O arcebispo emérito de Benguela, em Angola, Eugénio Dal Corso, hoje investido cardeal pelo Papa Francisco, considera que o país está a melhorar, embora ainda exista muita pobreza, e destacou o combate à corrupção por parte do actual Governo. Digamos que, como fizeram outros altos responsáveis da Igreja Católica no tempo de José Eduardo dos Santos, bajular quem está no Poder é estar mais próximo dos bens materiais e, é claro, bem mais longe do Povo.
“A ngola está a melhorar. A gente está muito contente com o novo Presidente da República”, João Lourenço, declarou à agência Lusa Eugénio Dal Corso, de 80 anos, reconhecendo que há, porém, “muito trabalho” a fazer.
Segundo o cardeal, que continua o trabalho missionário apesar da idade, agora no Cuando-Cubango, Diocese de Menongue, “uma das províncias mais pobres e humildes”, ainda há “muita pobreza e muita dificuldade, mas o país está a caminhar num caminho bom”.
Referindo estar há 33 anos em Angola, o cardeal afirmou que o país “é muito lindo” e “potencialmente muito rico, mas, lamentavelmente, a população é ainda muito pobre”. “Mas está a melhorar um pouco”, insistiu, desafiando: “E que Portugal nos ajude também a melhorar Angola”.
Eugénio Dal Corso admitiu que “o problema do país era a corrupção e agora o Presidente (…), a finalidade do seu Governo, é combater a corrupção e está a fazer isto”, acrescentando: “Claro que tem muito a fazer”.
“Muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. Como muito bem sabe Eugénio Dal Corso, esta é, por muito que nos custe, a realidade do nosso país. Pena é que a Igreja Católica, por exemplo, tenha medo da verdade. Não foi a alteração de Presidente, que mudou as coisas.
O MPLA está no Poder há 44 anos. Eugénio Dal Corso está no país há 33, o que é tempo mais do que suficiente para saber que filho de jacaré, mesmo que “domesticado”, continua a ser jacaré e a não ser vegetariano.
Será que Eugénio Dal Corso se recorda, por exemplo, do que D. José de Queirós Alves, arcebispo do Huambo, afirmou em Julho de 2012 na comuna de Chilata, município do Longonjo, a propósito das eleições?
O prelado referiu que o povo angolano tinha muitas soluções para construir uma sociedade feliz e criar um ambiente de liberdade onde cada um devia escolher quem entender.
“Temos de humanizar este tempo das eleições, onde cada um apresenta as suas ideias. Temos de mostrar que somos um povo rico, com muitas soluções para a construção de uma sociedade feliz, criar um ambiente de liberdade. É tempo de riqueza e não de luta ou de murros”, frisou.
”Em Angola, a administração da justiça é muito lenta e os mais pobres continuam a ser os que menos acesso têm aos tribunais”, afirmou em 2009 (nada de substancial mudou até agora), no mais elementar cumprimento do seu dever, D. José de Queirós Alves, em conversa com o então Procurador-Geral da República, general João Maria Moreira de Sousa.
D. José de Queirós Alves admitia também (tudo continua na mesma) que ainda subsiste no país uma mentalidade em que o poder económico se sobrepõe à justiça. O que pensará disso Eugénio Dal Corso, dois anos depois de João Lourenço chegar a Presidente e depois de ter sido Ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos e durante décadas alto dirigente do MPLA?
O arcebispo pediu maior esforço dos órgãos de justiça no sentido das pessoas se sentirem cada vez mais defendidas e seguras: “O vosso trabalho é difícil, precisam ter atenção muito grande na solução dos vários problemas de pessoas sem força, mas com razão”.
Importa ainda recordar, a bem dos que não têm força mas têm razão, que numa entrevista ao jornal “O Diabo”, em 21 de Março de 2006 (13 anos depois tudo continua na mesma), D. José de Queirós Alves disse que “o povo vive miseravelmente enquanto o grupo ligado ao poder vive muito, muito bem”.
Nessa mesma entrevista ao Jornalista João Naia, o arcebispo do Huambo considerou a má distribuição das receitas públicas como uma das causas da “situação social muito vulnerável” que se vive Angola.
D. Queirós Alves disse então que, “falta transparência aos políticos na gestão dos fundos” e denunciou que “os que têm contacto com o poder e com os grandes negócios vivem bem”, enquanto a grande massa populacional faz parte da “classe dos miseráveis”. Estará o nosso país assim tão diferente, cardeal Eugénio Dal Corso?
Folha 8 com Lusa