Os independentistas das Forças Armadas de Cabinda (FAC) voltaram a hoje a reivindicar ataques mortais a militares angolanos e advertiram os partidos políticos de Angola para não fazerem campanha para as próximas eleições gerais naquele território ocupado em 1975 por Angola.
Num “comunicado de guerra” enviado hoje às redacções e assinado pelo tenente-general Alfonso Nzau, o segundo do género em dois dias consecutivos, os independentistas de Cabinda afirmam que “multiplicaram os ataques nos últimos dias, na região do Necuto, contra as forças do exército angolano [FAA – Forças Armadas Angolanas]”.
De acordo com o comunicado da Frente de Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC), os últimos ataques aconteceram esta terça-feira.
Um destes na vila de Bembica, junto ao rio Lola, envolvendo uma emboscada a uma viatura que transportava militares, “tendo daí resultado três mortos, dos quais dois soldados e um oficial”. Sensivelmente ao mesmo tempo, segundo os guerrilheiros, na aldeia de Seva Tando-Macuco, foi lançado um ataque contra uma patrulha militar das FAA, “com o resultado de seis mortos e vários feridos do lado das FAA, tendo-se registado duas mortes das FAC”.
“O comando militar das FAC avisa todos os partidos políticos angolanos sem excepção, que não os quer a fazer campanha eleitoral em Cabinda, porque Cabinda não é Angola”, lê-se ainda no comunicado.
Angola tem previstas eleições gerais para Agosto próximo.
Na terça-feira, as FAC tinham já reclamado a autoria de vários ataques às FAA entre 3 e 10 de Fevereiro e a morte de 18 militares angolanos.
A FLEC, através do seu braço armado, recorda que a 1 de Fevereiro de 1885 foi assinado o Tratado de Simulambuco, que tornou aquele enclave num “protectorado português”, o que está na base da luta pela independência do território.
No final de Janeiro, os independentistas da FLEC-FAC anunciaram a morte de dois militares das FAA, num ataque daquelas forças, tendo divulgado imagens de cartões de identificação das vítimas.
Durante o ano de 2016, vários ataques do género provocaram, nas contas da FLEC-FAC, desmentidas pelo Governo angolano, mais de meia centena de mortes entre as operacionais das FAA, em Cabinda.
O ministro do Interior de Angola afirmou em Outubro que a situação em Cabinda é estável, negando as informações das FAC, que só entre Agosto e Setembro tinham reivindicado a morte de mais de 50 militares angolanos em ataques naquele enclave.
“Em Cabinda, o clima de segurança é estável, é uma província normal, apesar de algumas especulações e notícias infundadas sobre pseudo-acções militares que se têm realizado”, disse o ministro Ângelo da Veiga Tavares.
O chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas também desmentiu em Agosto, em Luanda, a ocorrência dos sucessivos ataques reivindicados pela FLEC-FAC, com dezenas de mortos entre os soldados angolanos na província de Cabinda.
Geraldo Sachipengo Nunda disse então que a situação em Cabinda é de completa tranquilidade, negando qualquer acção da FLEC-FAC, afirmando que aqueles guerrilheiros “estão a sonhar”.
Opinião diferente tem o secretário de Estado angolano para os Direitos Humanos e presidente do Fórum Cabindês para o Diálogo que, no passado dia 1, admitiu a existência de acções militares em Cabinda.
(Mais uma) vergonha portuguesa
Os cabindas continuam a reivindicar, e desde 1975 fazem-no com armas na mão, a independência do seu território. No intervalo dos tiros, e antes disso de uma forma pacífica, nomeadamente quando Portugal anunciou, em 1974, o direito à independência dos territórios que ocupava, a população de Cabinda reafirma que o seu caso nada tem a ver com Angola. E não tem.
Em termos históricos, que Portugal teima em esquecer, Cabinda estava sob a “protecção colonial”, à luz do Tratado de Simulambuco, pelo que o Direito Público Internacional lhe reconhece o direito à independência e, nunca, como aconteceu, à integração coerciva em Angola.
Relembre-se aos que não sabem e aos que sabem mas não querem saber, que Cabinda e Angola passaram para a esfera colonial portuguesa em circunstâncias muito diferentes, para além de serem mais as características (étnicas, sociais, culturais etc.) que afastam cabindas e angolanos do que as que os unem.
Acresce a separação física dos territórios e o facto de só em 1956, Portugal ter optado, por economia de meios, pela junção administrativa dos dois territórios.
Com perto de dez mil quilómetros quadrados, Cabinda é maior que S. Tomé e quase do tamanho da Gâmbia. Possui recursos naturais que lhe garantam, se independente, ser um dos países mais ricos do Continente. A nível agrícola, das pescas, pecuária e florestas tem grandes potencialidades mas, de facto, a sua maior riqueza está no subsolo: Petróleo, diamantes fosfatos e manganês.
Cabinda, ao contrário do que se passou com Angola, foi “adquirida” por Portugal no fim do Século XIX, em função de três tratados: o de Chinfuma, a 29 de Setembro de 1883, o de Chicamba, a 20 de Dezembro de 1884 e o de Simulambuco, a 1 de Fevereiro de 1885, tendo este anulado e substituído os anteriores.
Recorde-se que estes tratados foram assinados numa altura em que, nem sempre de forma ortodoxa, as potências europeias tentavam consolidar as suas conquistas coloniais. A Acta de Berlim, assinada em 26 de Fevereiro de 1885, consagrou e reconheceu a validade do Tratado de Simulambuco.
No caso de Angola, a ocupação portuguesa remonta a 1482, altura em que Diogo Cão chega ao território. E, ao contrário do que se passou em Cabinda, a colonização portuguesa em Angola sempre teve sérias dificuldades e constantes confrontos com as populações, de que são exemplos marcantes, nos séculos XVII e XVIII, a resistência dos Bantos e sobretudo da tribo N´ Gola.
É ainda histórico o facto de a instalação dos portugueses em Angola ter sido feita pela força, sem enquadramento jurídico participado pelos indígenas, enquanto a de Cabinda se deu, de facto e de jure, com a celebração dos referidos tratados, subscritos pelas autoridades vigentes na potência colonial e no território a colonizar.
Segundo a letra e o espírito do Tratado de Simulambuco, assinado por príncipes, governadores e notáveis de Cabinda (e pacificamente aceite pelas populações), o território ficou “sob a protecção da Bandeira Portuguesa”.
No contexto histórico da época, o Tratado de Simulambuco reflecte tanto à luz do Direito Internacional como do interno português, algo semelhante ao dos protectorados franceses da Tunísia e de Marrocos.
Apesar da anexação administrativa, Cabinda sempre foi entendida por Portugal como um assunto e um território distintos de Angola. A própria Constituição Portuguesa, de 1933, cita no nº 2 do Artigo 1 (Garantias Fundamentais), Cabinda de forma específica e distinta de Angola.
Partindo desta realidade constitucional, a ligação administrativa registada em 1956 nunca foi entendida como uma fusão com Angola. Nunca foi, não é nem poderá ser por muito que isso custe tanto ao MPLA como à UNITA, embora mais ao primeiro do que à segunda.