O MPLA, partido no poder em Angola desde 1975 e cujo presidente está no cargo há 38 anos, afirma que o processo de paz no país, que amanhã assinala 15 anos, tornou-se numa “referência” internacional, apesar das críticas justas, provadas e comprovadas de “intolerância”.
Auma posição a propósito do 15º aniversário da assinatura do memorando de entendimento complementar ao protocolo de Lusaca, no Luena, entre as forças militares governamentais e da UNITA, já sem Jonas Savimbi que fora morto em combate a 22 de Fevereiro, o Bureau Político do MPLA afirma que a “paz concreta e definitiva” foi “o maior bem público” alcançado.
Se o MPLA acredita que Angola vive uma situação de “paz concreta e definitiva”, porque carga de chuva não consegue fazer um único discurso em que não diga que é necessário preservar a paz? Ou será que, perante a sua manifesta intolerância com todos os que pensam de forma diferente, teme que a paz afinal não seja assim tão definitiva? Ou é mesmo isso que quer?
O partido, liderado por José Eduardo dos Santos, também chefe de Estado (nunca nominalmente eleito e no poder há 38 anos), afirma que se empenhou nos últimos 15 anos “num processo de convivência democrática, promovendo a reinserção política, económica e social dos dirigentes e militares de todas as forças envolvidas na guerra” e “encetando um verdadeiro processo da sua consolidação e de reconciliação nacional”.
Para se provar que todos estes argumentos não passam de uma enormíssima mentira e, ao mesmo tempo, de um atestado de menoridade intelectual a todos os angolanos, basta ver que com o MPLA há 41 anos no poder, Angola tem 20 milhões de pobres, é um dos países mais corruptos do mundo e lidera o ranking mundial da mortalidade infantil.
“O êxito alcançado nesse processo é reconhecido por todo o mundo e o caso de Angola é já um modelo e uma referência que é seguida internacionalmente, uma condição que o MPLA continuará a evidenciar, a todo o momento, pois é uma via para desenvolver a cultura da paz e da estabilidade universal”, refere o Bureau político do partido, untando o umbigo com o dinheiro do petróleo e dos diamantes roubados ao erário público.
Até 4 de Abril de 2002 a guerra civil que se seguiu às duas proclamações de independência (a República Popular de Angola proclamada em Luanda pelo MPLA e a República Democrática de Angola proclamada no Huambo pela UNITA e FNLA), a 11 de Novembro de 1975, provocou mais de 500.000 mortos e quatro milhões de deslocados.
Ao fim de 15 anos de paz, a UNITA, signatária do acordo que efectivou a paz após quase 30 anos de conflito armado, denuncia sistematicamente problemas de “intolerância política”, como o fez em Março poucos dias depois de vários militantes terem sido presos e depois libertados pela polícia, no sul, e de em 2016 uma comitiva de deputados do partido ter sido atacada em Benguela, resultando em vários mortos.
O partido liderado por Isaías Samakuva instou por isso as autoridades angolanas a “garantirem os direitos constitucionais a todos os cidadãos” e a “porem termo aos actos de intolerância política” e à “privação da liberdade sem qualquer fundamentação, que infelizmente continuam a ter lugar”.
Além disso, o partido fundado há 50 anos por Jonas Savimbi afirmava “responsabilizar” a Procuradoria-Geral da República e as instituições judiciais “na investigação e no apuramento de responsabilidades perante as múltiplas e persistentes evidências de desvios de fundos públicos”, bem como das “denúncias de corrupção” que “está na base da grave situação social e económica” do país.
Já o MPLA afirma, ao invocar os 15 anos de paz e no actual contexto de crise económica e financeira, que “continuará a dedicar uma atenção especial ao desempenho dos quadros aos quais foram confiadas tarefas de gestão da coisa pública”.
“Combatendo, com todas as suas forças, todos os fenómenos que indiciem actos de corrupção e de gestão danosa e irresponsável na execução dos orçamentos afectos aos serviços da Administração Pública, central e local”, aponta o Bureau Político do partido no poder. Não diz, contudo, que na corrupção estão envolvidos alguns dos mais altos dignitários do regime/MPLA, nem reconhece que pôr os corruptos a combater as corrupção não é a solução.
O 15º aniversário do acordo que tornou a paz efectiva fica ainda marcado pela preparação da suposta saída do poder (embora mantendo-se na liderança do MPLA) de José Eduardo dos Santos, que não se recandidata ao cargo de Presidente da República, tentando o actual ministro da Defesa, João Lourenço, suceder-lhe nas eleições previstas para Agosto e ainda não marcadas oficialmente
“Esse momento será, também, o culminar de um processo de transição exemplar, que marcará a passagem de testemunho para um novo cabeça-de-lista do MPLA”, enfatiza o partido.
O acordo de cessar-fogo em Angola surgiu na sequência de negociações iniciadas oficialmente a 15 de Março de 2002, cerca de três semanas depois do líder da UNITA, Jonas Savimbi, ter sido abatido pelas FAA (com o apoio efectivo de ex-generais da UNITA) na província oriental do Moxico.
A 3 de Abril de 2002, antecedendo o dia da assinatura do acordo final de paz, o parlamento angolano aprovou a lei da amnistia para “todos os crimes contra a segurança do Estado que foram cometidos no contexto do conflito armado angolano”.
Contudo, a organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional condenou na altura a aprovação desta lei, defendendo que os dois lados cometeram crimes horríveis e que os seus autores deviam ser julgados.
O MPLA até estava disponível para aceitar ir a “julgamento” pois, como dizem os seus arautos, só as balas da UNITA é que matavam as populações indefesas. As do MPLA… desviavam-se.