O Serviço de Investigação Criminal (SIC) de Angola continua a andar em sentido contrário à Constituição e à lei, prendendo arbitrariamente cidadãos, que nada têm a ver com práticas delituosas. Para além do espírito de alcateia, explicam – nada explicando – que apenas cumprem as inimputáveis “ordens superiores”.
Como nos velhos tempos do fascismo e ditadura, umas vezes prendem inocentes, para investigar, outras, abusadamente, são levados, como moeda de troca, visando que o foragido se entregue por, no seu lugar, estarem os pais (mãe ou pai), a mulher ou os filhos, atrás das grades.
Foi, infelizmente, o que ocorreu, com a acção musculada dos agentes da Direcção de Buscas e Capturas da SIC, quando invadiram, no dia 13 deste mês, canibalescamente, uma casa onde residiam na altura e na qual se encontravam duas mulheres frágeis e indefesas, que se preparavam para ir assistir à missa dominical e receberam ordem de prisão, sem o cometimento de ilícito algum.
“Vamos, vamos, estão presas, até aparecer o teu marido… bandidas, são todos uma cambada de bandidos”, vociferavam (de acordo com o relato feito ao Folha 8), na presença de uma criança.
Desta forma cruel e covarde, Lúcia André Garcia e a filha menor, foram presas e arrastadas, como se fossem animais irracionais, ainda com a Bíblia na pasta, para a Esquadra do Chimbicato, no Bairro da Kamama.
Sem qualquer mandado de captura, emitido por entidade competente, estas duas ou 1 e 1/2 mulher, foram conduzidas para as fedorentas celas, sob alegação do esposo de Lúcia estar, alegadamente, envolvido na prática de um crime.
Na realidade, as detidas, ameaçadas por um “bando de valentões”, que só assim age, com os fracos, que não representam ameaça alguma, viram armas e baionetas, apontadas.
Uma prática que configura abuso da força, por parte dos agentes ao extravasarem competências, não só por prenderem, mas torturando, psicologicamente, mãe e uma criança, que é inimputável à luz da lei, como reza o novo Código Penal, no n.º 1, art.º17 (Imputabilidade em razão da idade): “Os menores de 14 anos não são susceptíveis de responsabilidade penal.”
No caso vertente, o artigo acima aponta é a primeira e grotesca violação dos agentes do SIC, que no pedestal da arrogância peculiar, quando indagados, das razões de tais detenções, o diligente investigador Lino, da Esquadra do Chimbicato, na Kamama, que se limitou a contrariar o Presidente da República, respondendo: “São ordens superiores e este é o limite da minha explicação”.
Não satisfeitos, os familiares, pediram que lhes explicassem qual o crime que as presas (mulheres: adulta e menor) tinham cometido. E é aqui que surge a cereja no cimo do bolo: “Elas estão presas até o marido dessa Lúcia aparecer, pois ele é delinquente altamente perigosos e estamos a procura dele…”
Os familiares, petrificados, não queriam acreditar no que acabavam de ouvir, de um agente da autoridade, com tanta frieza e insensibilidade, em se tratando de mulheres inocentes.
“Eu não tenho de ser ou não sensível, tenho apenas de cumprir -ordens superiores – e de vos transmitir isso. Pois até que o marido apareça elas vão continuar aqui presas”, afirmou o agente investigador.
João Lourenço tinha dito que doravante as ordens superiores teriam de ter nome e rosto. Será que se esqueceu de dizer, não se aplicar, a regra, aos pobres e discriminados? Tudo indica…
Está assim passada ao público a nova forma de pressão do Serviço de Investigação Criminal, sempre que na peugada de um suposto delinquente ou agente de ilicitude, desconseguir de o prender ou localizar; para não gastarem gasolina e fatigarem os agentes policiais, prenda-se um elemento da família, até o alegado prevaricador se entregar ou for capturado, pelas autoridades.
No caso da criança e da mulher é uma prática contrária à norma jurídica, pois não se trata de uma simples prisão mas de um sequestro, com todas as implicações, previstas e tipificadas no art.º 162.º (Sequestro):
“1. Quem prender, detiver, mantiver presa ou detida uma pessoa ou detida uma pessoa ou, de qualquer forma a privar da sua liberdade é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com a de multa até 360 dias.
2. Quando a privação da liberdade:
a) For precedida ou acompanhada de tortura ou outro tratamento cruel, desumano ou degradante;
b) For praticada com o pretexto falso de que a vítima sofria de anomalia psíquica ou contra pessoa indefesa, em razão da idade, deficiência física ou psíquica ou contra pessoa indefesa, em razão da idade, deficiência física ou psíquica, doença ou gravidez;
c) For praticada simulando o agente autoridade pública ou com abuso grosseiro de autoridade”.
Diante desta realidade do Direito, o não acatamento, demonstra a balbúrdia jurídica, que dá azo à militarização e subordinação da lei às baionetas.