Seis meses depois de a Assembleia Nacional angolana ter aprovado a Lei sobre Repatriamento Coercivo de Capitais, os cofres do Tesouro de Angola receberam (isto é como quem diz) cerca de 4.000 milhões de dólares (3.630 milhões de euros).
O processo começou em 26 de Junho de 2018, com os deputados a aprovarem, sem votos contra, a Lei sobre Repatriamento de Capitais, que dava um prazo de seis meses, até 26 de Dezembro do mesmo ano, para fazerem regressar sem penalizações as verbas investidas ilegalmente fora de Angola, processo que, soube-se em Abril passado, não trouxe qualquer dinheiro de regresso ao país.
Após o prazo de seis meses, o parlamento aprovou, em 21 de Novembro de 2018, a lei sobre o repatriamento coercivo de capitais, que acabou por estender-se à perda alargada de bens, processo que começou a contar a partir de 26 de Dezembro.
Com as novas leis, o Governo explicou tratar-se de uma legislação mais alargada, tendo criado “instrumentos procedimentais”, recorrendo também à lei da prevenção e combate ao terrorismo, além de outros mecanismos.
A lei tem por objectivo dotar o ordenamento jurídico angolano de normas e mecanismos legais que permitam a materialização do repatriamento coercivo, com maior ênfase para a perda alargada de bens a favor do Estado.
No caso dos “bens incongruentes” domiciliados no país, a proposta, segundo argumentou Francisco Queiroz, ministro da Justiça, em Outubro do ano passado, prevê que possam ser confiscados, podendo os órgãos de justiça “perseguir os que detêm estes bens”, em defesa dos interesses dos cidadãos.
Em Abril deste ano, a directora nacional dos Serviços de Recuperação de Activos da Procuradoria-Geral da República (PGR), Eduarda Rodrigues, admitiu que Angola não conseguiu recuperar qualquer verba de forma voluntária, mas, coercivamente, conseguiu recuperar perto de 4.000 milhões de dólares (3.630 milhões de euros) em dinheiro e bens.
A directora dos Serviços de Recuperação de Activos da PGR pormenorizou que, desde a entrada do período coercivo, o Estado angolano recuperou 2,3 mil milhões de dólares (2.090 milhões de euros) e cerca de mil milhões de dólares (909 milhões de euros) em património do Fundo Soberano de Angola, num processo ligado a José Filomeno dos Santos (filho do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos).
Dentro do país, prosseguiu, conseguiu-se resgatar 2.400 milhões de kwanzas (6,5 milhões de euros), 19,3 milhões de dólares (18,9 milhões de euros) e uma pequena quantia de 143 euros.
Do estrangeiro, o Estado angolano conseguiu recuperar 3,5 milhões de euros, 477.200 dólares (415 mil euros) e 10,2 milhões de reais (2,3 milhões de euros).
Angola recuperou ainda em activos 20 imóveis no país, quatro outros no estrangeiro, além de cinco viaturas e uma embarcação.
Segundo Eduarda Rodrigues, estão em curso trabalhos sobre processos de empresas privadas criadas com fundos públicos, prevendo-se, para breve “mais novidades muito boas para avançar à sociedade”, lembrando também que há cidadãos que estão a aparecer voluntariamente nos serviços de recuperação de activos para “entregarem o seu património, que foi adquirido de forma incongruente”.
“Temos muita informação a chegar e acho que é prematuro levantar mais dados agora. O serviço é novo, foi criado em Dezembro, fui nomeada em Janeiro, trabalhei sozinha durante dois meses e só agora é que os meus colegas começaram a trabalhar. Temos muito que trabalhar, mas estou muito expectante e acho que vamos recuperar mesmo muitos activos para o Estado”, salientou ainda na mesma ocasião.
Em 2017, a PGR introduziu em juízo 12 processos referentes a crimes contra a corrupção, branqueamento de capitais e abuso de confiança, mas em 2018, o número subiu para 637, havendo já este ano, até Março, cerca de 100 processos apenas na Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção.
A (falta de) razão do Presidente
Acorrupção, embora na sua génese social seja um cancro gerado e multiplicado pelo MPLA, obriga (dada a sua dimensão) a que a solução passe por todos.
A corrupção é (também) uma questão jurídica que deve ser combatida com leis e não com visões partidocratas, cuja eficácia morre na cumplicidade interna, toda ela sedimentada ao longo de 43 anos de manifesta e total impunidade.
No actual contexto, tudo é difuso, tudo confunde, porquanto, paradoxalmente, o partido líder da bagunça institucional, desde 11 de Novembro de 1975, tenta crucificar uma pessoa, José Eduardo dos Santos, ou um grupo, filhos e próximos, antes idolatrados até à exaustão, para agora permitir à nova autoridade isentar-se de qualquer responsabilidade no desvario e descaracterização do Estado, atolado numa profunda falência técnica e financeira.
Seria bom que os novos actores assumissem, em uníssono, os malefícios da “acumulação primitiva do capital” e da privatização partidocrata da economia, reconhecendo, por exemplo, a forma ilícita da aquisição de património imobiliário do Estado, bem como a percentagem de cerca de 2 dólares, por barril de petróleo exportado, a favor do MPLA (e, convenhamos, MPLA há só um), colocando-o como um dos partidos mais ricos, financeira e patrimonialmente, em África e no mundo.
Uma mudança séria poderia e deveria passar por um verdadeiro “Pacto de Regime”, com a participação de todas as forças vivas do país, unidas numa espécie de Assembleia Constituinte (que Angola nunca teve), para elaboração de novas normas jurídico constitucionais e legais e não o abocanhar exclusivo do MPLA, dando a sensação de competência, quando os quase 44 anos de poder ininterrupto, mostram precisamente o contrário.
Essa tendência é perigosa e impossível de resultar numa transfusão de sangue perfeita, por não haver virgens inocentes no reino governativo.
Todos foram ao pote do mel, todos, absolutamente todos, com a diferença de uns terem abocanhado mais, do que outros. E tanto assim é que a prova mais evidente é a de ninguém, absolutamente ninguém, integrante do novo Executivo, incluindo o Titular, ter apresentado publicamente o património móvel, imóvel e financeiro e a forma como o adquiriu.
E quando assim é fica provado ser o MPLA o partido com mais agentes de ilicitude por metro quadrado, em Angola, sendo por isso impossível, acreditar que quem também tem as mãos cobertas de sangue, tenha capacidade de julgar de forma imparcial e isenta, o outro, pelo risco de não sobrar ninguém, no final.
A luta contra a corrupção teria maior eficácia com a institucionalização do “Pacto de Regime”, que através de uma fórmula, onde a inteligência suplantasse a força, elaboraria um cadastro minucioso, constando o nome e património de cada agente público ou privado, adquirido ilicitamente. Em seguida se veria qual o montante lícito investido e o ilícito, que seria considerado uma forma de financiamento do Estado, que este teria de pagar, com juros, mensalmente.
Ademais, era, para estabilidade social obrigatório, em função do montante, a obrigatoriedade de terem nos quadros da empresa, mais de 50% de trabalhadores com carteira assinada, não podendo ser despedidos, a não ser nos marcos da Constituição e da Lei Geral do Trabalho, comprovadamente.
Vejamos o seguinte exemplo: O “Pacto de Regime”, no levantamento apura que a Empresa OLHA SÓ, Lda, antes propriedade do Estado, por nepotismo, peculato, corrupção ou tráfico de influência, teve apenas 39% de investimento privado lícito.
Confrontado o empresário com este facto, o Estado, nas negociações, destilando sentimento de seriedade e comprometimento com a estabilidade empresarial e social, considera os restantes 61%, adquiridos ilicitamente, como financiamento público, a ser pago, com juros (princípio da recuperação de capitais ilícitos), num período de 5 a 10 anos, para que, cumpridos os prazos, o Estado assista à injecção de dinheiro fresco, nos cofres, para além de estabilidade social, com a geração de emprego com carteira assinada (mais de 50% da força de trabalho), durante o período de amortização. Mais, haveria ainda a obrigatoriedade dos agentes “carimbados de corruptos”, terem de apadrinhar uma escola ou posto médico. No final, com o pagamento integral, o empreendimento entra para a esfera jurídica do empresário, caso contrário é penhorado a favor do Estado.
Igual estratégia seria utilizada com os capitais no exterior.
A política de ameaça de confisco coercitivo pode não ter a eficácia desejada e, nesse ínterim, levado a que muito património se tenha esfumado, por falta de confiança no regime, que não inspira – reconheçamos – confiança. A lógica do repatriamento de capitais, não pode assentar na intimidação, coacção e força, autênticos inimigos da estabilidade e confiança emocional dos agentes económicos.
A obsessão de se combater a corrupção, colocando no centro dos discursos, apenas um segmento restrito de corruptos, descaracteriza o combate, que deve ser geral e abstracto, segundo a Lei.
O Presidente João Lourenço, deve colocar-se como “pai de todos angolanos” e não o carrasco de Zenú e companhia, ao considera-lo, só agora, um imberbe, por sinal, membro do Comité Central do MPLA. Será que os registos do MPLA ou do Conselho de Ministros, registam algum voto de protesto a essas nomeações: presidente do Fundo Soberano e presidente da SONANGOL, para legitimar as actuais críticas de quem à época, era vice presidente do MPLA e ministro da Defesa?
Finalmente é preciso colocar todos os intelectuais e actores políticos a pensar o país e não serem sempre os mesmos, do MPLA, num vergonhoso conceito de “vira latas”, que no final, apenas sabem substituir “seis (6) por meia dúzia.
Folha 8 com Lusa