Duas novas espécies endémicas de Angola, o lagarto espinhoso e o sapo pigmeu, integram o primeiro atlas angolano de répteis e anfíbios apresentado hoje, em Luanda, um projecto de investigadores portugueses e norte-americanos que permitiu inventariar quase 400 espécies. Não seria possível dar a uma destas espécies, talvez ao sapo pigmeu, o nome de “Poyntonophrynus pachnodes Ticelitium”?
O documento, em inglês e denominado Diversity and Distribuition of the Amphibians and Terrestrial Reptiles of Angola (Diversidade e Distribuição dos Anfíbios e Répteis Terrestres de Angola), compila dados desde 1840 até ao presente. São no total 117 espécies de anfíbios e cerca de 278 espécies de répteis inscritos no atlas, entre cobras, lagartos, tartarugas, rãs, crocodilos e cágados registados nas 18 províncias angolanas.
A obra é mesmo considerada como “única no contexto da África subsariana” e de acordo com o biólogo português e coordenador do projecto, Luís Ceríaco, permitiu revelar duas espécies novas para a ciência, ambas endémicas da província do Namibe, no sul de Angola.
Falando aos jornalistas no final da cerimónia de apresentação pública do documento, que decorreu hoje na Faculdade de Ciências, da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, o investigador disse que o atlas está disponível para “classe científica e não só”.
Neste momento, apontou, “os investigadores, estudantes, conservacionistas, organizações não-governamentais podem ter acesso a toda a informação” recolhida sobre estes animais em Angola.
O atlas foi elaborado com a colaboração do Instituto Nacional da Biodiversidade e Áreas de Conservação do Ministério do Ambiente de Angola (INBAC) e segundo Luís Ceríaco, que é também curador de répteis e anfíbios do Museu Nacional de História Natural e da Ciência de Lisboa, o documento foi publicado pela California Academy of Sciences, abordando igualmente a temática da conservação dessas espécies.
O especialista adiantou que o quadro de conservação dos répteis e anfíbios em Angola “não é muito problemático” e que “o maior problema” é a “pouca informação para muitas espécies”.
“Ou seja, muitas dessas espécies não foram avaliadas ainda pela União Internacional para a Conservação da Natureza”, disse.
As espécies, referiu, “estão em processo de avaliação com o Ministério do Ambiente, mas precisamos de mais dados para perceber qual o seu estado de conservação (…), por isso não é um cenário muito problemático”, assegurou.
Luís Ceríaco espera que o atlas, que contou nos últimos cinco anos com o financiamento do Governo angolano e de instituições norte-americanas que já ascende os nove milhões de dólares (oito milhões de euros), seja uma “ferramenta para novas investigações”.
“Angola está neste momento a experimentar um renascimento de estudos de anfíbios e répteis e queremos que esta ferramenta sirva de base para que estudantes e investigadores façam novo trabalho”, realçou, apelando ao reforço da “colaboração entre as instituições angolanas e instituições estrangeiras de investigação”.
O atlas hoje apresentando é de autoria dos investigadores portugueses Luís Ceríaco e Mariana Marques e dos norte-americanos Aaron Bauer e David Blackburn.
O “Poyntonophrynus pachnodes” (Ticelitium ou não) “é minúsculo e vive num único local do mundo – a Serra da Neve, na província do Namibe, em Angola. A característica mais distintiva desta nova espécie para a ciência de um sapo pigmeu é a ausência de ouvidos”.
O sapo pigmeu da Serra da Neve já tem inerente a si um mistério: não tendo ouvidos, como é que ouvirá os chamamentos de acasalamento de outros elementos da sua espécie?
Foi numa expedição em Novembro de 2016 que este sapo foi localizado na Serra da Neve, o segundo pico mais alto de Angola, com 2489 metros de altitude (o mais alto é o Morro do Moco, na Província do Huambo). Esta serra é o que geólogos e geógrafos designam por um monte-ilha (do alemão inselberg), emergindo abruptamente da paisagem que está à sua volta. Ora o monte-ilha da Serra da Neve é bastante interessante para os biólogos porque está isolado de outras montanhas e essa circunstância permite a evolução de espécies únicas.
“A Serra da Neve é sublime. Quando nos aproximamos, vemo-la aparecer à nossa frente como uma autêntica ilha de rocha coberta de vegetação, contrastando com o mar de paisagem desértica que a circunda. Percebemos de imediato: o que vive ali tem obrigatoriamente de ser diferente do que vive nas zonas de baixa altitude que a rodeiam. Isso comprova-se pelo facto de, para além do sapo, termos descoberto outras espécies novas para a ciência – lagartos e osgas –, actualmente em processo de descrição”, contou em Agosto do ano passado Luís Ceríaco.
Folha 8 com Lusa