Não é eticamente bonito, mas é compreensível no âmbito da “educação patriótica” do MPLA. Dando provas de ter sido um excelente aluno, o vice-presidente da República, Bornito de Sousa, veio a público mostrar que sabe conjugar sem falhas o verbo bajular e, assim, considerar que reina no país e no estrangeiro uma grande e positiva expectativa à volta do Chefe de Estado angolano, João Lourenço.
Por Orlando Castro
“P assados três meses, a opinião geral é positiva e é praticamente senso comum que se as eleições tivessem lugar hoje, o resultado eleitoral a seu favor seria muito mais expressivo e sua legitimidade ainda mais reforçada”, declarou Bornito de Sousa quando discursava na cerimónia de apresentação de cumprimentos de fim-de-ano aos 20 milhões de angolanos pobres. Perdão. Ao Presidente da República.
Bornito de Sousa disse que a rápida afirmação e eleição do seu chefe, João Lourenço, criou bastante expectativa no país e no estrangeiro, quanto à autonomia, liderança e sentido de Estado que o novo Presidente imprimiria à mais alta liderança política em Angola. É verdade. Essa expectativa, presume-se, fez com que Angola deixasse “in continenti” de ser um dos países mais corruptos do mundo e, entre outras conquistas, deixasse igualmente de liderar o “ranking” mundial da mortalidade infantil.
O vice-presidente da República referiu que em condições macro-económicas nada fáceis (como diria igualmente o anterior ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos, João Lourenço) a preocupação com a transparência e a moralização do Estado e da sociedade, com o afastamento da dependência económica do petróleo, com o relacionamento das instituições democráticas, a governação local, as autarquias e a redução das assimetrias regionais marcam já a diferença que lhe foi pedida, durante a campanha eleitoral.
Só faltou a Bornito de Sousa dizer: Oremos irmãos, já encontramos um novo “escolhido de Deus”, um santo (não santos) milagreiro capaz de em tão pouco tempo transformar Angola naquilo que nunca foi (nem é) durante 42 anos – uma democracia e um Estado de Direito.
Para Bornito de Sousa acrescem os sinais especiais e espaciais (não é nenhuma alusão ao satélite Angosat) para a promoção da igualdade de oportunidades económicas e empresariais, a criação de um empresariado angolano e o enquadramento da economia informal.
É obra. Além disso, registe-se (e Bornito de Sousa só não o disse por modéstia) que ao contrário dos 38 anos que José Eduardo dos Santos esteve no Poder, em tão pouco tempo João Lourenço conseguir pôr os rios e nascer na… nascente e a desaguar na foz, bem como acabou definitivamente com essa veleidade de os jacarés serem… vegetarianos.
Bornito de Sousa enumerou ainda a criação de uma classe média robusta, a modernização do Estado e da Administração Pública, a aposta nos jovens, a dignificação da mulher angolana e a melhoria da qualidade de vida dos angolanos em geral como outros dos aspectos solicitados. Solicitados e cuja implementação já se sente no… Palácio Presidencial.
Sobre as acções do Presidente da República, Bornito de Sousa disse que são consideradas “para uns, aceleradas demais, para outros, distante demais das directivas, outros há que o colocam na fronteira da quebra da unidade, motivo de mal-entendidos e naturais desconfortos”.
Bornito de Sousa explicou que a acção do Presidente da República assenta nas premissas eleitorais constantes da estratégia do líder e no programa de governo do MPLA para o período 2017-2022 e que impõe o envolvimento dos cidadãos, das comunidades e das empresas para a sua “boa execução”, no sentido de se “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem”.
Não sendo, ou não querendo ser (ou parecer) mal-agradecido, Bornito de Sousa lembrou que por altura do VII Congresso do MPLA, o Presidente José Eduardo dos Santos disse que “um dos nossos grandes problemas é o de que temos boas ideias, bons projectos, bons programas, mas na implementação dos mesmos, os resultados ficam muitas vezes longe do que se esperava devido à falta de rigor e disciplina nas atitudes e comportamentos”.
Segundo o vice-presidente da República, naquela ocasião, o líder partidário sublinhou que “se aumentarmos o rigor, a disciplina e a nossa eficácia poderemos fazer muito mais e em menos tempo”.
Bornito de Sousa explicou que a coexistência entre a liderança do partido e a titularidade do Executivo é permitida tanto pela Constituição da República, como pelos Estatutos do partido no poder desde 1975, sendo, portanto, apenas uma questão de gestão e oportunidade políticas.
Afirmou ainda que o processo em curso em Angola bem pode ser comparado a uma corrida de estafetas, em que quem recebe o testemunho não pode ficar parado. Tem razão e o exemplo é elucidativo. Quem recebe o testemunho não pode ficar parado, mas – presume-se – também não deve correr em sentido contrário, mesmo sabendo (como é habitual em Angola) que os juízes são do MPLA e acabam por desclassificar os adversários por má prática desportiva.
Bornito de Sousa enalteceu o facto de a 26 de Setembro passado ter sido presenciada uma exemplar transição pacífica e democrática, protagonizado pelo Presidente José Eduardo dos Santos que por razões objectivas e históricas (ou seja, por ser um ditador) “o mantiveram no exercício de funções executivas durante mais de três sacrificadas e exigentes décadas”. Sacrificadas e exigentes décadas é um hino à bajulação que merece, sem dúvida alguma, o primeiro lugar do anedotário nacional, versão de 2017.