Um total de 11 pessoas vão responder no Tribunal Supremo de Angola pela alegada tentativa de burla de 50.000 milhões de dólares ao Estado, entre outros crimes, anunciou aquele tribunal. O General Geraldo Sachipengo Nunda é a mais relevante personalidade envolvida. Parafraseando Marcolino Moco, Nunda terá “caído que nem um patinho” na armadilha e, dessa forma, prestado um incomensurável serviço ao MPLA que abominou sempre a escolha de um ex-general da UNITA para dirigir as FAA.
Segundo informação do Tribunal Supremo, neste caso, conhecido como “Burla à Tailandesa”, existem “suspeitas de envolvimento de 11 cidadãos nacionais e estrangeiros”, aos quais são imputados crimes de falsificação de documentos, burla por defraudação, associação de malfeitores e branqueamento de capitais.
O ex-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA), Geraldo Sachipengo Nunda, é um dos arguidos neste processo.
A mesma informação refere que, concluída no final de Junho a fase de Instrução e Investigação, promovida pela Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DINIAP) da Procuradoria-Geral da República, o processo já deu entrada no Tribunal Supremo, que o julgará, em primeira instância, na Câmara Criminal, por envolver, conforme decorre da legislação em vigor, generais das FAA.
O antigo director da Unidade Técnica de Investimento Privado (UTIP), Norberto Garcia, igualmente secretário para a Informação do MPLA, partido no poder desde 1975, e o ex-director da Agência para a Promoção do Investimento e Exportação (APIEX), Belarmino Van-Dúnem, foram inicialmente constituídos arguidos, mas acabaram por não ser acusados neste processo.
“Cumpridas as formalidades preliminares de registo e distribuição, a secretaria judicial da Câmara Criminal do Tribunal Supremo tem procedido, através dos oficiais de Justiça, às diligências necessárias para notificar os arguidos da douta acusação proferida pelo Ministério Público”, refere o tribunal.
O Serviço de Investigação Criminal (SIC) de Angola anunciou anteriormente a detenção de seis estrangeiros e dois angolanos que, em 2017, tornaram público, em Luanda, um financiamento de 50.000 milhões de dólares para projectos de investimento.
As detenções ocorreram nos dias 21 e 23 de Fevereiro, numa unidade hoteleira de Luanda, envolvendo então quatro cidadãos da Tailândia, um do Canadá, um da Eritreia e dois angolanos.
Segundo a informação do SIC, foi descoberta uma tentativa de defraudação do Estado angolano, na medida em que esses quatro cidadãos tailandeses, intitulando-se proprietários de uma empresa domiciliada nas Filipinas, manifestaram perante as autoridades angolanas a intenção de investir no país.
Os mesmos alegaram ter acesso a uma linha de financiamento disponível num banco das Filipinas, através do qual pretendiam desenvolver projectos de investimento em Angola, no valor de 50.000 milhões de dólares.
A descoberta desta burla aconteceu, como esclareceu o SIC, no momento de constituição da empresa em Angola, já que para o efeito seria necessária a confirmação do valor que manifestaram existir.
“A entidade competente para esta matéria accionou a sua congénere nas Filipinas, tendo dali obtido a confirmação de que efectivamente aqueles supostos promotores não eram, na verdade, aquilo que deviam ser e muito menos o cheque que foi apresentado era autêntico”, disse o chefe do departamento central do SIC, Tomás Agostinho.
Aquele responsável admitiu que “terá havido uma falha, um erro, de avaliação deste projecto de investimento, apresentado por esses cidadãos estrangeiros da parte da entidade responsável pela captação de investimento”.
Lembrou que a referida intenção mereceu toda uma divulgação pública, o que terá feito passar a ideia de que os 50.000 milhões de dólares, “que se referiram como estando disponíveis para investir no mercado angolano, já era um facto”.
O SIC avançou na mesma altura que estavam envolvidos no processo pelo menos três oficiais de alta patente das FAA.
Em finais de Novembro de 2017, foi rubricado em Luanda um memorando entre a Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP) de Angola, organismo de apoio ao Presidente da República na preparação, condução e negociação de projectos de investimento privado, e a Centennial Energy Thailand.
O documento foi rubricado pela parte angolana pelo então director da UTIP, Norberto Garcia, e pelo presidente do Conselho de Administração da Centennial Energy Thailand, Raveeroj Rithchoteanan, num acto que acolheu dezenas de empresários angolanos, para dar a conhecer as condições de acesso ao referido fundo.
Sob o título “Burla legitimada pela UTIP “exonera” general Nunda”, o Folha 8 escreveu no dia 7 de Março que o Presidente da República teria já chamado o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA), general Geraldo Sachipengo Nunda, e ter-lhe-á dito que, em função do mais recente escândalo financeiro com um falso fundo tailandês, em que está envolvido, seria exonerado.
“O general Nunda informou o Presidente João Lourenço, a este propósito, que perante este caso (do qual se considera também vítima) era já sua intenção pedir a demissão, salvaguardando assim a imagem e a honra das FAA, bem como a honorabilidade do país”, referiu na altura ao Folha 8 um oficial que lhe é próximo.
Este militar salientou ainda que o general Geraldo Sachipengo Nunda ao abandonar a chefia do Estado-Maior General facilita a acção das investigações à burla da Centennial Energy Thailand, estando por isso a pronto a prestar “todos os esclarecimentos necessários”.
Embora o general Nunda seja a figura angolana mais relevante a ver-se envolvida neste caso, o certo é que o responsável máximo da Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP), Norberto Garcia, deu cobertura e legitimidade aos burlões quando divulgou que os “investidores angolanos e estrangeiros vão poder aceder a um fundo de 50 mil milhões de dólares (42,6 mil milhões de euros), da Centennial Energy Thailand, um grupo internacional de investimento e desenvolvimento de projectos comerciais e humanitários”.
Quanto ao general Geraldo Sachipengo Nunda, recorde-se que no dia 15 de Novembro de 2017 anunciou que se queria reformar.
Nascido a 13 de Setembro de 1952 em Nharaa, província do Bié, Geraldo Sachipengo Nunda abandonou as forças armadas da UNITA (FALA) em Janeiro de 1993, incorporando-se nas FAA onde desempenhou, pouco depois, as funções de conselheiro do chefe do Estado-Maior da instituição.
Tramaram o General Nunda
O Presidente João Lourenço reforçou em Março as competências do chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas, dias antes de a Procuradoria-Geral da República (PGR) ter anunciado publicamente e sem disso ter dado prévio conhecimento ao visado, a constituição do general Sachipengo Nunda arguido neste processo de alegada burla.
De acordo com o despacho 34/18 assinado pelo Presidente João Lourenço, de 20 de Março, em causa estava a necessidade de uma “maior dinâmica” no funcionamento do Serviço de Inteligência e de Segurança Militar (SISM).
Em concreto, o despacho delegava poderes ao chefe do Estado-Maior General “sobre matérias do poder executivo na formação, execução e controlo das actividades” do SISM nos ramos, regiões militares, aéreas, navais e grandes unidades das Forças Armadas Angolanas (FAA).
A 26 de Março foi divulgado que o general Geraldo Sachipengo Nunda, chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas, fora constituído arguido neste processo de tentativa de burla ao Estado de 50 mil milhões dólares.
O anúncio foi feito por Luís Ferreira Benza Zanga, que era também sub-procurador-geral da República de Angola e director da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) da PGR, salientando que o general Sachipengo Nunda se juntava a outros três generais também constituídos arguidos, em liberdade, neste processo.
“Nesse processo temos constituído arguidos quatro generais, dos quais já foi ouvido um, e a última nota que tivemos o chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas já foi constituído arguido e vai ser ouvido nesta qualidade”, afirmou.
Catapultado para o cargo de adjunto do chefe do Estado-Maior General das FAA, em 1998, ao tempo do general João de Matos (falecido a 4 de Novembro de 2017), depois da morte por doença de Arlindo Chenda Pena “Ben Ben”, Geraldo Sachipengo Nunda viu passar por ele os generais Armando da Cruz Neto, Agostinho Nelumba “Sanjar” e Francisco Pereira Furtado.
No processo em investigação na PGR estão em causa crimes de burla por defraudação, associação criminosa, falsificação de documentos, falsificação de títulos de crédito, no valor de 50 mil milhões de dólares (cerca de 40 mil milhões de euros), envolvendo um suposto financiamento tailandês para investimentos em Angola.
Noutras latitudes, registe-se a irresponsabilidade de um alto magistrado anunciar, apressadamente, a constituição de arguidos sem explicar como lhes foram retiradas as imunidades cobertas pela Constituição, art.º 150.º e pelas altas funções militares, protegidas pela Lei 4/94 de 28 de Janeiro, Lei dos Crimes Militares e Lei 5/94, de 11 de Fevereiro, Lei sobre a Justiça Penal Militar.
O general Geraldo Sachipengo Nunda, na qualidade de Chefe do Estado-Maior General das FAA, gozava igualmente de imunidade e, para ser constituído arguido, o Comandante em Chefe das Forças Armadas, devia, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, retirar-lhe as imunidades. Mas tem ainda outro senão, o fórum especial: o Supremo Tribunal Militar.
Folha 8 com Lusa