A liberdade de imprensa no mundo “nunca esteve tão ameaçada como agora”, alertou a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), invocando ataques contra ‘media’, notícias falsas, repressão e triunfo de “homens fortes”. Angola lá está no topo dos maus exemplos. Ou seja, vai de mal a pior. A bem da nação… do regime.
De acordo com o relatório elaborado anualmente pela organização, a liberdade de imprensa conhece uma situação “difícil” ou “muito grave” em 72 de 180 países, incluindo China, Rússia e Índia, quase todas as nações do Médio Oriente ou da Ásia central e América central, e dois terços dos países de África, incluindo Angola.
A imprensa é livre apenas em meia centena de países em todo o mundo – na América do Norte, Europa, Austrália e sul de África -, indicou o documento, que manifesta preocupação relativamente ao “risco de grande inflexão da situação da liberdade de imprensa, “especialmente em países democráticos importantes”.
“A obsessão com a vigilância e o desrespeito pela confidencialidade das fontes contribuíram para a queda de vários países que ainda ontem eram considerados virtuosos”, referiu a RSF.
Estados Unidos da América, Reino Unido ou Chile caíram duas posições na classificação, respectivamente, para o 43.º, 40.º e 33.º lugar. A Nova Zelândia sofreu um tombo de oito posições, até ao 13.º posto.
“A chegada ao poder de Donald Trump nos EUA e a campanha do Brexit [saída do Reino Unido da UE] no Reino Unido ofereceram uma caixa-de-ressonância aos críticos dos ‘media’ e às notícias falsas”, lamentou a RSF.
“Em qualquer parte onde o modelo do homem forte e autoritário triunfa, a liberdade de imprensa recua”, sublinhou.
A organização citou também a Polónia (54.ª posição), que “estrangula financeiramente” a imprensa independente da oposição, a Hungria (71.ª) de Viktor Orban e a Tanzânia (83.ª) de John Magufuli.
A Turquia caiu quatro lugares no ‘ranking’ da liberdade de imprensa para o 155.º posto, depois de o Presidente Recep Tayyip Erdogan se ter inclinado “resolutamente para o lado dos regimes autoritários”, pode tornar-se na “maior prisão do mundo para os profissionais dos meios de comunicação social”, apontou a RSF. Já a Rússia, de Vladmir Putin, permanece ancorada na parte inferior da tabela, no 148.º lugar.
Na Ásia, as Filipinas (127.ª posição) subiram 11 lugares graças à diminuição do número de jornalistas mortos em 2016, mas os insultos e as ameaças contra a imprensa proferidos pelo Presidente Rodrigo Duterte fazem temer o pior, disse a RSF.
O secretário-geral da RSF, Christophe Deloire, destacou ainda a “vertiginosa mudança nas democracias”, atendendo a que seis em dez países registaram um agravamento.
Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca e Holanda ocupam os primeiros cinco lugares do ‘ranking’ mundial da liberdade de imprensa.
A Coreia do Norte – o pior classificado -, Eritreia, Turquemenistão, Síria e China figuram nos cinco últimos.
O índice da liberdade de imprensa é elaborado pela RSF com base numa série de indicadores que avaliam, entre outros, o pluralismo, a independência dos ‘media’, o quadro legislativo em que operam e a segurança dos jornalistas quando realizam o seu trabalho.
Liberdade de imprensa diminui em Angola e Moçambique
O mapa da liberdade de imprensa é sombrio em termos globais está em queda contínua no continente africano, segundo o Índice da organização Repórteres Sem Fronteiras. “Vimos que, nos últimos meses, houve um recurso sistemático ao corte da internet devido alegadamente a alertas de segurança. Também por alegados motivos de segurança, os Governos impedem jornalistas de trabalhar”, denuncia Cléa Kahn-Sriber, chefe do departamento africano dos Repórteres Sem Fronteiras.
A responsável chama atenção para “o reforço das leis anti-terroristas ou do estado de emergência, usando o argumento de segurança para limitar a liberdade de imprensa e liberdade de expressão” em vários países africanos.
A Eritreia, Sudão, Djibuti, Guiné Equatorial, Somália, Líbia, Egipto e Burundi são os países africanos onde a situação da liberdade de imprensa é mais grave, segundo o Índice de Liberdade de Imprensa 2017.
Entre os 180 países do relatório, Angola está na posição 125; caiu dois lugares em relação a 2016. De acordo com os Repórteres Sem Fronteiras, a liberdade de imprensa em Angola foi sempre complicada desde o início da era do Presidente José Eduardo dos Santos, há 38 anos. A situação agravou-se com a aprovação, no ano passado, do novo pacote de leis sobre a comunicação social, refere a organização.
O relatório dos Repórteres Sem Fronteiras não surpreende Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos.
“Nós hoje debatemo-nos com uma Lei de Imprensa que regrediu drasticamente o exercício da profissão, na medida em que exclui as rádios comunitárias, colocou uma barreira económica para a constituição da empresa, pois hoje são necessários milhões de kwanzas para a abertura de órgãos de comunicação social e transferiu a responsabilidade de fiscalizar os órgãos de comunicação social de uma entidade judicial para uma entidade administrativa”, denuncia Teixeira Cândido.
Além disso, o “delito de imprensa continua a ser tido como um delito criminal, ou seja, os jornalistas ainda vão parar à cadeia por um delito como difamação”.
São frequentes ainda as situações de intimidação de jornalistas. “Há cerca de dois, três meses tivemos jornalistas que foram maltratados no acesso à informação, jornalistas que foram retidos por militares, porque estavam a cobrir demolições no Zango”, nos arredores de Luanda, recorda o sindicalista.
Mas, segundo Teixeira Cândido, a autocensura é o “maior inimigo” dos profissionais da comunicação social. “Os jornalistas profissionais querem proteger os empregos, porque sabem que os proprietários dos órgãos de comunicação social são basicamente da mesma família”, esclarece.
Efeitos do conflito em Moçambique
A organização Repórteres Sem Fronteiras alerta que a autocensura é também preocupante em Moçambique. A liberdade de imprensa no país piorou em relação ao último índice. Na posição 93, mais ou menos a meio da tabela, Moçambique caracteriza-se por uma situação sensível (no relatório de 2016, o país estava no lugar 87).
Fernando Gonçalves do Instituto de Média para a África Austral (MISA), em Moçambique, considera que a liberdade de imprensa degradou-se muito mais nos últimos cinco a seis anos do que no ano anterior.
No entanto, o ligeiro decréscimo em relação ao relatório anterior “pode ser uma questão de percepção, mas também pode ter a ver com a tensão política que se viveu no país nos últimos tempos”, estima Fernando Gonçalves.
O conflito político-militar entre as forças do Governo e do maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), começou a abrandar a partir de Dezembro 2016, mas “talvez o efeito desse melhoramento não se fez ainda sentir a nível da percepção pública”, acrescenta o responsável do MISA em Moçambique.
De acordo com o Índice 2017 dos Repórteres Sem Fronteiras, a liberdade de imprensa melhorou ligeiramente na Guiné-Bissau, que está na posição 77 entre 180 países (no relatório anterior estava em 79).
No lugar 27 e com uma situação relativamente boa, Cabo Verde é o melhor posicionado entre os PALOP (no índice de 2016 estava no lugar 32). São Tomé e Príncipe não aparece na lista da organização internacional.
Em termos globais, a liberdade de imprensa piorou, com o aumento do número de países onde a situação é muito grave: em 71 países a situação é tida como grave e difícil. Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, os ataques contra os média são cada vez mais frequentes, agrava-se o controlo dos meios de comunicação social por parte de grandes grupos económicos e aumentou a propaganda online e nas redes sociais.