A primeira-ministra e Chefe do Governo do Reino da Noruega, Erna Solberg, chega amanhã, segunda-feira, a Luanda, para uma visita oficial de 24 horas a Angola, a convite do Presidente da República, João Lourenço. A bênção do novo líder do partido que (des)governa o país desde 1975 continua a ser imprescindível.
Quando, em 24 de Setembro de 2015, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da Noruega esteve em Luanda, reconheceu que “muitas coisas estão a melhorar” em Angola a respeito dos direitos humanos e que vai continuar a cooperação para o alcance da “direcção correcta”.
Morten Hoglund reuniu, na altura, com o Secretário de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, António Bento Bembe, com o qual abordou o estado da cooperação entre os dois países sobre os direitos humanos.
Em declarações à imprensa à saída do encontro, o governante norueguês disse que foi analisada a situação dos direitos humanos em Angola e o nível de cooperação existente entre os dois países.
“Com certeza que ambos os países têm tradições, culturas, hábitos e até opiniões diferentes, mas aproveitamos essas oportunidades para colocarmos as questões certas e para continuar a trabalhar no sentido de nos movimentarmos numa direcção correcta”, disse Morten Hoglund.
O governante norueguês sublinhou que não cabe ao seu país fazer uma avaliação completa e geral dos direitos humanos em Angola, mas afirmou que no âmbito da cooperação entre os dois países tem havido “discussões bastante acesas sobre alguns assuntos”.
“Colocamos as questões e a partir daí nós acreditamos que poderemos continuar a melhorar até na arena internacional”, frisou.
Por sua vez, António Bento Bembe disse que o Governo angolano continuava a implementar as suas estratégias de promoção e defesa dos direitos humanos, contribuindo bastante os comités provinciais de direitos humanos em todo o país para a formação dos cidadãos.
“O que se pretende é a articulação ou o vínculo entre dos direitos humanos e as acções das pessoas, porque é preciso saber que os direitos humanos estão presentes em tudo o que a sociedade faz”, salientou.
Angola e a Noruega, mais concretamente o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos e a embaixada norueguesa em Angola cooperam no domínio dos direitos humanos desde 2011, no âmbito do projecto “Educação para uma cultura dos direitos humanos”, virado para a formação e capacitação de quadros angolanos em matéria dos direitos humanos.
Amor com amor… se paga
Recorde-se que Angola garantiu que apoiará a Noruega na sua candidatura a membro não permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), para o período 2021-2022.
Aposição foi assumida no dia 29 de Março de 2017 pelo então Secretário de Estado das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, no final do encontro que manteve, em Luanda, com a sua homóloga da Noruega, Tone Skogen.
Angola terminara em Janeiro de 2017 o mandato de dois anos como membro não permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Manuel Augusto disse que a governante norueguesa estava em Angola para consultas políticas, na sequência da assinatura de um Memorando de Entendimento sobre consultas políticas bilaterais, aquando da visita do então chefe da diplomacia angolana, Georges Chikoti, ao país nórdico, em 2016.
“A Noruega foi um dos primeiros países a reconhecer Angola, temos relações diplomáticas desde 1976 e para não dizer mesmo que a Noruega também teve um papel relevante no apoio à nossa luta de libertação, através do comité dos países nórdicos, antes da nossa independência”, elucidou Manuel Augusto.
O governante angolano frisou que a Noruega é também um dos parceiros mais confiáveis de Angola, “embora discreto”, activo nos sectores dos petróleos, pescas e agricultura.
“Para além de participar num fundo de investimentos, o FIPA, onde a Noruega com mais outros países e o banco BAI de Angola, têm financiado alguns projectos”, acrescentou.
Segundo Manuel Augusto, Angola “reputa de muito importante” as relações com a Noruega, lembrando que foi importante o seu apoio para a entrada de Angola no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
“E naturalmente, Angola na base da reciprocidade vai apoiar a Noruega também quando chegar a altura da sua eleição”, disse.
Além das área em que já há cooperação, a Noruega manifestou na altura interesse em participar no desenvolvimento do turismo, tendo as autoridades angolanas anunciado que muito brevemente o problema dos vistos, “que é fulcral para o desenvolvimento do turismo será resolvida”.
A crise económica e financeira que afectou os dois países devido à baixa do preço internacional do petróleo constrangeu o plano de Angola abrir na Noruega uma representação diplomática, que era, na altura, uma prioridade para o Governo angolano “logo que as condições permitam”.
“A Noruega é um bom exemplo, para Angola, porque conseguiu fazer do petróleo não só uma fonte de riqueza, mas um elemento de desenvolvimento. Como a secretária disse a queda dos preços do petróleo também afectou a Noruega, mas a economia norueguesa continua firme e pujante, porque souberam utilizar o petróleo para criar desenvolvimento e é este exemplo que Angola deve seguir”, disse o governante angolano.
Tone Skogen manteve um encontro de cortesia com o ministro das Relações Exteriores de Angola, Georges Chikoti, e reuniões com os ministros da Economia, Abraão Gourgel, dos Petróleo, Botelho de Vasconcelos, das Pescas, Vitória de Barros Neto, e os secretários de Estado das Águas, Luís da Silva, e dos Direitos Humanos, Bento Bembe.
Sim, mas com o (in)devido cuidado
O Fundo Petrolífero da Noruega, o maior fundo soberano do mundo, com 850 mil milhões de dólares, mantém planos de contingência para se proteger de eventos políticos extremos, servindo de exemplo (isso é que era bom!) para Angola.
O departamento de gestão do banco central da Noruega, que gere o maior fundo soberano do mundo, explicou e 2016 ao Financial Times (FT) que o fundo petrolífero “desenhou vários planos de contingência para cenários que podem representar uma ameaça para os activos do fundo”.
Embora escusando-se a elaborar sobre estes planos, o FT afirmava que este fundo estava a prestar assistência a outros fundos petrolíferos a nível mundial sobre como proteger os activos, principalmente em caso de eventos políticos extremos como invasões ou golpes militares.
Angola constituiu em 2012 um Fundo Soberano, dotando-o de 5 mil milhões de dólares e que foi então dirigido – mera coincidência, obviamente – por um dos filhos de José Eduardo dos Santos.
A Líbia, um país em profunda crise política e militar estava a servir de alerta para os gestores do fundo, porque há duas facções rivais que reclamam o controlo do Fundo que tem 66 mil milhões de dólares em activos.
Países africanos como Angola e o Zimbabué, que já detêm estes fundos, ou outros como Moçambique ou a Tanzânia, enfrentam grandes desafios políticos, comentou uma investigadora do departamento de políticas públicas na Universidade de Oxford.
“Preparar-se para um golpe de Estado e potencialmente perder a capacidade de gerir os activos é verdadeiramente importante por causa do que se passou na Líbia nos últimos anos”, disse ao FT Angela Cummine, reconhecendo que “há uma boa razão para os fundos soberanos instalarem os activos fora do seu país de origem” e que “existe uma óptima relação de trabalho destes fundos com as capitais financeiras como Nova Iorque, Londres ou a Suíça”.
Destacando particularmente os fundos soberanos africanos como os mais problemáticos, Cummine exemplificou com o Zimbabué e Angola e lembrou que Moçambique e Tanzânia também já afirmaram querer estabelecer um instrumento financeiro semelhante para gerir a riqueza que virá da exploração dos recursos naturais.
Recorde-se que o Fundo Soberano de Angola tinha perdido cerca de 5% do valor injectado no primeiro semestre de 2015, tendo entao 4.829 milhões de dólares sob gestão de José Filomeno dos Santos, nomeado pelo Presidente da República, seu pai, para gerir o Fundo.
O Fundo Soberano de Angola foi criado com o objectivo de investir domesticamente e no exterior do país os recursos gerados pelas exportações de petróleo, infra-estruturas e outros projectos tendentes a diversificar a economia angolana, fortemente dependente do petróleo.
Em meados de Abril de 2016, vários órgãos de comunicação social – entre os quais o Folha 8 – noticiaram que Angola, através do Fundo Soberano, surgiu na investigação internacional aos paraísos fiscais, conhecida por “Papéis do Panamá”, factos então negados – como é elementar – pela própria direcção do Fundo.
Em comunicado, o Fundo Soberano do regime disse ser “vítima de alegações infundadas”.
Fundo sem fundo alimenta a corrupção
É raro mas às vezes acontece. Em Setembro de 2015 a AFP (Agence France-Presse) descobriu a pólvora e disse: “A nomeação de um dos filhos do presidente José Eduardo dos Santos para o comando do Fundo Soberano, alimentado pelos recursos obtidos com o petróleo, mostra o controlo crescente da família presidencial sobre todas as esferas do poder”.
Ainda estava para chegar a nomeação de Isabel dos Santos para PCA da Sonangol.
Que o clã de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, dominava o país, mas não só, todo o mundo sabia há muito tempo, embora fosse uma verdade que estava a ser escondida por todos os meios aos… angolanos. Ter mais de 60 por cento da população na miséria é, convenhamos, uma boa estratégia para manter o povo numa total ignorância.
E quando apareceram alguns angolanos que se recusam a ser escravos, a solução foi metê-los na cadeia, dizer que faziam parte de um bando criminoso que, inclusive, poderia evoluir para o terrorismo.
Reconheça-se que, embora não sendo novidade, é sempre relevante, mesmo para os que são obrigados a pensar apenas com a barriga, que a esperança numa democracia e um Estado de Direito (algo que Angola não é de facto) vá sendo alimentada com verdades. Se assim não for, as mentiras oficiais acabarão por tornar-se “verdades”.
“A lógica de José Eduardo dos Santos consistia em controlar o dinheiro para manter o poder, o que explica que coloque membros de sua família ou pessoas próximas em postos importantes, onde está a riqueza”, explicava, e bem, Justino Pinto de Andrade, outro dos (ainda) poucos angolanos mais susceptíveis a chocar com uma das muitas balas perdidas que ainda hoje enxameiam a nossa sociedade.