Dez cidadãos portugueses, entre os quais Paulo de Morais, João Paulo Batalha e Vasco Lourenço, contestam a indigitação por parte do Governo português de Francisco Seixas da Costa para o Conselho Geral Independente da RTP. E, por carta (à qual o Folha 8 teve acesso e que a seguir transcrevemos na íntegra), manifestaram essa oposição ao Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
“O governo decidiu indigitar o Dr. Francisco Seixas da Costa para o Conselho Geral Independente da RTP. Esta indigitação muito nos surpreendeu, uma vez que entendemos que o cidadão indicado pelo governo tem fortíssimas incompatibilidades para o exercício do cargo.
Com efeito, Seixas da Costa é administrador da “Jerónimo Martins”, que detém uma parceria para Portugal com a Unilever. A “Unilever/Jerónimo Martins” representa em Portugal, entre muitas outras, as marcas Skip, Sun, Planta, Dove, Maizena, Cif, Knorr, gelados Olá, Vasenol, Vaqueiro, Linic… A Unilever foi aliás a empresa que mais dinheiro gastou em publicidade no mercado português no primeiro semestre deste ano. Investiu mais de 170 milhões de euros, com a maior fatia a ter como destino a televisão (151,8 milhões de euros).
Ao mesmo tempo, a Jerónimo Martins dispõe ainda, no seu universo de empresas, dos supermercados Pingo Doce, da “Jerónimo Martins Distribuição” (marcas Kelloggs, Pringles, Evian, etc.), ambos fortes actores no mercado da publicidade. Seixas da Costa é ainda administrador na EDP e na Mota Engil, grupos relevantíssimos também no mercado publicitário nacional.
Seixas da Costa é agora proposto para o Conselho Geral independente da RTP quando tem interesses económicos e profissionais nas empresas e grupos que são os maiores anunciantes de Portugal e, portanto, entre os maiores clientes da RTP. Na maior parte das decisões que venha a tomar, estratégicas para a RTP, os interesses da RTP e da defesa do serviço público, por um lado – e dos seus anunciantes/clientes, por outro, poderão ser contraditórios e conflituais. Sendo claros, esta nomeação colocaria a defesa do serviço público de rádio e televisão nas mãos de interesses privados e representaria um risco real de captura da RTP por parte de uns poucos grandes anunciantes, visando a manipulação do público consumidor.
Assim, e atendendo a que os Estatutos da Rádio e Televisão de Portugal estipulam no seu artigo 10º, alínea d), que “Não podem ser membros do Conselho Geral Independente Personalidades que exerçam funções que estejam em conflito de interesses com o exercício de funções no conselho geral independente, entendendo-se como tal que do exercício dessas funções possa resultar prejuízo ou benefício, directo ou indirecto, para a pessoa em causa ou interesses que represente”, entendemos que o cidadão proposto não pode nem deve integrar o referido Conselho Geral Independente.
Face ao que acima expomos, tomamos a liberdade de emitir a nossa opinião junto da ERC, no sentido de aconselhar a Entidade a que preside, no exercício da sua missão de regulador independente, a emitir um parecer negativo à nomeação do Dr. Costa para o Conselho Geral Independente da RTP.”
Francisco Seixas da Costa é um velho conhecido de Angola, onde como diplomata trabalhou na embaixada portuguesa de Luanda pouco antes da normalização das relações entre Portugal e Angola em 1986.
Recentemente, a propósito da decisão de José Eduardo dos Santos não se recandidatar à liderança do país, Seixas da Costa disse que “não podemos comparar Angola com modelos europeus ou latino-americanos, tem que ser comparada com o resto de África. E aí sejamos justos, mesmo com todas as deficiências, o modelo angolano tem mais liberdades que outros países africanos”.
Por isso, o antigo embaixador e secretário de Estado dos Assuntos Europeus admite que não é possível fazer um “saldo absoluto” e é sempre necessário “fazer a comparação” quando se avalia o trabalho de José Eduardo dos Santos.
A “corrupção elevadíssima” e as “discrepâncias sociais” num país que é o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana são as duas principais manchas na gestão de Eduardo dos Santos, disse Seixas da Costa, esquecendo por exemplo que é graças ao ainda Presidente que angola lidera o “ranking” mundial de mortalidade infantil, que tem 20 milhões de pobres e que foi Dos santos quem entregou o Fundo Soberano e a Sonangol aos seus filhos.
“Angola não conseguiu pôr a funcionar um modelo que reduzisse a dependência face ao petróleo e aos diamantes. Não houve uma utilização desse dinheiro na criação de infra-estruturas que dessem espaços a outros protagonistas e a outros sectores económicos”, admitiu – certamente a muito custo – Seixas da Costa.
Mas há sempre uma desculpa a proteger os ditadores…bons. Diz Seixa da Costa que nas “guerras civis, os sistemas democráticos tendem a não florescer”, acrescentando que o antecessor de Eduardo dos Santos, Agostinho Neto, “radicalizou o partido e criou tensões na sociedade angolana” que dificultaram sempre uma maior abertura do MPLA à democracia.
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