A Amnistia Internacional (AI) teima em continuar a pregar no deserto. Tal como a areia, o regime de Angola mexe-se mas não ouve. Desta vez a AI resolveu avisar o governo de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos que “as manifestações não podem ser usadas como uma oportunidade para punir opiniões críticas do Governo”.
A Amnistia Internacional recomenda às autoridades angolanas que defendam o direito à liberdade de expressão e de reunião. Ou seja, é mais ou menos como recomendar aos jacarés que devem optar uma alimentação vegetariana. Desta forma a AI sente-se bem e o regime angolano sente-se ainda melhor. Portanto, siga a farra da ditadura.
“As autoridades em Angola devem garantir os direitos dos cidadãos ao exercício da liberdade de expressão e de reuniões pacíficas”, lê-se numa mensagem divulgada um dia antes dos protestos que hoje exigiram a libertação de sete activistas condenados em Abril a 45 dias de prisão. O resultado está à vista. Os manifestantes levaram porrada da polícia do MPLA.
Um dos protestos, no Cacuaco, arredores de Luanda, no qual participaram – como o Folha 8 divulgou – algumas dezenas de jovens, terminou com detenções e agressões. Tudo à boa maneira do MPLA que, indiferente aos devaneios dialécticos das organizações internacionais, continua a pôr a razão da força acima da força da razão.
Não adianta… mas sabe bem
A Amnistia Internacional continua a azucrinar a honra e a integridade moral, ética, social, governativa, desportiva, cultural, industrial, económica, religiosa, filantrópica etc. etc. de reino de sua majestade o rei de Angola. O MPLA não está a achar piada pelo que, um dia destes, vai acusar a AI de mais uma tentativa de golpe de Estado, para além de se saber que é uma organização de malfeitores.
Então não é que a AI tem o descaramento de dizer que o descontentamento social e os protestos decorrentes do agravamento da crise económica em Angola, provocada pela quebra nas receitas do petróleo, foram silenciados pelo Governo e com violação de direitos?
A informação consta do relatório anual de 2016 daquela organização, que recorda que o agravamento da crise “desencadeou aumentos de preços para alimentação, saúde, combustível, recreação e cultura”.
“Isto levou a manifestações contínuas de descontentamento e restrições aos direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica. O Governo usou o sistema de Justiça e outras instituições do Estado para silenciar a dissidência”, lê-se no relatório da AI.
Alguém acredita? A AI não ouviu os únicos actores capazes de contarem (porque são os donos dela) a verdade. Desde logo o presidente da República, nunca nominalmente eleito e no poder há 38 anos (José Eduardo dos Santos), passando pelo Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos) e terminando no presidente do MPLA, partido no poder desde 1975 (José Eduardo dos Santos).
A AI acrescenta que o direito à moradia e o direito à saúde também “foram violados” em 2016, recordando que o Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas chegou a expressar “preocupação com medidas de austeridade regressiva” decididas pelo Governo, “incluindo a alocação insuficiente de recursos para o sector de saúde”.
Mais uma enorme gafe da AI. Como é que o regime pode ter violado o direito à moradia e à saúde? Para ter havido violação de direitos era preciso que os cidadãos tivessem… direitos. Como não têm, a acusação é improcedente.
Angola registou em 2016 epidemias de febre-amarela e de malária, com milhares de pessoas afectadas e alertas para falta de medicamentos e material básico nos hospitais do país. Mas isso é irrelevante. Qualquer angolano pode recorrer a hospitais no estrangeiro, em Barcelona por exemplo. Qualquer angolano que, entenda-se, pertença ao clã Eduardo dos Santos. Aliás, os que não pertencem (figuram nestes os 20 milhões de pobres) não são propriamente angolanos…
O relatório da AI aponta ainda que prisões arbitrárias, julgamentos com “motivações políticas” ou acusações de difamação e leis de segurança nacional “continuaram a ser utilizadas para suprimir defensores dos direitos humanos, dissidentes e outras vozes críticas” do Governo angolano.
Ainda assim, a Amnistia destaca que a libertação de “prisioneiros de consciência” – casos em Luanda, com o grupo dos 17 activistas condenados num julgamento que mais não foi que uma palhaçada, e depois libertados, e em Cabinda, com o activista Marcos Mavungo – foram “passos positivos”, mas sublinha que os ganhos “continuam frágeis sem uma reforma legislativa estrutural” e o “total compromisso” com os padrões internacionais de defesa dos direitos humanos.
O caso de Rufino António, de 14 anos, morto a tiro em Viana, arredores de Luanda, por militares, durante um protesto contra a demolição da “casa” dos pais, é também recordado pela organização. Ocorrido em Agosto de 2016, é apontando como um exemplo da violação do direito à habitação, face aos vários casos de despejos forçados e ocupação de terras no país.
A aprovação, em Novembro, no que eufemisticamente se chama Parlamento, de um novo pacote legislativo para regular (leia-se assassinar) a comunicação social em Angola é ainda visto pela organização como uma ameaça à liberdade de expressão.