O Bloco de Esquerda (só podia, claro) apresentou, hoje, à Assembleia da República Portuguesa, uma declaração onde condena a repressão protagonizada pelo Governo angolano contra os sete activistas detidos desde o dia 17 de Abril, quando estes realizavam uma manifestação exigindo transparência nas eleições gerais previstas para o ano em curso.
Por Sedrick de Carvalho
No documento, ao qual o Folha 8 teve acesso, o BE afirma que “a polícia angolana reprimiu violentamente uma manifestação em Cacuaco”, avançando que “esta não é a primeira manifestação violentamente reprimida pelas autoridades angolanas este ano”. O BE refere-se à manifestação do dia 24 de Fevereiro, onde foram espancados vários activistas do célebre «Processo 15+Duas», entre eles Hitler Samussuku que foi ferido gravemente na cabeça.
A declaração foi a votação, mas o “não” venceu com os votos do PS, PSD, CDS e PCP. Com votos favoráveis de doze deputados do PS, o BE e o PAN, o documento de repulsa ao comportamento anti-democrático do Governo-MPLA serviu também para excitar um parlamento que teve uma manhã animada com a presença do vencedor da Eurovisão 2017 – Salvador Sobral.
Entretanto, para além de votar contra o documento, o Partido Comunista Português fez questão de emitir uma declaração de voto onde diz que, se fosse em Portugal, os sete activistas presos teriam tratamento igual, ou seja, estariam na cadeia também. O PCP sustenta esta posição fazendo fé na acusação feita pelas autoridades angolanas, segundo a qual os sete manifestantes foram julgados e condenados por terem atacado uma viatura policial.
O posicionamento do PCP é lamentável, mas não estranha. Em 1977 também nada disse em apoio aos seus militantes, como Sitta Vales, que foram presos e mortos na sequência do 27 de Maio, que entretanto faz 40 anos próxima semana desde a chacina. Pelo contrário, o partido apoiou o MPLA. E a falta de cultura democrática no seio do PCP não tem permitido sequer levantar-se este assunto.
Se os jovens realmente tivessem atacado uma viatura policial, então não estariam nas cadeias mas certamente mortos e comidos por jacarés num rio qualquer do vasto país, como fizeram aos corpos de Cassule e Kamulingue.
O PCP foi mais longe ao afirmar que uma “campanha mais vasta está já em curso procurando desestabilizar e deslegitimar a realização das eleições em Angola”. Quem são os promotores desta campanha? O PCP não disse, mas talvez se refira ao próprio MPLA e à CNE que têm agido contra a Constituição e as leis que regulam o processo eleitoral, como o facto de ter o candidato a vice-presidente da República como coordenador do registo eleitoral, ou então a contratação de empresas suspeitas feita pela CNE sem o aval do parlamento angolano.
Ainda na sua declaração de voto contra, o PCP diz que “Portugal não deve, de novo, ser instrumento e servir de plataforma para a promoção da ingerência contra Estado”. A defesa da liberdade dos sete activistas presos e condenados injustamente em Angola é, ao que parece na visão do PCP, uma ingerência nos assuntos de outro Estado.
O penúltimo parágrafo do documento de duas páginas diz, ipsis litteris: “Foi o povo angolano que conquistou a soberania, a independência e a paz. Agora, como antes, compete ao povo angolano, livre de pressões e ingerências externas, a superação dos problemas com que Angola se confronta e decidir livremente das suas opções”.
Primeira nota: O povo angolano, tão logo conquistou a independência, foi-lhe roubada a soberania por meio de simulações eleitorais, simulacro que voltará a acontecer brevemente e que serve para legitimar uma ditadura de 42 anos ininterruptos.
Segunda nota: Afinal o PCP sabe que os angolanos confrontam-se com vários problemas, dos quais o maior é a longevidade dum governo que mata os que o contestam pacificamente, aprisiona quando quer, e rouba indiscriminadamente, deixando milhões de angolanos numa miséria extrema.
A pobreza extrema evidencia-se também no caso em questão, pois os familiares dos activistas não têm sequer condições de pagar os 75 mil Kwanzas determinado para a libertação dos jovens. Neste momento os presos encontram-se divididos em três cadeias – Viana, Kakila e Calomboloca – sem água apropriada para consumo e sem alimentação. O BE falou alto no Parlamento que alguns destes jovens estão doentes mas sem assistência médica, mas o PCP parece não se importar.
“Não pode haver eleições livres e justas sem liberdade de expressão e reunião, condições basilares do exercício da democracia”, frisa o BE.