O presidente cessante da UNITA, Isaías Samakuva, disse hoje que o MPLA, partido que governa Angola há quatro décadas, está em “fim de ciclo” num discurso marcado por duras críticas ao ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Ao contrário de Jonas Savimbi que era fortíssimo com os fortes e condescendente com os derrotados, Samakuva encolhe-se perante João Lourenço, mostrando as garras a Eduardo dos Santos, se bem que as tivesse recolhidas quando ele estava no poder.
Falando na abertura do XIII Congresso Ordinário da UNITA, o principal partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, Isaías Samakuva salientou que os angolanos estão “cansados de sofrer” e “saturados de promessas”.
O ainda líder da UNITA exortou o Presidente da República, João Lourenço, a continuar “a agenda de mudança” da UNITA, que tomou como sua, e atacou “o arquitecto da corrupção que foi forçado a deixar o poder”, aludindo ao antecessor na presidência do país, José Eduardo dos Santos. Só faltou agora, “cantando de galo” (esta expressão significa “sentir-se triunfante, falar de modo arrogante ou autoritário, tentando impor a sua vontade) dizer que foi ele quem obrigou Dos Santos a sair…
“O país já não poderá aguentar esta situação por mais tempo, porque faliu”, denunciou o dirigente do partido do “Galo Negro”, destacando que a UNITA está mais perto do poder.
E acrescentou: “A nossa luta política prolongada, com a nossa política de engolir os sapos da intolerância, os sapos da exclusão e os sapos da fraude, produziu frutos: o povo perdeu o medo, as verdades vieram a lume, o exercício do poder absoluto corrompeu os titulares do poder de forma absoluta e o arquitecto da corrupção foi forçado a deixar o poder”.
Isaías Samakuva sublinhou também que “os cofres ficaram vazios” depois da saída do “arquitecto da corrupção”, questionando o paradeiro dos mais de 130 milhões de dólares (118 milhões de euros) que representam o “valor do diferencial positivo do preço do petróleo que havia ficado por lei sob sua guarda”.
O presidente da UNITA destacou que “Angola não recebeu nenhuma explicação” e mesmo “o novo titular do poder executivo [João Lourenço] também não terá recebido explicações detalhadas sobre a situação financeira real do país”. Com “inimigos/adversários” assim, João Lourenço nem precisa de amigos.
Hoje, destacou o líder do “Galo Negro”, o país está falido “financeiramente” e “moralmente” e Angola chega ao fim de um ciclo, o ciclo do MPLA, preparando-se para entrar no ciclo da UNITA, “o ciclo da consolidação da democracia e do Estado de direito”, o que aumenta também as responsabilidades do partido.
Sublinhando (maquilhando uma forte percentagem de bajulação) que João Lourenço mostrou “coragem” ao adoptar como sua a agenda de mudança da UNITA, apelou a que não fique “pelo meio do caminho” e avance “com determinação para não ser absorvido pelo forte movimento da cidadania em prol da verdadeira mudança” que encontra “forte resistência” no seio do partido que governa Angola há 44 anos.
“Há sabotagem às iniciativas do Presidente da República, porque não há patriotismo, nem coesão”, criticou, notando a subida dos preços, o colapso do sistema de saúde, as rupturas nos serviços públicos, uma situação que “o país não poderá aguentar muito mais tempo porque faliu”.
Para Samakuva, Angola está hoje “novamente sob ataque”, não das forças coloniais, mas “das forças oligárquicas que capturaram o Estado e apoderaram-se da economia para subjugar os angolanos”, um facto que obrigou os políticos “a reconfigurar o discurso e as alianças”.
E quem são essas “forças oligárquicas”? Se calhar do MPLA, não? E onde estava João Lourenço no âmbito dessas mesmas “forças oligárquicas”? Estava dentro. Foi, entre outros cargos de elevadíssimo relevo, vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos.
O líder da UNITA considerou que as fracturas no seio do MPLA, devido ao combate à corrupção, “levam alguns dos seus protagonistas a procurar novos espaços de diálogo e de construção de alianças para a concretização de interesses convergentes”.
O dirigente partidário lamentou, por outro lado, a corrupção “sistémica” de Angola, instituída pelo Estado, “de propósito, para subverter a democracia” e “perpetuar no poder um grupo que não ama Angola, defrauda Angola, endivida Angola sem limites”. Será que nesse grupo está João Lourenço e os seus acólitos? Provavelmente Samakuva diz que “não, sim, talvez, antes pelo contrário…”
O presidente da UNITA defendeu que a luta contra esta corrupção “não pode ser dirigida apenas contra pessoas nem para a satisfação de objectivos pessoais ou de grupo”, devendo antes ser dirigida contra o sistema corruptor e incluir, não apenas a corrupção financeira, mas também política, eleitoral, social, religiosa e judicial. Tem razão. Mas é assim desde sempre, e Samakuva lidera a UNITA há 16 anos.
Samakuva questionou, por isso, se o Presidente da República “ao combater selectivamente e de forma incompleta a corrupção financeira” pretende salvar Angola ou o MPLA, dizendo que “um país dividido entre os que excluíram e os excluídos” precisa de “substituir a ganância de grupos pela solidariedade nacional” e o patriotismo.
Folha 8 com Lusa