O Fundo Monetário Internacional (FMI) aprovou esta sexta-feira o pagamento de 247 milhões de dólares a Angola, no seguimento da aprovação da segunda avaliação do programa de ajustamento financeiro, num total de 3,7 mil milhões de dólares. O “aluno” está a portar-se bem, segundo as regras dos que mandam. Quanto aos “escravos” (20 milhões de pobres) estão em primeiro lugar… logo a seguir ao último.
“O conselho de administração do FMI completou a segunda revisão do programa económico de Angola, apoiado por um Programa de Financiamento Ampliado, desbloqueando o acesso a cerca de 247 milhões de dólares [222 milhões de euros], o que eleva o total dos pagamentos para 1,48 mil milhões de dólares”, lê-se numa nota de imprensa divulgada pelo Fundo.
No comunicado, a instituição afirma que a Angola “continua a enfrentar um ambiente externo deteriorado” e alerta que isso “está a pesar na perspectiva de evolução da economia”.
O FMI aprovou também os pedidos do Governo angolano relativamente a ajustamentos aos critérios de avaliação do cumprimento do programa, nomeadamente no que diz respeito às reservas internacionais e à não acumulação de dívidas atrasadas externas, bem como algumas modificações a três metas indicativas: aumentar os limites da acumulação de atrasos nos pagamentos atrasados, na dívida pública, e um novo tecto indicativo sobre a emissão de garantias estatais.
Para além disso, o Fundo aceitou ainda que Angola possa ter alterações ao prazo de cumprimento de seis indicadores estruturais, e cinco novos indicadores relacionados com a consolidação orçamental e a transparência, e para apoio à reestruturação do sector financeiro.
No seguimento da divulgação da aprovação da segunda fase do programa de três anos, que começou em Dezembro do ano passado, o director executivo em exercício do FMI, Tao Zhang, comentou que “as autoridades angolanas têm mantido o seu empenho no programa apesar de um ambiente externo e interno desafiador” e acrescentou que este empenho é exemplificado “pelo desempenho acima do previsto, por uma larga margem, dos valores do défice orçamental primário não petrolífero de Junho”.
A disciplina orçamental sustentada, continuou o responsável, “é necessária para lidar com as vulnerabilidades da dívida”, aconselhando o Governo a “insistir em medidas de mobilização das receitas não petrolíferas, de fortalecimento da gestão das contas públicas, melhorias na gestão da dívida e aumento da transparência das empresas públicas, tudo para garantir que os ganhos da consolidação orçamental vão ser preservados a médio prazo e que os elevados riscos à sustentabilidade sejam mitigados”.
Sobre a liberalização cambial promovida pelo Banco Nacional de Angola, o que levou a uma desvalorização significativa do kwanza no último mês, o FMI reconhece que o banco “tomou medidas para eliminar os desequilíbrios que ainda persistiam no mercado cambial e reduzir os constrangimentos à formação de preço pelo mercado nos leilões de divisa” e afirma que “a perspectiva monetária foi recalibrada para lidar com as excessivas pressões depreciativas sobre o kwanza”.
Relativamente ao sector financeiro, o FMI diz ainda que “uma implementação atempada e completa da recapitalização e reestruturação do sector é essencial para lidar com os riscos do sector financeiro” e considera que “as revisões da qualidade dos activos de 13 bancos vão enformar a possibilidade de necessidades de recapitalização dos bancos públicos e privados”.
Para além do sector financeiro, o FMI conclui que a diversificação económica tem de ser mantida: “A implementação contínua das reformas estruturais é crítica para a diversificação da economia e para estender as bases de um crescimento económico sustentado e liderado pelo sector privado”, conclui o director executivo em exercício do FMI.
O FMI aprovou em Dezembro do ano passado um programa de ajustamento financeiro para Angola, no valor total de 3,7 mil milhões de dólares, cerca de 3 mil milhões de euros, por um prazo de três anos, ao abrigo do Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facility), para ajudar o país a sair da recessão económica e corrigir os desequilíbrios na balança de pagamento.
O visiómetro deve estar avariado
O FMI prevê um crescimento económico negativo (recessão) de 0,3% do Produto Interno Bruto para Angola este ano, antecipando depois uma expansão de 1,2% em 2020 e uma aceleração para 3,8% em 2024. Como é óbvio, em dois anos o Presidente dos angolanos do MPLA, João Lourenço, não poderia fazer mais. Basta ver o que o MPLA não fez em 44 anos de Poder.
De acordo com o relatório sobre as Perspectivas Económicas Mundiais, divulgado a 15 de Outubro em Washington, os peritos do FMI afirmam que “a economia de Angola, por causa do declínio na produção petrolífera, deve contrair-se este ano e recuperar apenas moderadamente no próximo”.
Por este andar em que o Governo não trabalha nem deixa trabalhar os que querem, para o ano o FMI fará novas revisões das suas perspectivas, em baixa, alertando João Lourenço que é mais rentável (e barato) acabar com os pobres do que acabar com a pobreza.
Para o conjunto da região da África subsaariana, o FMI prevê um crescimento de 3,2% neste ano e de 3,6% em 2020, “o que é ligeiramente mais baixo, em ambos os anos, do que o previsto no relatório de Abril”. Aliás, sempre que o FMI faz previsões é certo que “dispara” para Cabinda e acerta no Namibe.
Nas previsões, o FMI antecipa que a inflação desça de 17,2% este ano para 15% em 2020 e que a balança corrente fique negativa em 2020, em 0,7% do PIB, depois de registar um valor positivo de 0,9% este ano.
O relatório “World Economic Outlook”, não se debruça em pormenor sobre as economias africanas, oferecendo antes uma visão mais global da economia mundial onde a generalidade mascara a imprecisão do particular.
FMI encosta João Lourenço à parede
Quando o governo angolano solicitou o ajustamento do programa de apoio do Fundo Monetário Internacional, adicionando ao mesmo uma componente de financiamento, ficou nas mãos do FMI.
Em termos lusófonos, recorde-se, a história repetia-se e ninguém aprendeu a lição. Com o FMI a mandar, João Lourenço será uma espécie do ex-primeiro-ministro português, José Sócrates. E, com excepção da elite, os angolanos têm de se preparem para o teste final – mostrar que sabem sobreviver sem comer. Seremos nós capazes? Provavelmente sim. Experiência não nos falta.
Recorde-se que no dia 11 de Janeiro de 2011 estava excluída a entrada do Fundo Monetário Internacional em Portugal. O então primeiro-ministro, José Sócrates, garantia que Portugal não precisava de ajuda financeira e que continuava a ter todas as condições para se financiar no mercado internacional. No dia seguinte o FMI entrou, de armas e bagagens, em Lisboa e tomou conta do país.
Em Dezembro de 2009, o então director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, fazia um aviso à navegação: “Os problemas acontecem quando os governos dizem à opinião pública que as coisas estão a melhorar enquanto as pessoas perdem os seus empregos”. João Lourenço não teve conhecimento desse aviso.
“Para alguém que vai perder o seu emprego, a crise não acabou. E isso constitui um alto risco”, afirmou o então director-geral do FMI, acrescentando que “isso também pode, em alguns países, tornar-se um risco para a democracia. Não é fácil administrar esta transição, e ela não será simples para os milhões de pessoas que ainda estarão desempregadas no próximo ano”.
Em Portugal, na altura, admitia-se como provável que em vez de um novo desempregado a cada quatro minutos se conseguisse, com ou o acordo de resgate e fazendo fé nas promessas do governo de então, um desempregado a cada… três minutos.
“A economia mundial somente se restabelecerá quando o desemprego cair”, disse o responsável do FMI. E se assim é (em Portugal foi mesmo assim) os angolanos estão ainda mais lixados.
O que ouvimos do governo
“A minha principal preocupação será com a Economia e como superarmos esta situação de crise que nos tem vindo a afectar. Vamos continuar a apoiar as empresas, tendo em vista a superação das dificuldades em tempo de crise”, diz João Lourenço, como disse Archer Mangueira, como diz Vera Daves.
O ministro das Finanças (seja ele quem for) defenderá o que o FMI mandar defender, ou seja, que Angola está numa situação “mais vantajosa” para reduzir o endividamento depois da crise, considerando que falta apenas melhorar a diversificação e a competitividade da economia.
“O aumento do endividamento é um problema que todos os países vão ter de enfrentar”, dirá agora Vera Daves (ou até mesmo João Lourenço), defendendo que “acabando a crise torna-se muito claro a necessidade de os países retomarem o mais rapidamente possível a estratégia de consolidação orçamental”.
Ou seja, afinal os angolanos não têm nada a temer. Se, por um lado, há muita gente que vive pior (o que parece, segundo o Governo do MPLA, uma boa consolação), por outro, quando a crise passar, uma só refeição já será uma dádiva divina para os que não tinham nenhuma.
Porém, “uma coisa é certa: o facto de termos estes níveis de dívida vai exigir uma política que reforce o potencial de crescimento da economia”. Isso implicará, como sabiamente vai explicar Vera Daves, uma política económica “que aumente a competitividade e reforce o sector exportador.
Antecipando, como lhe compete, os cenários, o Governo dirá que a reacção no pós-crise “coloca na agenda um conjunto de políticas de valorização dos recursos humanos, melhoria de infra-estruturas e mais ciência”.
Folha 8 com Lusa