Já foi o maior centro pesqueiro de Angola, então como Porto Alexandre, no sul do país, com dezenas de indústrias, nomeadamente conserveiras, mas o declínio das últimas décadas no Tômbwa tenta hoje ser, lentamente, revertido. Isto num país independente desde 1975 e que há 16 vive em paz. Sempre, é claro, governado pelo mesmo partido, o MPLA.
Com mais de 50.000 habitantes, no município do litoral mais a sul em Angola, na província do Namibe, não há família que não viva da pesca, até porque outras indústrias praticamente não existem.
No tempo colonial português, e então fundado por pescadores oriundos do Algarve, Porto Alexandre, a designação abandonada em 1975 e que sucedeu à secular Angra das Aldeias, foi o principal centro pesqueiro angolano – e um dos maiores em África -, com indústrias que ainda hoje, em ruínas, polvilham ao centro da cidade, junto à baía e aos barcos ancorados no seu interior.
Há pouco menos de um século, de Porto Alexandre partia peixe salgado para vários pontos do continente africano.
A guerra civil que se seguiu à independência afundou o sector e muitos pescadores, de origem portuguesa, partiram em 1976, a bordo dos próprios barcos, rumo ao Brasil e a Portugal.
“No passado, até aos anos 80, o município do Tômbwa estava no auge no sector das pescas, depois declinou um bocado”, começa por contar Benvinda Mateus, administradora municipal adjunta, em funções há oito anos.
Como exemplo aponta que o município tem hoje nove empresas em pleno funcionamento, de congelação, processamento de pescado, conserveiras, salineiras e de produção de farinha e de óleo de peixe.
Contudo, outras 14 empresas – as suas estruturas físicas – do sector estão paralisadas, ao abandono, algumas servindo apenas de depósito de lixo.
“Há casos em que já nem fazem a actividade que estava prevista e outras que se tornaram em focos de depósito de resíduos sólidos”, lamenta a administradora-adjunta, ressalvando a importância do sector, envolvendo a pesca industrial e artesanal, e a sua revitalização, iniciada em 2016.
Só de bandeira nacional fazem porto no Tômbwa cerca de duas dezenas de embarcações de pesca industrial, às quais se somam, em todo o município, outras três centenas, artesanais.
“Dos 54.000 habitantes, a maior parte das pessoas dedicam-se mesmo à pesca. Uma boa parte trabalha nestas indústrias”, explica Benvinda Mateus, acrescentando que só a maior empresa, a Nova Vida, de processamento de pescado, dá emprego a mais de 500 pessoas do Tômbwa.
Pelo centro da cidade, o frenesim da entrada e saída das fábricas em operação nota-se várias vezes ao dia, em função da chegada de peixe nos barcos, para fazer o processamento.
Verónica Sango e Melária Canuela têm ambas 22 anos e são processadoras de peixe há pouco mais de um ano na fábrica da Nova Vida, que por si só também tem três embarcações de pesca industrial.
Dependendo da faina do dia, podem chegar a processar, congelando e distribuindo em caixas, 250 toneladas de peixe, num trabalho que começa às 07:30 e que pode acabar já depois das 17:00.
“Depende muito, porque por vezes o barco traz poucas toneladas. Mas gosto do trabalho que faço e tenho muito orgulho nele”, afirma Verónica.
Pelas mãos destas duas mulheres, entre centenas de outras, passa o carapau e a sardinha do Tômbwa que depois segue para todo o país e para o estrangeiro, em caixas de 25 a 45 quilogramas.
“Graças a Deus temos muita clientela, principalmente a sardinha, que é a mais procurada”, aponta Melária.
“A maior dificuldade é mesmo quando não temos peixe”, remata.
A administração municipal admite que mais podia ser feito relativamente às indústrias pesqueiras que se encontram paralisadas, mas aponta os entraves.
“Temos conservado e notificado os proprietários, para fazerem alguma coisa, mas sem êxito. Até mesmo com parcerias. Mas não estão nem aí, não fazem nem deixam outras pessoas interessadas fazer”, lamenta Benvinda Mateus.
Ainda assim adianta que “outros investimentos” e indústrias estão em fase de instalação no município, para ajudar a recuperar a glória pesqueira do passado.
Identidade de uma raridade
Vejamos, agora, um excelente texto de Pedro Cardoso, publicado no Reda Angola, em 22 de Setembro de 2016, sob o título Tômbua (Tômbwa):
“O cenário é de filme. Uma baía no meio de uma planície árida, horizonte para todos os lados com rochas avermelhadas mais para lá da cidade. A angra que já foi Porto Alexandre sucumbe às dunas do deserto que avançam, vindas do sul, sobre muros e casas. Semienterrada pela areia trazida pelo vento, Tômbua é ícone do Namibe e lugar único em todo o país.
O sul são histórias (umas quantas minhas). O cheiro a peixe seco e barcos de faina, a paisagem árida. E o mar. Sempre o mar. Tômbua fez parte dessas memórias emprestadas. Foi, durante muito tempo, uma fotografia da lua-de-mel dos meus velhos. Lembro-me de desenhar numa folha branca grande, a carvão, essa baía sépia com cheiro a álbum velho. Guardei-a em algum lugar que já se perdeu.
Agora o tempo é depois. As areias moveram-se, o cordão verde que protegia a cidade quase desapareceu e Tômbua teima em permanecer viva nesta porta do deserto do Namibe. O principal porto pesqueiro de toda a Angola quer sacudir a maré de areia que o ameaça engolir.
É exactamente a imagem de uma cidade semienterrada pelo deserto que exerce um fascínio único. Cenário estranho de lugar abandonado. Assim se formam os mitos que mais tarde alguém vai desenterrar para adivinhar-lhe a história. A imagem do cemitério de Tômbua com cruzes com meio corpo enterrado na areia é simbólica. Aqui, os mortos e os vivos sobrevivem. Todos os anos várias casas acabam por ser engolidas pelo deserto. E são várias as vozes que alertam para um cenário de catástrofe nacional que há que evitar a todo o custo. Casuarinas e acácias estão na linha da frente contra a desertificação soprada pelos ventos do sudoeste.
A história desta vila começou a ser registada oficialmente com a chegada dos navegadores portugueses ao Cabo Negro, a norte de Tômbua. Pouco depois, em Janeiro de 1486, chegaram à enorme baia onde encontraram duas grandes aldeias. Estava dado o nome a esta terra de Mucubais, Himbas e Khoisans: Angra das Aldeias ou Angra das duas Aldeias. Apenas em 1864, com a passagem de um capitão inglês chamado James Alexander, o lugar passou a chamar-se Porto Alexandre, depois de se chamar temporariamente praia das Macorecas.
A enorme riqueza destes mares chamou desde logo a atenção dos colonos. À semelhança de outras zonas do Namibe, em meados do século XIX começaram a chegar a esta baía famílias vindas do Algarve, pescadores de tradição do sul de Portugal. 1860 é a data oficial do início da construção do Porto Alexandre que hoje conhecemos. Em 1895, vira município. E depois da independência mudou o nome novamente, e passou-se a chamar Tômbua.
A pesca nunca deixou de ser o grande motor deste lugar, que faz do Namibe a principal província piscatória de todo o país. Alguns projectos falam que aqui vai nascer o maior porto piscatório de toda Angola. Enquanto isso, a vida da vila gira em torno do barco-vai, barco-vem. Na praia de Porto Alexandre, as mulheres esperam a chegada do peixe, encarregando-se de os preparar e vender. O cheiro a mar, a pescarias e a areia é tipo vento: omnipresente. Falar com as gentes e conhecer-lhes as vidas e histórias deste lugar isolado na boca do deserto, é parte da magia de visitar Tômbua.
O município – o maior do Namibe – é uma verdadeira pérola do turismo nacional. A famosa Baía dos Tigres é, talvez, a mais conhecida. Mais lá ao fundo, a foz do Cunene. E outros lugares que ainda visitaremos com mais atenção, mas que não podem ficar de fora, como o Arco ou a Rocha.
Acompanhe o mar ao longo da sua espuma e das dunas que lhe moldam as baías do Namibe. Em Tômbua, afaste a areia com os dedos e abra a porta deste deserto fantástico que Angola guarda como um tesouro escondido a sul.”
Folha 8 com Lusa