O presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América, Paul Ryan, apelou hoje ao fim das acusações contra Rafael Marques e Mariano Lourenço por parte do Ministério Público (MP) de Angola.
“A liberdade de expressão é uma forma básica de controlo da corrupção”, escreveu na rede Twitter o líder republicano no Congresso norte-americano.
“Deixem cair a acusação contra Rafael Marques de Morais e Mariano Brás Lourenço”, acrescentou Paul Ryan no post publicado na rede de mensagens ‘online’.
O MP angolano acusou, no passado dia 21, Rafael Marques de crimes de injúrias e ultraje a órgão de soberania, após uma queixa do Procurador-Geral da República por uma notícia publicada por aquele jornalista angolano.
Em causa está uma notícia de Novembro de 2016, colocada no portal de investigação jornalística Maka Angola, com o título “Procurador-Geral da República envolvido em corrupção”, que denunciava o negócio alegadamente ilícito realizado pelo Procurador João Maria de Sousa, envolvendo um terreno de três hectares em Porto Amboim, província do Cuanza Sul, para construção de condomínio residencial.
“Ao longo do exercício da função de Procurador-Geral da República, o general João Maria Moreira de Sousa tem demonstrado desrespeito pela Constituição, envolvendo-se numa série de negócios”, refere a notícia de Rafael Marques, acrescentando que esse comportamento tem contado “com o apadrinhamento do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que lhe apara o jogo”.
“Aqui aplica o princípio informal e cardeal da corrupção institucional em Angola, segundo o qual uma mão lava outra”, escreve ainda a acusação do MP, citando a notícia em causa.
Esta notícia deu origem a uma participação criminal contra o jornalista angolano e, refere igualmente a acusação do MP, no decurso das diligências realizadas foi possível apurar junto do departamento do Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (IGCA) no Cuanza Sul, que o ofendido, o Procurador-Geral da República, “efectivamente requereu e lhe foi deferido o título de concessão do direito de superfície” do terreno em causa a 25 de maio de 2011.
Contudo, “passado um ano, por falta de pagamento dos emolumentos, o contrato atrás referido deixou de ter validade, tendo deste modo o ofendido João Maria Moreira de Sousa perdido o título de concessão do direito de superfície a favor do Estado”, diz a acusação.
A notícia em causa aludia a uma eventual violação do “princípio da dedicação exclusiva” estabelecido pela Constituição angolana e que impediria que os magistrados judiciais e do MP exerçam outras funções públicas ou privadas, excepto as de docência e de investigação científica de natureza jurídica.
“Como se vê na acusação, não conseguem desmentir que ele não comprou o tal terreno. O que dizem agora é que não pagou os emolumentos e portanto o terreno já não é dele. A notícia continua a ser válida”, reagiu na semana passada Rafael Marques.
A acusação, que visa ainda o director do jornal angolano “O Crime”, Mariano Lourenço, que republicou a notícia em causa, refere a “violação” de princípios da “ética e da deontologia profissional”, que se traduzem em “responsabilidade civil, disciplinar e/ou criminal”.
“Levaram estes meses todos para apresentar este argumento, mas isso não altera absolutamente nada. O problema não é se ele continuava com o terreno ou não, o problema é que adquiriu o terreno de forma ilegal”, acrescentou Rafael Marques.
São ambos visados num crime de injúrias contra a autoridade pública, ao abrigo do Código Penal, e outro de Ultraje ao órgão de soberania, pelas observações na mesma notícia ao Presidente da República, este previsto na Lei dos crimes contra a Segurança do Estado.
“Eu escrevi que o Presidente protege os corruptos. Não só reitero, como reafirmo que o Presidente é o padrinho da corrupção em Angola”, acusou ainda Rafael Marques.
O famoso artigo
Eis, na íntegra, o artigo em questão e que o Folha 8 também aqui publicou no dia 26 de Outubro de 2016:
«O procurador-geral da República de Angola, general João Maria Moreira de Sousa, é concessionário de uma parcela de terreno de três hectares para a construção de um condomínio residencial com vista para o mar, no município do Porto-Amboim, província do Kwanza-Sul.
É certo que, provavelmente, a crise económica vai pôr na gaveta os planos imobiliários do PGR, mas isso não invalida que se levantem questões fundamentais acerca da probidade do principal magistrado responsável pelo zelo da legalidade no país.
A 25 de Maio de 2011, conforme documentos em posse do Maka Angola, o general João Maria Moreira de Sousa assinou, na qualidade de superficiário, o contrato de concessão do direito de superfície do referido terreno, na localidade de Tango, sob o processo nº 144-K/11: “Uma parcela de terreno rural, com a área de 3HA (hectares), para a construção de um condomínio, no lugar denominado Tango, comuna sede, município do Porto-Amboim (…).” O terreno situa-se junto ao Hotel Diamond, à entrada da vila do Porto-Amboim.
O procurador-geral teve de pagar apenas 600 mil kwanzas pelo terreno, porque este foi considerado rural, ainda que se destinasse a uso urbano.
A 10 de Outubro, o Maka Angola enviou ao general João Maria de Sousa 13 perguntas, para que ele se pronunciasse sobre o negócio do condomínio que pretende construir no Kwanza-Sul e sobre a forma como obteve directamente o terreno, durante o exercício do cargo de PGR. O magistrado ignorou a correspondência que recebeu, e não respondeu. O Maka Angola publica agora, no final deste texto, as referidas questões.
A Constituição atribui à PGR a representação do Estado no exercício da acção penal, da defesa dos direitos pessoais e da defesa da legalidade. A mesma Constituição refere que o cargo de PGR é incompatível com o exercício de outras actividades.
Segundo o analista jurídico do Maka Angola, Rui Verde, o que está em causa é a violação do “princípio da dedicação exclusiva” estabelecido pela Constituição. Esse princípio impede que os magistrados judiciais e do Ministério público exerçam outras funções públicas ou privadas, excepto as de docência e de investigação científica de natureza jurídica.
“A lei é muito clara: qualquer actividade de natureza privada está vedada ao PGR. Apenas se autoriza o ensino e a investigação científica, desde que não afectem o serviço, o que aliás nem será concebível para um procurador-geral da República. Serviço não lhe falta”, explica Rui Verde.
O analista afirma que o princípio de exclusividade se prende com a salvaguarda do princípio de autonomia do PGR “enquanto elemento pessoal de Direcção do Ministério Público, o qual só pode receber instruções do presidente da República naquilo que se refere à representação do Estado”. E aqui se coloca uma questão pertinente: o general João Maria de Sousa terá recebido instruções do presidente José Eduardo dos Santos para se dedicar ao negócio imobiliário?
“O sentido do princípio está não apenas em impedir que o PGR se disperse por outras actividades, pondo em risco a sua função, mas também em evitar que ele crie dependências profissionais ou financeiras que ponham em risco a sua autonomia”, assevera Rui Verde.
A autonomia obriga o PGR a vincular-se a critérios de legalidade e objectividade, e a incompatibilidade dos magistrados tem como objectivo, em boa parte, não criar dependências financeiras.
O analista jurídico sublinha que qualquer actividade para além da magistratura e da docência ou investigação científica na área do direito, com o propósito de dela auferir proventos ou remunerações, é manifestamente proibida.
“O PGR pode comprar um terreno para edificar uma casa para ele e para a sua família. Pode comprar um automóvel, pode comprar um barco”, esclarece o analista. “Não pode é dedicar-se a outras actividades que impliquem ou sejam similares a uma actividade profissional e das quais queira obter uma remuneração: promotor imobiliário; consultor jurídico de privados; administrador de empresas; comissionista de negócios, fazendeiro, etc.”, remata.
PGR useiro e vezeiro
Ao longo do exercício da função de PGR, o general João Maria de Sousa tem demonstrado desrespeito pela Constituição e pelas leis vigentes no país, envolvendo-se numa série de negócios. Nesse seu comportamento, tem contado com o apadrinhamento do presidente da República, José Eduardo dos Santos, que lhe apara o jogo. Aqui se aplica o princípio informal e cardeal da corrupção institucional em Angola, segundo a qual “uma mão lava a outra”. Os corruptos protegem-se entre si, e a magistratura serve apenas para conferir um ar de legitimidade aos corruptos, além de punir os mais fracos e aqueles que se pretende excluir.
A 13 de Agosto de 2009, endereçámos uma carta ao presidente da República denunciando a actividade empresarial do PGR. Também aqui, não obtivemos resposta.
Essa actividade empresarial passava pela empresa Imexco, na qual o PGR desempenhava a função de sócio administrador. O presidente do Tribunal Supremo Militar, general António Neto “Patonho”, também é sócio da mesma empresa.
O procurador-geral da República prestava também, na altura, assessoria jurídica, consultoria e auditoria privadas através da sua empresa Construtel, Lda. Para além da Deljomar Lda., dedicada à construção civil e ao comércio geral, na qual integrava a Assembleia-Geral, o PGR exercia cumulativamente a função de gerente da Prestcom – Prestação de Serviços e Comércio Geral, Lda.
Na carta ao presidente, escrevemos, e agora reiteramos: “A falta de medidas contra os indivíduos que abusam dos seus cargos para enriquecimento pessoal pode fragilizar Vossa Excelência, expondo-o como principal responsável pelos males causados à sociedade angolana por abusos de poder, corrupção, má gestão e saque do património do Estado.”
Rafael Marques de Morais, vem, na qualidade de jornalista, apresentar ao Procurador-Geral da República um questionário respeitante aos factos abaixo descritos.
No sentido de garantir a liberdade de expressão, de informação e de contraditório, considerando a concessão que V. Exa. obteve do Governador da província do Kwanza-Sul, Serafim Maria do Prado, em 25 de Maio de 2011, referente a uma parcela de terreno rural de três hectares para construção de um condomínio no lugar denominado Tango, Comuna Sede, Município de Porto Amboim, vimos colocar as seguintes questões:
1. O contrato de concessão refere-se a um terreno rural. O título de concessão refere-se a terreno suburbano. Qual a verdadeira natureza do terreno que lhe foi concedido? Qual é a base legal para existir “um terreno rural para construção de condomínio”? Não se trata de uma contradição nos termos?
2. O valor da propriedade (600.000 kwanzas) foi calculado tendo por base a classificação de terreno rural? Considerando que está a ser construído um condomínio no terreno, não deveria este ser avaliado como urbano e, portanto, com um valor muito mais elevado?
3. O terreno estava desocupado ou foi preciso utilizar a força para tomar posse do mesmo?
4. Em que fase se encontra a construção do condomínio?
5. Já foram vendidos lotes ou apartamentos do condomínio?
6. Qual a ligação da concessão e da construção do condomínio ao exercício das funções de Procurador-Geral da República?
7. Não vigora para o exercício do cargo de Procurador-Geral da República o princípio da dedicação exclusiva?
8. Não proíbe a lei expressamente que o Procurador- Geral (aliás, qualquer Procurador) exerça qualquer outra função pública ou privada, excepto a docência ou investigação científica (desde que não prejudique o serviço)?
9. Receber terras e construir um condomínio é uma actividade de docência ou de investigação científica?
10. Empreender a construção de um condomínio não coloca o Procurador-Geral dependente de financiamentos, perturbando a sua independência?
11. Não considera o Procurador-Geral que, ao desenvolver negócios privados no imobiliário, está a violar a lei e o princípio da dedicação exclusiva?
12. Estando a violar a lei, e como principal garante da legalidade em Angola, não deveria demitir-se?
13. Tendo em conta que recebeu a concessão de um terreno de um governador com o fim de aí construir um condomínio, está disponível para pedir a nomeação de uma Comissão de Inquérito que investigue a sua actuação?»
Folha 8 com Lusa e Maka Angola
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