A secretária-executiva da Comissão Económica das Nações Unidas para a África (UNECA), Vera Songwe (na foto recebendo a bênção de João Lourenço), elogiou as “reformas ambiciosas” do Presidente angolano, para diversificar uma “economia monolítica”, suportada pelo sector do petróleo. Para além da diversificação que consta de caderno de promessas de João Lourenço, ainda nada se viu. Mas é preciso ter calma. Os 20 milhões de angolanos pobres continuam a dar o seu contributo, aprendendo a viver sem… comer.
Em declarações à Lusa, à margem dos encontros anuais do banco pan-africano Afreximbank, que decorreram em Moscovo, Vera Songwe, que esteve recentemente em Angola, elogiou as “reformas muito ambiciosas e corajosas” do Governo, esperando que os seus resultados “permitam um crescimento económico muito em breve”. Quais resultados? Em breve? Quando?
A lei do investimento, que liberaliza o acesso ao mercado, e a facilitação de vistos são dois exemplos de medidas que poderão contrariar a actual dependência do sector petrolífero. É exactamente isso, poderão. É como os medicamentos. Poderão salvar vidas. Mas, para que isso possa ser possível, é preciso que os doentes os tomem. Não basta estar na lei.
“A economia de Angola é monolítica” e são necessárias “reformas difíceis” para “diversificar a economia”, afirmou Vera Songwe. São tão difíceis, é verdade, que há 44 anos que o MPLA é governo e ainda não as conseguiu implementar. É claro que quem tem a barriga cheia pode, com facilidade, falar dos que passam fome.
A responsável considerou que “muitas das reformas serão complexas” porque envolvem o combate à inflação, reforço dos sistemas de monitorização e da justiça, o que irá encontrar resistências no tecido económico e político angolano.
“A minha sensação é que quando se está a fazer este tipo de reformas o difícil é manter o curso”, disse a dirigente das Nações Unidas.
Recorde-se que o Presidente angolano (não nominalmente eleito), também Presidente do MPLA (partido no poder desde 1975) e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, o economista guineense Carlos Lopes e a gestora luso-sul-africana Maria Ramos integram a lista dos 100 africanos mais influentes de 2019 ao lado de nomes como Elon Musk ou Idris Elba.
Com alguma piada, bem elucidativa por sinal, também lá está Carlos Saturnino…
A lista, elaborada pela África Report, do grupo de comunicação Jeaune Afrique, foi publicada na edição do segundo trimestre deste ano (Abril, Maio e Junho) da revista e inclui ainda outro lusófono, Carlos Saturnino, na altura (que chatice!) presidente da companhia estatal de petróleos de Angola, Sonangol, que ocupa o 99º lugar.
O chefe de Estado angolano ocupa a 82ª posição, com a revista a considerar que “a nova vassoura de Angola ainda está a varrer os restos do antigo regime corrupto” no qual, aliás, João Lourenço teve papel activo, nomeadamente enquanto vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos.
Aponta que João Lourenço ainda tem “muito trabalho a fazer” para fortalecer uma economia muito dependente das receitas do petróleo, considerando que haverá muitos mais desafios que provarão se o Presidente angolano está à altura da tarefa.
Na 85ª está o economista guineense Carlos Lopes, ex-presidente da Comissão Económica das Nações Unidas para África e actualmente professor na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, onde ensina governação.
A revista destaca o seu trabalho na promoção de uma zona livre de comércio em África, apontando que actualmente se dedica à análise de como o “Green New Deal” pode ser aplicado em África.
O ex-presidente da Sonangol, Carlos Saturnino, ocupa o 99º lugar, com a África Report a considerar que a sua liderança da empresa de petróleos estatal angolana, que teve lucros de 17.7 mil milhões de dólares em 2018, lhe dá uma “enorme influência” na trajectória de crescimento do país. Viu-se. Escolhas por encomenda têm destas coisas.
A lista é encabeçada pelo nigeriano Aliko Dangote, o africano mais rico do mundo, com uma fortuna estimada em 10.3 mil milhões de dólares, e inclui nomes como o do empresário sul-africano da Tesla, Elon Musk (2º), o co-laureado com o Nobel da Paz em 2018 e cirurgião congolês, Denis Mukwege (19º), o empresário britânico de origem sudanesa, Mo Ibrahim (21º) ou o actor britânico de origem ganesa, Idris Elba.
A autora e intelectual nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie é a africana mais influente, ocupando a 4ª posição, numa lista em que constam outras mulheres como a actriz Lupita Nyongo, do Quénia (42ª posição), ou a secretária executiva da Comissão Económica das Nações Unidas para África, Vera Songwe, dos Camarões.
A gestora luso-sul-africana Maria Ramos, natural de Lisboa e que em Janeiro anunciou a saída da presidência de um dos maiores grupos financeiros africanos (Absa Group Limited) com sede em Joanesburgo, ocupa a 32ª posição.
A revista considera que Maria Ramos “precisa de um desafio novo” e adianta que na África do Sul são muitos os que especulam sobre o “papel central” que ela poderá ter num eventual novo governo do Presidente, Cyril Ramaphosa, após as eleições de Maio.
Maria Ramos desempenhou o cargo de directora-geral do Ministério das Finanças [1996-2003] no mandato do antigo Presidente Nelson Mandela, tendo sido nomeada para o cargo de presidente do Grupo Absa em Março de 2009, após dirigir a estatal de transportes sul-africana, Transnet, desde Janeiro de 2004.
A face (oculta) da outra verdade
Quando o Presidente João Lourenço marcou presença no Fórum Económico Mundial (WEF) na cidade suíça de Davos, disse ao mundo que os ventos de mudança estavam a soprar em Angola. E disse-o mais ou menos com a mesma convicção com que, mais recentemente, afirmou que não havia fome em Angola. A sua mensagem aos investidores foi clara: As perspectivas económicas pareciam desanimadoras, mas o Presidente foi peremptório ao prometer (sem efeitos práticos até agora) que o péssimo registo de corrupção em Angola, a dependência excessiva do petróleo e a má gestão dos fundos públicos acabara.
Enquanto esteve em Davos, João Lourenço repetiu a mesma receita junto das principais partes interessadas, incluindo Christine Lagarde – directora geral do Fundo Monetário Internacional (FMI); o primeiro ministro de Portugal, António Costa; e Sergey Ivanov – o director executivo da mineradora de diamantes da Rússia, Alrosa.
Embora João Lourenço aposte forte em medidas de diversão, exonerações e programas para tudo e mais alguma coisa, a verdade é que o cepticismo dos que não são pagos pelo MPLA está a crescer. O África Confidential escreveu até que “a sua lua-de-mel estava a chegar ao fim à medida que o foco público se deslocava para a economia”.
O professor de Economia, Justino Pinto de Andrade, da Universidade Católica de Angola, disse ao The África Report que duvidava que a cultura do patrocínio tenha mudado, já que João Lourenço “se envolveu com as mesmas pessoas que dos Santos”. Até mesmo Marcolino Moco, que João Lourenço nomeou para o cargo honorífico e decorativo de director não executivo da estatal Sonangol, em Setembro de 2018, também ganhou espaço mediático quando, em entrevista à Jeune Afrique, em Paris, ameaçou renunciar-se se Lourenço não cumprisse suas promessas. João Lourenço está a simular que cumpre e Moco não se demite.
O posicionamento de João Lourenço como um político de origens modestas e a determinação declarada de (como indicavam todos os estudos como uma infalível bandeira propagandística) erradicar a corrupção começa a mostrar que o regime está em sérias dificuldades para fazer com que a montanha consiga parir um… ratinho. As figuras-chave do antigo regime continuam a ser tão influentes como nunca, apesar do aparente expurgo, durante o qual João Lourenço demitiu os filhos do ex-presidente, José Eduardo dos Santos, das suas funções na Sonangol e no fundo soberano FSDEA.