O país acordou, no dia 24 de Julho, confirmando estar a viver um dos mais intrigantes capítulos de indefinição política, com mais uma rotação ministerial, perdão, remodelação, na lógica da amarra partidocrata, que roda, roda e fica, a roda, numa cega e surda inamovibilidade, faz 43 anos, destruindo conquistas e construindo arranha-céus de “nadas”…
Por William Tonet
A transformação “ab initio” (11.11.1975) do país num laboratório de “linha vermelha”, onde a eleição unanimista de quadros para a gestão e chefia dos órgãos do Estado, como se este fosse, tenha de ser, crónico e eterno prisioneiro de uma ideologia, tem sido desastrosa e em muitas ocasiões (importa dizê-lo com tidas as letras) criminosa.
Urge mudar.
É hora de deixar de olhar o anormal como normal, porque nesta gincana é chegado o minuto para se ver além do horizonte e penalizar as aberrações absolutistas, principalmente, na gestão da coisa pública, por visar a vida de milhões e milhões de angolanos de boa-fé, que acreditaram ser a independência melhor que a colonização.
Hoje muitos, principalmente todos quantos fizeram a travessia entre colono português (branco) e proclamadores da independência (negros), sentem com nostalgia a perca de privilégios, que mesmo sob chicote, muitos pretos já usufruíam, nos anos 60 e 70, do século XX.
Nas muitas sanzalas e bualas do interior, não havia energia eléctrica, mas os habitantes tinham energia, iluminando as casas no período nocturno, com os famosos petromax (candeeiros com um reservatório de petróleo e uma camisinha que propagava a luz), bebiam água, otchissangua ou sumos gelados, tal como conservavam alimentos, carnes e peixe, frescos nos congeladores de geleiras movidas a petróleo.
Muitos autóctones tinham fiado no comércio colonial e contraiam empréstimos bancários, podendo pagar às prestações, face à estabilidade no emprego ou venda da sua produção. A agricultura familiar era incentivada e uma rede fluída de compra e distribuição dos produtos do campo, não permitia o apodrecimento destes, na fonte, porque as velhas carrinhas Bedford e outras rasgavam o país, na recolha, também, de produtos agro-pecuários indígenas.
Acabar com ganhos, na agricultura e indústria implantadas, sob a justificativa da criação de uma economia centralizada, de viés socialista para, alegadamente, atender à maioria pobre angolana, mas que, paradoxalmente, os próprios arautos e mentores, para além da retórica verbal, dela não tinham formação e prática, constituiu um dos maiores crimes praticados, pelo actual regime, contra o sistema produtivo herdado dos colonialistas portugueses.
E é ou pode ser considerado crime, sim, porque ao invés de potenciar e melhorar a vida da maioria, a piorou, beneficiando, apenas a pequena oligarquia partidocrata, que passou de proletária a proprietária voraz, suplantando em pouco tempo, o próprio colonialismo português.
E o crime torna contornos maiores, diabólicos, danosos e dolosos, quando se transformou, de forma institucional, as fábricas industriais em armazéns de revenda, destruir a indústria açucareira, por razões ideológicas, para importar açúcar de Cuba, inflacionado, mandando para o desemprego milhares de trabalhadores do Bengo a Benguela. Destruíram o que poderia ser um orgulho da nova indústria angolana, pela resistência de intrépidos trabalhadores da Baixa de Kassanji (um símbolo de resistência, contra a exploração colonial), destruindo a produção de algodão, que alimentava uma próspera indústria têxtil, obrigada a ceder lugar aos produtos importados e manufacturados da China.
O HERDADO E NUNCA SUPERADO
As razões de nunca se ter conseguido superar, os níveis de 1973, um desafio que Agostinho Neto se propôs ultrapassar, deveu-se, em grande parte, à incompetência e à discriminação feita pelos regime, a todos quantos não comungassem, mesmo tendo competência, a ideologia.
A economia familiar, semi-industrial e industrial herdada deveria ser blindada, com um ousado pacote legal, pelos proclamadores da independência, que mesmo hoje deveria dar certo, mais do que as teses e opções económicas neo-liberais de viés ocidental e que não deram certo no país que as pariu, tal a inversão pelos danos causados as próprias economias.
Um governo responsável a primeira medida para fomento da produção entre o campo e a cidade deveria ser:
1- Abolição dos impedimentos à livre circulação de mercadorias no espaço nacional, proibindo a Polícia de cobrar discricionariamente, aos camionistas uma propina (gasosa);
2 – Criar um sistema de fomento interter-territorial para as províncias que consigam acabar com a fome, no seu espaço territorial e ainda ter excedente para exportação interna e externa;
3 – Liberalizar as transacções de mercadorias, serviços e capitais ligados ao fomento produtivo e desenvolvimento regional e nacional;
4 – Flexibilização e isenção de impostos, a todos empresários, na implantação de indústrias, principalmente, no interior, junto das fontes de matéria-prima;
5 – Liberalização dos direitos aduaneiros, aos pequenos e médios empreendedores, como garantia de fomento de emprego e estabilidade social das famílias;
6 – Isentar de impostos durante 10 anos a implantação de grandes indústrias, que optem pela incorporação de matéria-prima nacional e garantam mais de 200 trabalhadores de carteira assinada;
7 – Incentivar e isentar de impostos por um período de 15 anos, investimentos, para a recuperação das médias e grandes indústrias; têxtil, café, algodão, celulose, açúcar, milho, algodão, transformação de pescado, pedras rochosas e preciosas, sisal e da indústria transformadora;
8 – Fomentar e financiar a educação técnico-profissional, mesmo a privada, virada para a formação de professores primários e secundários, regentes agrícolas, contabilistas, gestores administrativos, enfermeiros, mecânicos, serralheiros, carpinteiros, tractoristas, etc., importantes para o desenvolvimento do interior;
9 – Criar incentivos salariais e outros para quadros que se fixem e contribuam para o desenvolvimento das províncias e municípios, no interior do país. Exemplo: um enfermeiro que ganha 150 mil Kwanzas, em Luanda, se for destacado para os Gambos (interior da Huíla) ou Buco Zau (interior de Cabinda), passa a auferir 250 mil Kwanzas. Isso contribuiria para desafogar as grandes cidades, reanimando a mobilidade de quadros.
O país precisa de credibilização interna, através do cadastramento de todas as valências intelectuais, técnicas e académicas, para um real aproveitamento de cada um, sem a contínua opção de só privilegiar quadros de um partido, como se fossem os únicos angolanos ou competências para o mando, quando a prática de 43 anos, mostra o contrário.
É preciso recuperar e ultrapassar os índices da indústria transformadora, atingidos nos anos 1960, que atingiu a taxa média anual de 17,8 % e o Produto Interno Bruto 10% em termos nominais.
Em 1973, a indústria angolana (com excepção da construção civil) representava 41% do PIB (26% em 1960) e a indústria transformadora contribuía, em média, com cerca de 62% do valor bruto da população industrial e os sectores extractivos e derivados de pesca com 32% e 6%, respectivamente. A liderar estava a indústria de alimentação, com 36% do valor bruto da produção do sector transformador; seguia-se a indústria têxtil, com 32%, bebidas, com 11%, química, produtos minerais não metálicos e tabaco, com 5%, derivados de petróleo e produtos metálicos, com 4%, pasta de papel, papel e derivados, com 3%.
Recorde-se que estes índices, segundo os estudos, foram alcançados no período da guerra pela independência nacional, logo deveria servir de barómetro e um orgulho, para os dirigentes no poder, se conseguissem, ultrapassar as últimas taxas de 1974, em que a economia da ex-província ultramarina de Angola atingiu a taxa média anual de crescimento do PIB de 7,8%, segundo dados do Banco Mundial.
Ora, o diagnóstico para a resolução das grandes dificuldades económicas, não é muito difícil, pois o caminho está desbravado, falta, para nossa desgraça colectiva, desbravar as mentes dos dirigentes do partido do regime que resiste a abrir-se às contribuições de todos os angolanos, independentemente da chapa partidária ou visão ideológica de cada um. Rememore a crítica do presidente do MPLA, contra a empresária Filomena, da Huíla, sobre a visão barroca da AGT e instituições de Luanda, que confirmam o atrás vertido.
Será necessário um simples toque de mágica ou uma sublevação social para fazer renascer, um verdadeiro, geral e abstracto, sentimento patriótico de quem está no leme do país. Isso porque a militância ideológica não tem cordão umbilical, nem secundinas enterradas, mérito do comum cidadão, ligado a Angola, desde o nascimento, logo, qualquer nacionalista sério deve, privilegiar, servir, primeiro e em último lugar o “semelhante – eleitor”, bem como o torrão que o pariu, para que os erros, malefícios, actos danosos e dolosos, lhe levem a pensar em todos do todo, não catapultando sempre a discriminação ideológica que mata a esperança da maioria.