O ministro Manuel Domingos Augusto “reconhece” que o Presidente João Lourenço é mentiroso. Segundo o ministro das Relações Exteriores, Angola continua a ter a “pobreza e fome” como alguns “dos maiores desafios em matéria de Direitos Humanos”. Ora, como todos se recordam, João Lourenço afirmou que não havia fome em Angola, explicando que o que há, apenas aqui ou ali, é uma ligeiríssima má-nutrição.
As declarações do ministro das Relações Exteriores de Angola foram feitas na reunião do grupo de trabalho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em Angola 23,9% da população passa fome. Isso mesmo. Passa fome. Diz a FAO que essa percentagem equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”. Isso mesmo, 6,9 milhões.
Os direitos humanos em Angola foram examinados, pela terceira vez, pelo Grupo de Trabalho do Exame Periódico Universal do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, numa sessão que reuniu cerca de 116 Estados-membros da ONU.
Manuel Domingos Augusto, ministro das Relações Exteriores de Angola, abriu a sessão citando os progressos alcançados pela República de Angola, liderada há 44 anos pelo MPLA, e destacando positivamente o aumento da esperança média de vida, a adopção de convenções contra a tortura, o fim da discriminação racial e de géneros, a abolição da pena de morte, o registo de nascimentos, o combate contra a corrupção e tráfico de seres humanos e a violência doméstica (nomeadamente sobre mulheres e crianças).
Esqueceu-se (mero lapso, obviamente) de referir que temos 20 milhões de pobres que, contudo, estão a diminuir porque na tentativa de aprenderem a viver sem comer… muitos morrem.
“A pobreza e a fome continuam a ser um dos maiores desafios em matéria de Direitos Humanos”, admitiu o ministro salientando que o governo tem posto em prática programas para o apoio a famílias necessitadas “especialmente mães solteiras”.
A Revisão Periódica Universal (RPU) envolve o exame periódico da situação dos direitos humanos de todos os 193 Estados-membros das Nações Unidas. Tem como objectivo melhorar a situação dos Direitos Humanos e apoiar os estados de forma a alcançarem melhores resultados em matéria de Direitos Humanos.
Nesta 34ª sessão de avaliação, no quadro do Exame Periódico Universal (EPU), a delegação angolana foi chefiada por Manuel Domingos Augusto, que afirmou ter Angola uma estratégica nacional de Direitos Humanos que visa “reforçar a capacidade interna para promover e corrigir os Direitos Humanos”.
Para o ministro, é “um desafio permanente para o governo de Angola”. O chefe da delegação referiu que o país tem registado “melhorias significativas na área dos Direitos Humanos”, principalmente desde 2017. É que, antes de 2017, nem o ministro nem o Presidente da República, muito menos o MPLA, sabiam o que se passava no país…
Por outro lado, o comité deixou algumas recomendações, com melhorias que devem ser feitas em várias áreas, destacando a pobreza, a fome, as condições de saúde, a violência doméstica, o trabalho infantil, o casamento precoce e o analfabetismo.
Face às recomendações citadas pelos vários Estados-membros, o ministro angolano agradeceu afirmando que “o governo irá fazer o necessário para dar seguimento às recomendações”, concluindo que “algumas delas já se encontram em tratamento”.
“Falou-se muito, aqui, na questão da desminagem. É um elemento importante para o nosso desenvolvimento económico e social”, afirmou o ministro, destacando que “o governo tem colocado a accção de desminagem como prioridade absoluta”.
Outra recomendação citada pelos Estados-membros na revisão foi a questão do direito de manifestação. Quanto ao tema, o ministro afirmou que “está constitucionalmente garantido”.
“Nos últimos dois anos, têm ocorrido manifestações e tudo decorre de forma pacífica”, afirmou o ministro, garantindo que “sempre que se registam abusos por parte das forças de autoridade o governo não hesita em sancionar”.
O chefe da delegação concluiu a sessão agradecendo a todos pelas recomendações tomando nota da ênfase dada à “problemática da mulher e da criança” mas também “às minorias étnicas”, garantindo que as recomendações citadas pelos Estados-membros são “exequíveis”.
A administração da justiça e a reforma do sistema judicial, a liberdade de expressão e dos meios de comunicação social, a liberdade de associação e de reunião, ou mesmo o registo das organizações não-governamentais (ONG), foram alguns dos temas debatidos. Também foram avaliadas questões como o sistema prisional, a prisão preventiva e os direitos dos presos, entre outros assuntos.
Recorde-se mais uma vez e sempre que for oportuno, que o Presidente da República, João Lourenço, mentiu quando, na entrevista à RTP por ocasião de visita de Marcelo Rebelo de Sousa, disse que não há fome em Angola, retratando que o que há, apenas aqui ou ali, é uma ligeiríssima má-nutrição. E com ele mentiram também o Presidente do MPLA, João Lourenço, e o Titular do Poder Executivo, João Lourenço.
Provavelmente João Lourenço deve ter feito estas declarações depois de um frugal e singelo almoço, do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e várias garrafas de Château-Grillet 2005.
Compreende-se (isto é como quem diz!), que tenha arrotado esta (e outras) mentira em solidariedade com os nossos 20 milhões de pobres que, por sua vez, arrotam à fome e morrem a sonhar com uma refeição.
Em 2018, os próprios dados governamentais davam conta que Angola tinha uma taxa de desnutrição crónica na ordem dos 38 por cento, com metade das províncias do país em situação de “extrema gravidade de desnutrição”, onde se destacava o Bié, com 51%.
As províncias do Bié com 51%, Cuanza Sul com 49%, Cuanza Norte com 45% e o Huambo com 44% foram apontadas, na altura, pela chefe do Programa Nacional de Nutrição, Maria Futi Tati, como as que apresentavam maiores indicadores de desnutrição.
“São cerca de nove províncias que estão em situação de extrema gravidade de desnutrição, sete províncias em situação de prevalência elevada e duas províncias em situação de prevalência média”, apontou Maria Futi Tati, em Junho de 2018.
Folha 8 com Lusa