O presidente angolano, João Lourenço, pediu hoje à Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) que faça “uma introspecção” sobre as razões do atraso na concretização da sua agenda de desenvolvimento e integração. Será que Angola, que há 42 anos (desde a independência) tem o mesmo partido no poder, o MPLA, já fez essa introspecção? Não fez. E não fez porque sabe que a corrupção é a forma mais fiável e fácil de ganhar uma eleição do que tentar ganhar a aprovação dos eleitores pela boa governação.
João Lourenço falava hoje, em Luanda, na abertura da 43.ª Assembleia Plenária do Fórum Parlamentar da SADC, tendo destacado a importância da industrialização e o paradoxo da falta de desenvolvimento na região.
O presidente angolano salientou que os países africanos são sobretudo exportadores de matéria-prima bruta, sem acrescentar valor, “o que representa um entrave às perspectivas de desenvolvimento económico e à criação de empregos”.
“Como consequência disso”, os países africanos têm “um sério défice comercial”: “Uma vez que vendemos a nossa matéria por preços irrisórios no mercado internacional e importamos produtos acabados a preços exorbitantes”.
Participam na 43ª assembleia plenária do Fórum Parlamentar da SADC delegados de Angola, Botsuana, Lesoto, Malaui, Moçambique, Namíbia, Seicheles, África do Sul, Tanzânia, Zâmbia, Zimbabué.
Corrupção em África
Os países africanos são considerados dos mais corruptos do mundo, um factor que contribui para o empobrecimento do continente. Os esforços anticorrupção têm mostrado resultados mistos nos últimos anos, mas são essenciais para o desenvolvimento. Os governos precisam de combater a corrupção em vez de depender da ajuda externa.
Dos dez países considerados mais corruptos do mundo, seis estão na África Subsariana. O suborno, extorsão, troca de favores, clientelismo, apropriação e desvio de bens ou valores têm um custo anual de 150 mil milhões de dólares para os Estados de África, segundo estimativas da União Africana.
«A corrupção em África varia entre o alto nível político, numa escala de milhões de dólares, e o baixo nível, com subornos a autoridades e funcionários públicos. No primeiro caso, impõe um maior custo financeiro directo ao país, no segundo caso tem um efeito corrosivo sobre as instituições básicas e mina a confiança dos cidadãos no governo», refere a jornalista Stephanie Hanson na publicação Council on Foreign Relations.
Mais de metade dos cidadãos africanos pagam subornos para ter acesso a serviços públicos que deveriam estar livremente disponíveis, relata a organização Transparency International, o que também aumenta os custos de fazer negócios, uma vez que há uma correlação entre a eficácia no combate à corrupção e o aumento de produtividade de um país. «Atacar a corrupção é a melhor maneira de atacar a pobreza», sintetiza Nuhu Ribadu, ex-presidente da EFCC, comissão anticorrupção nigeriana.
A abundância de recursos naturais, uma longa história de governos autocráticos, o não prestar de contas aos cidadãos e os conflitos e crises no continente têm criado grandes desafios à boa governação e à luta contra a corrupção em África, apesar dos progressos recentes em termos de democracia e direitos humanos em vários países.
«Os recursos naturais são cada vez mais tentadores para algumas elites africanas e empresas multinacionais. Também a assistência oficial ao desenvolvimento fornecida por agências nacionais e internacionais não está livre de abusos e corrupção. A prestação de serviços públicos é precária e os funcionários são frequentemente tão mal pagos, que recorrem à corrupção “insignificante” para sobreviver. Instituições que deveriam garantir o equilíbrio de poder dentro do sistema são muitas vezes limitadas pela falta de recursos e independência», resume a Transparency International.
Negócios e política
Na maioria dos países africanos, os governos não têm capacidade ou vontade em lidar eficazmente com a corrupção. Além disso, o nível de desenvolvimento e organização da sociedade civil também varia consideravelmente, embora tenda a tornar-se mais activa e preocupada com as questões de corrupção e boa governação.
«A sociedade civil e os meios de comunicação social livres podem levar a uma maior responsabilidade dos governos e à adopção de reformas nas áreas da governação e gestão dos recursos públicos, tornando-se os pilares da integridade nacional dos países», preconiza a TI.
Um exemplo dessas iniciativas é o da rede Corruption Hunter Network, que combate a corrupção em todo o mundo através de reuniões de apoio aos seus membros. Em África esta rede de promotores públicos deu ajuda directa e protecção a activistas como o nigeriano Nuhu Ribadu e o zambiano Maxwell Nkole na luta contra a corrupção nos seus países, embora este apoio nem sempre seja eficaz.
A corrupção endémica nos Estados africanos leva à revolta das populações. Rebeliões no Delta do Níger, na Nigéria, foram provocadas por reivindicações da comunidade local de 30 milhões de pessoas por não beneficiarem com a extracção petrolífera nas suas terras, cuja receita é desviada para funcionários governamentais.
A corrupção também corrói o processo político, com muitos políticos a interessarem-se por cargos e reeleição em função do acesso a dinheiros públicos e imunidade. A compra de votos e a fraude eleitoral «são formas mais fiáveis e fáceis de ganhar uma eleição do que tentar ganhar a aprovação dos eleitores pela boa governação», comprova Paul Collier, director do Centro de Estudos das Economias Africanas (CSAE).
Na última década, países como a Libéria, Ruanda e Tanzânia fizeram progressos na redução da corrupção e o Gana registou melhorias nas normas de boa governação e na transparência em actos governativos. Apesar de terem criado agências anticorrupção, a Nigéria, Quénia e África do Sul registaram escassos avanços.
A ECA, comissão económica das Nações Unidas para a África, afirma que as comissões anticorrupção nacionais têm sido «muito ineficientes e ineficazes», em grande parte por causa do seu financiamento e supervisionamento pelo poder executivo. Sempre que incomodam o poder instalado estas agências são eliminadas, como aconteceu em 2009 com a Scorpions na África do Sul, ou os seus responsáveis são depostos ou forçados a sair do país, como se registou na Nigéria e Quénia.
Por outro lado, chefes de Estado africanos apoiam o financiamento oculto de líderes políticos de antigos países colonizadores. Robert Bourgi, ex-consultor do Governo francês para assuntos africanos, acusou o ex-chefe de Estado Jacques Chirac e o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin de terem recebido ilegalmente dinheiro e obras de arte dos presidentes do Senegal, Burkina Fasso, Costa do Marfim, Congo e Gabão. «Avalio em cerca de 20 milhões de dólares o valor total entregue», diz Robert Bourgi. Países europeus ignoram as actividades ilícitas e abusos de poder em África em troca de financiamentos partidários e acesso a matérias-primas.
Custos silenciosos
As estimativas dos custos da corrupção no continente africano não podem ser muito rigorosas, uma vez que a avaliação não é composta apenas pela soma de dinheiro perdido, mas também de desenvolvimento adiado e crescimento das desigualdades, que são menos fáceis de quantificar. Os 150 mil milhões de dólares anuais que os relatórios da União Africana estimam incluem custos directos e indirectos, o que representa 25 por cento do Produto Interno Bruto dos Estados de África e um aumento dos custos dos bens transaccionáveis em 20 por cento.
Quanto à eficácia da ajuda externa, o estudo «The Cost of Corruption», publicado na revista Euromoney, estimava que 30 mil milhões de dólares acabaram em contas bancárias no exterior. Pelo lado da arrecadação de receitas fiscais, o Banco Africano de Desenvolvimento calcula que a corrupção leva a uma perda de aproximadamente 50 por cento e estima que as famílias de baixo rendimento gastam de 2 a 3 por cento dos seus rendimentos no pagamento de subornos, enquanto as famílias de maiores rendimentos gastam em média 0,9 por cento. Estas avaliações demonstram que a corrupção em África está disseminada e é dispendiosa para os cidadãos de mais fracos recursos.
A corrupção silenciosa pode ser tão prejudicial ao crescimento económico geral e ao desenvolvimento de um país como a grande corrupção e os escândalos de subornos que recebem maior atenção mediática. No relatório «Africa Development Indicators 2010», o Banco Mundial já definia a corrupção silenciosa como «o não fornecimento pelos funcionários públicos de bens ou serviços para que são pagos pelos governos».
Esta corrupção passiva acontece quando professores e profissionais de saúde que, segundo os orçamentos do governo deviam trabalhar a tempo inteiro, são absentistas porque os salários para lhes pagar foram desviados por funcionários corruptos.
«A corrupção silenciosa não faz os títulos dos jornais da mesma forma que os escândalos de subornos, mas é igualmente corrosiva para as sociedades», alerta Shanta Devarajan, economista principal para a Região África do Banco Mundial. A corrupção silenciosa permitiu fracos controlos aos produtores e grossistas de fertilizantes que tiveram como resultado que 43 por cento dos adubos vendidos na África Ocidental não tivessem nutrientes e que mais de metade dos medicamentos vendidos nas farmácias na Nigéria fossem falsificados. A corrupção diminui o bem público e cresce onde há poder autocrático e pobreza.