actos de que é acusado. Isto porque, num Estado de Direito (que Angola não é), até ser julgado e eventualmente condenado Manuel Vicente é inocente.
No documento do regime angolano, refere-se que as autoridades angolanas tomaram conhecimento “com bastante preocupação, através dos órgãos de comunicação social portugueses”, da acusação do Ministério Público português “por supostos factos criminais imputados ao senhor engenheiro Manuel Vicente”.
Para o Governo de ontem como para o de hoje, a forma como foi veiculada a notícia constituiu um “sério ataque à República de Angola, susceptível de perturbar as relações existentes entre os dois Estados”.
O regime angolano tinha e tem razão. Se em Angola não há separação de poderes, por que carga de chuva Portugal permitiu – sobretudo nas relações com os altos dignitários do regime angolano – que essa separação existisse? Francamente.
“Não deixa de ser evidente que, sempre que estas relações estabilizam e alcançam novos patamares, se criem pseudo-factos prejudiciais aos verdadeiros interesses dos dois países, atingindo a soberania de Angola ou altas entidades do país por calúnia ou difamação”, sublinhava a nota do regime.
Nem mais. Investigar e depois acusar são, para o regime angolano, provas inequívocas de calúnia e difamação. Por alguma razão, que Portugal deveria levar em conta, em Angola até prova em contrário todos são culpados. Já no estrangeiro, todos os cidadãos ligados ao regime são inocentes, sempre inocentes, sejam quais forem as provas.
As autoridades angolanas consideraram que, juntamente com Portugal, as suas relações deviam concentrar-se “nas relações mutuamente vantajosas, criando sinergias e premissas para o aprofundamento da cooperação económica, cultural, política, diplomática e social, como meio de satisfação dos interesses fundamentais dos seus povos”.
Admite-se que, eventualmente, e na perspectiva de “relações mutuamente vantajosas”, o próximo Procurador-Geral da República portuguesa seja o general Hélder Pitta Grós, o impoluto e honorável PGR do MPLA.
Ao mostrar que não gostou da acusação de corrupção activa e branqueamento feita por Portugal contra o então vice-presidente Manuel Vicente, o regime resolveu mostrar a razão da sua força (na crónica ausência da força da razão) adiando “sine die” a visita de Francisca Van Dúnem.
Na altura, o Folha 8 perguntou ao ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, se com esta atitude José Eduardo dos Santos deu também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”? Não tivemos resposta.
Aliás, segundo o Folha 8 apurou na altura, o embaixador itinerante do regime (hoje embaixador na Guiné Equatorial), Luvualu de Carvalho, manifestou à RTP o seu desagrado por a “estação do Estado português” ter ilustrado uma peça sobre esta questão usando e mostrando o que o Folha 8 escrevera.